JJ 3054, dez anos: indenizações

JJ 3054, dez anos: indenizações

“Eram pessoas frias e calculistas que estavam ali para depreciar o valor dos mortos"

Marco Aurélio Ruas

“Eram pessoas frias e calculistas que estavam ali para depreciar o valor dos mortos"

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Não há assunto mais delicado para os familiares do que as indenizações. O tema provoca constrangimento ao ser abordado e gerou traumas no processo de resolução. Do ponto de vista técnico, os acordos foram tão bem sucedidos que acabaram sendo adotados em outros casos. Do ponto de vista emocional, mostraram o que havia de pior na tragédia.

“Fazer a negociação depois da morte do meu irmão foi uma das piores experiências da minha vida”, alega Roberto Gomes. Segundo ele, que é assessor de comunicação voluntário da Afavitam e irmão da vítima Mario Gomes, os valores das indenizações não mudaram o status social de ninguém. “Quem era pobre, continuou pobre. Quem era rico, continuou rico.” De acordo com o jornalista, a grande maioria das famílias levou quase dois anos para dar início ao processo. “Como se negocia a vida de um familiar? Qual é o parâmetro, indexador ou tabela? Não existe.”

Por outro lado, a associação trabalhou na atualização do valor de um seguro chamado Reta (Responsabilidades do Explorador ou Transportador Aéreo). “Na época do acidente, a Reta estava avaliada em R$ 14,7 mil por vítima. O valor estava defasado desde os anos 80. Deveria ter sido R$ 150 mil. A indenização é para a família ter um meio de subsistência”, relata Gomes. A associação chegou a entrar com ação, por meio do Ministério Público Federal, pedindo o reajuste do seguro. “Foi contestado (o pedido). O objetivo era para que no futuro os familiares de acidentes aéreos não passassem pela mesma coisa”, conta. O valor foi reajustado apenas há alguns anos, sendo atualizado para cerca de R$ 40 mil.

De acordo com o jornalista, a maioria das famílias iniciaram o processo de negociação das indenizações após uma conversa com uma defensora pública de São Paulo. “Ela disse que deveríamos tratar disso, que seria a única forma de colocar um fim ao assunto.” As famílias tiveram diversas alternativas para escolher como seria a negociação. Algumas trataram diretamente com a companhia aérea, outros realizaram acordos nos EUA. Outra forma foi a criação das Câmaras Indenizatórias, por parte da Defensoria Pública de São Paulo.

O jornalista tentou realizar o processo por diversos meios, mas teve dificuldades. “Eram pessoas frias e calculistas que estavam ali para depreciar o valor dos mortos. Era o papel delas”, disse sobre quem sentava do outro lado da mesa. O assessor ainda relata que não havia parâmetro para o cálculo do valor. “Eles tinham uma técnica de acordo com o perfil de cada vítima. Os valores que ofereciam eram ridículos. Chegaram a oferecer R$ 17 mil para um pai que perdeu a única filha. Nenhum valor traria aquela filha de volta”, ressalta.

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