JJ 3054, dez anos: investigação

JJ 3054, dez anos: investigação

Avaliação do Cenipa teve como consequência a emissão de 83 recomendações de segurança

Marco Aurélio Ruas

Avaliação do Cenipa teve como consequência a emissão de 83 recomendações de segurança

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O Cenipa estava em fase de transição quando ocorreu o acidente do JJ 3054. O órgão assumia novas responsabilidades e ainda tratava da investigação do sinistro da Gol, ocorrido no ano anterior. O desafio era grande frente às críticas direcionadas à aviação civil e ao aeroporto de Congonhas. O ápice se deu quando um avião ATR da Pantanal aquaplanou e saiu da pista um dia antes da tragédia. “Quando tivemos o acidente em Congonhas já se vivia um período conturbado. Isso trouxe uma série de consequências para a investigação”, afirma o coronel-aviador Fernando Silva Alves de Camargo, que chefiou a equipe do Cenipa que apurou a tragédia.

A primeira preocupação do órgão foi em relação à segurança das operações em Congonhas. Em seguida, vieram fatores como a lotação do avião, a possibilidade de defeitos da aeronave, entre outros. “A atuação da CPI (do Apagão Aéreo) teve impacto muito grande. O Cenipa teve de gerenciar diversos conflitos por conta da atuação da CPI, inclusive com outros países”, relata o coronel. Os problemas com os estrangeiros eram acentuados pelo tratado internacional que o Cenipa integra para atuar em parceria com órgãos de outros países. No caso do JJ 3054, a investigação contou com a participação de engenheiros e técnicos americanos e o acompanhamento de técnicos franceses.

O primeiro constrangimento entre o Cenipa e os estrangeiros ocorreu quando seria realizada a primeira reunião entre eles. “Na televisão estavam transmitindo um deputado que estava lendo a transcrição do conteúdo das caixas pretas”, conta o coronel. A publicidade da transcrição era proibida pelo tratado internacional, o que gerou um protesto por parte do governo francês. A visita de dois deputados federais aos EUA para acompanhar trabalhos também gerou desconforto. Outra situação relatada por Camargo diz respeito a um conflito inicial com a Polícia Federal em relação aos gravadores e à caixa preta. “Várias situações impactaram na investigação”, ressalta.

De qualquer maneira, a investigação realizada pelo Cenipa apresentou um diagnóstico de todo sistema operacional em Congonhas e a identificação de falhas e aspectos que poderiam ser melhorados.

Contudo, devido ao uso de suposições e hipóteses no processo realizado para se encontrar respostas, a utilização dos relatórios do Cenipa passaram a não ser admissíveis como prova judicial. “Nosso relatório é muito técnico, focado em aspectos de melhoria. Quem não tem conhecimento do trabalho pode enxergar insegurança onde não existe”, alega Camargo. A facilidade com que o assunto pode se tornar de difícil entendimento fez com que o órgão tomasse precauções para que não fosse gerada alguma crise a partir da sua investigação. No final, o relatório foi concluída com duas hipóteses: falha material ou erro do piloto. Entretanto, por diversos fatores inconclusivos, nenhum apontamento ganhou protagonismo o suficiente para que o acidente fosse completamente explicado. “Pode ter havido uma ou outra”, disse Camargo.

Por outro lado, a investigação do Cenipa teve como consequência a emissão de 83 recomendações de segurança. Elas envolvem todas as partes da aviação civil, desde mudanças no aeroporto até treinamento dos pilotos, alterações na aeronave e em protocolos da Anac, Infraero, entre outros. De acordo com o coronel, todas as recomendações foram cumpridas algumas já durante o processo de investigação. “É importante saber que não apontamos causas, apontamos fatores contribuintes, de maior ou menor grau, que podem ter ajudado a causar o acidente. A nossa investigação não busca responsabilização e não atribui culpa.”

O trabalho resultou na valorização da imagem do Cenipa, inclusive com reconhecimento mundial. “Passar pelos dois acidentes trouxe um amadurecimento muito grande, inclusive para favorecer o processo de reestruturação e a consequente nota na auditoria que testa o grau de implementação dos requisitos internacionais”, destaca Camargo. A auditoria ocorreu em 2009 e o Cenipa alcançou o grau de 96% de conformidade, a nota mais alta do mundo.

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