Indígenas comemoram conquista de terras no Dia do Índio

Indígenas comemoram conquista de terras no Dia do Índio

Oito comunidades mbyá-guaranis receberam 850 hectares e casas para sair de margens de rodovias<br />

Cíntia Marchi

Oito comunidades mbyá-guaranis receberam 850 hectares e casas para sair de margens de rodovias

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Por 14 anos, o mbyá-guarani Santiago Franco morou numa barraca entre a cerca de uma propriedade privada e o asfalto da BR 116. Hoje, ele consegue ver com clareza quais foram os impactos positivos e negativos de deixar a beira de estrada. Os positivos, como era de se esperar, são maioria. Santiago é um dos moradores que, neste Dia do Índio, comemoram a conquista da terra e o futuro mais seguro e tranquilo para as crianças. É o cacique da aldeia que carrega “terra” no nome: Tekoá Yvy Poty (Aldeia Flor da Terra), uma das oito beneficiadas pelo Programa de Apoio às Comunidades Indígenas Mbyá-Guarani, no Âmbito das Obras de Duplicação da BR 116, entre Guaíba e Pelotas.

Com o acompanhamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) entregou 850 hectares para as oito aldeias e, em muitas delas, já construiu as casas prometidas. Desde janeiro de 2014, o cacique Santiago e seus parentes se mudaram para uma área em Barra do Ribeiro, 6 quilômetros longe da rodovia.

Dos 100 hectares ganhos, 40 estão cobertos por mata nativa. Até que as casas da nova aldeia sejam providenciadas pelo Dnit, os moradores se acomodam na residência dos antigos donos da propriedade. Mas uma construção indígena já foi erguida no local, a casa de reza, onde os indígenas fazem seus pedidos, recebem sinais e abençoam a morada.

O novo território tem proporcionado tranquilidade e segurança para os guaranis. “Perdi quatro parentes atropelados no Passo da Estância (Barra do Ribeiro). Na rodovia tinha muito barulho, era perigoso, mas era o único lugar que a gente tinha. Longe da estrada, temos espaço para as crianças brincarem, temos lugar para fazer as nossas roças de milho, mandioca, melancia. Tem riqueza natural, tem rio para pescar, tem local para fazer as nossas construções e as crianças continuarem aprendendo a cultura”, acrescenta Santiago. Hoje, nove famílias e 37 mbyá-guaranis vão implantando, aos poucos, seu modo de viver naquela faixa de terra.

Uma mobilização pela terra

O cacique Santiago Franco, de 54 anos, é líder dos mbyá-guaranis na região entre Guaíba e Pelotas que sofreu intervenções da duplicação da BR 116. Ao longo de cerca de 200 quilômetros, calcula-se que vivem 600 indígenas. Segundo o Programa de Apoio às Comunidades Indígenas, há 2 mil indígenas dessa etnia no RS.

Assim que soube dos comentários a respeito da duplicação, o povo guarani se mobilizou. “Ninguém nos comunicava sobre o que aconteceria. Então, fomos a Brasília”, diz Santiago. A pressão resultou na definição de ações por meio do Plano Básico Ambiental/Componente Indígena.

Para o programa, o Dnit firmou contrato com a Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária. A coordenadora-geral é Juliana Roscoe e o antropólogo é Flávio Gobbi. Ele explica que os mbyá-guaranis encontraram na região elementos na fauna e flora do bioma da Mata Atlântica. “Durante muitos séculos foram fugindo da colonização, principalmente dos estrangeiros, e no século XX se instalam em áreas ainda não ocupadas onde reconhecem que seus antepassados viveram”, explica. “Nos anos 60 e 70, começam a aparecer os registros deles na BR 116. São histórias de vida entrelaçadas com a rodovia.”

Diminui venda de artesanato

A saída da faixa de domínio da BR 116 trouxe um ponto negativo para os moradores da Aldeia Flor da Terra, assim como para as demais comunidades indígenas. Longe da rodovia eles não conseguem comercializar seus artesanatos, uma das principais fontes de renda. “Lá se vivia de maneira muito difícil, mas a gente conseguia vender e encontrar materiais como a taquara para fazer artesanato”, argumenta o cacique Santiago.

Para compensar os prejuízos causados pelo afastamento das aldeias, em curto prazo, o Dnit tem comprado de mais de cem famílias, mensalmente, as peças produzidas. O material adquirido é doado, em sua maioria, para instituições escolares. Também são distribuídas cestas básicas entre as aldeias.
A longo prazo, o plano de mitigação dos impactos prevê a construção de casas de artesanato adequadas às especificidades culturais dos mbyá-guaranis, ao longo da rodovia. Elas devem oferecer toda a infraestrutura em áreas desapropriadas pelo Dnit. No entanto, essas metas ainda não saíram do papel.


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