Mãe Social: vínculo de amor e carinho com crianças acolhidas

Mãe Social: vínculo de amor e carinho com crianças acolhidas

Mulheres que atuam na função nas casas-lares de Porto Alegre recebem homenagens no Dia das Mães

Felipe Nabinger

Raquel (de azul) e Andressa são Mães Sociais em casas-lares de Porto Alegre

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“O que eles precisam é de muito amor. Há necessidade de abraço, de carinho”. A frase de Andressa Rodrigues Berny, 36, diz respeito a crianças e jovens afastadas de suas famílias pela Justiça e acolhidas em casas-lares. Mãe biológica de Vitor, 22, Vitória, 21, e Rafaela, 7, a ex-comerciária, que trabalhava em uma ferragem, assumiu a menos de um ano a missão de ser também uma “mãe profissional”. Na metade do ano passado, ela passou a ser responsável por uma casa-lar, modalidade de acolhimento realizado em residências. Na função de Mãe Social, regulamentada por lei desde 1987, ela cuida de nove crianças de 5 a 12 anos de idade, residindo em uma casa no bairro Santana com o esposo Rafael Fogaça, 34, e a filha mais nova.

“Nossa adaptação foi muito tranquila. Ali é como se fosse nossa casa e a intenção é essa, não de criar o ambiente de abrigo. São nossos filhos do coração”, garante, completando que as regras são as mesmas para Rafaela e para os abrigados. Além de gostar de crianças, Andressa já conhecia esse tipo de ambiente pois a sogra fora educadora substituta, cobrindo o dia de folga destinado às mães sociais na semana. Agora, ela vive a expectativa do primeiro Dia das Mães na função. “A semana toda as crianças estão falando sobre as apresentações na escola e prometeram que vão me surpreender”, conta.

Andressa passará o primeiro Dia das Mães na função | Foto: Mauro Schaefer

Em outra casa-lar no mesmo bairro, com oito jovens entre 4 e 17 anos de idade, Raquel Elaine Werdum, 56, já passou por essa experiência ano passado. “Foi muito marcante. Eles encheram a área de fotos e foi muito acolhedor”, lembra, emocionada. Neste ano, V., 8, diz já ter terminado o cartão alusivo à data, decorado com um coração, para entregar para Raquel. Durante a visita de Correio do Povo, ele desenhou a mãe social, enquanto L., 4, fazias “raios e um dinossauro”. Raquel diz que em datas especiais como essa, é comum que os acolhidos promovam surpresas. “É um desafio maravilhoso. Nem tudo são flores, mas é ótimo”, conta ela, que é mãe social há mais de um ano. No entanto, sua experiência na área vem de família.

Raquel fora educadora social em abrigos e educadora substituta em casas-lares. Porém, desde criança, por volta dos 12 anos, ela convivia com a premissa de que em coração de mãe, sempre cabe mais um. “Minha mãe foi mãe substituta na época da Febem (extinta Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor, que deu lugar à Fundação de Atendimento Sócio-Educativo, a Fase), que era diferente do que é agora. Tínhamos oito crianças em nossa casa. Ela acabou com a guarda de dois, que são meus irmãos”, conta.

Raquel tem experiência familhar na área do acolhimento | Foto: Mauro Schaefer
 

Mãe de Vanessa, 37, Jefferson, 31, e Gisele, 27, ela diz que conta com o apoio familiar. “Meus filhos me elogiam pelo carinho. Eles dizem que nunca imaginaram que me envolveria nesse trabalho de forma tão direta”, explica. Junto com o marido Verlau Iba Wedum, 74, ela mora, ela passou a morar em uma casa de dois andares, com um quintal na parte interna, garantindo espaço para que as crianças brinquem entre seus afazeres, passeios e saídas para a escola.

As residências onde funcionam as casas-lares não contam com identificação. São casas que buscam se aproximar ao máximo do ambiente familiar. As crianças estudam em diferentes escolas e turnos, dependendo da faixa etária, têm carilho e também limites. Elas são encaminhadas pelo Juizado da Infância e Juventude e, além do casal residente, são acompanhadas pela coordenadora técnica, por uma assistente social e também por uma psicóloga. Em Porto Alegre, Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC) mantém mais de 30 casas-lares. Destas, treze, incluindo as de Andressa e Raquel, são em parceria com o Abrigo João Paulo II.

Vínculos mantidos

Camila Monteiro Martins, 40, coordenadora técnica das casas-lares do Abrigo João Paulo II, explica que as crianças que estão acolhidas em casas-lares podem ter retorno familiar ou serem adotadas, dependendo de decisões judiciais. “As crianças que vem para o acolhimento por diversos motivos, como negligência, maus tratos, abuso sexual, pais usuários de drogas ou com problemas mentais. Quando se esgota todas as possibilidades de manter a criança com a família biológica, ela acaba vindo para um espaço protetivo de acolhimento”, detalha.

A coordenadora relata que, mesmo após a saída dos jovens dos lares, seja por atingirem a idade limite de 18 anos, de adoção ou retorno para as famílias biológicas, o vínculo com as mães sociais segue. “Vemos nas redes sociais dos pais sociais muitas mensagens lindas em datas como dias das mães. Há muitos que vão para adoção e mantém o contato. As próprias famílias adotivas acabam sendo muito gratos a eles pelo tempo que cuidaram dos seus filhos”.

Um dos motivos para isso, é a troca mútua de amor entre elas e as crianças. “Não tem como deixar o coração guardado e tratar apenas como um trabalho”, afirma Andressa. “Ou se entra de cabeça ou não entra. Tem que ter muito foco e responsabilidade”, complementa Raquel. Sobre a manutenção do vínculo, ela exemplifica com um jovem de 19 anos, que recentemente deixou o local, mas segue em contato. “Ele me manda mensagem no whatsapp. ‘Oi tia, me empresta a senha da Netflix (risos)’”.

Mais de 33 mil acolhidos

Conforme o Censo do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), há mais de 33 mil crianças e adolescentes acolhidos, afastados de suas famílias para serem cuidados e protegidos pelo Estado no Brasil, em diferentes modalidades de acolhimento. São 3.181 estabelecimentos de acolhimento espalhados por mais de dois mil municípios em território nacional. Do total deles, 260 são casas-lares.

Esse tipo de acolhimento é priorizado para crianças e adolescentes com perspectiva de acolhimento de média ou longa duração e o ambiente deve se aproximar a de uma rotina familiar, favorecendo o convívio com a família e a comunidade local. Cada unidade pode ter no máximo 10 acolhidos. A função de mãe social está regulamentada pela Lei 7.664/87, prevendo direitos trabalhistas como férias, folga semanal e FGTS. A idade mínima é 25 anos.

Mais de 33 mil crianças estão em acolhimento no Brasil | Foto: Mauro Schaefer


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