Metrô: Uma novela cheia de vai e vem

Metrô: Uma novela cheia de vai e vem

Modelo de Barcelona é referência mundial

Nildo Júnior / Correio do Povo

Modelo de Barcelona é referência mundial

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Quando a presidente Dilma Rousseff iniciou o seu discurso, no lançamento do metrô de Porto Alegre, há uma semana, dizendo ser um momento histórico, ela não estava exagerando. A “novela” envolvendo a construção de uma linha de metrô exclusivamente dentro da cidade já dura 16 anos. Ao longo deste período houve uma série de capítulos, com estudos, parcerias, retrocessos, revisões, anúncios, mudanças e novos retrocessos até este momento, que parece ser o do desfecho final. 

O primeiro estudo de viabilidade nasceu na Trensurb e foi apresentado em 11 de setembro de 1997, pelo então presidente da empresa, Adão Faraco. Chamado de Linha 2, - a Linha 1 liga a Capital aos municípios do Vale dos Sinos - teria traçado ligando as avenidas Assis Brasil e Azenha, passando pelo Centro. A obra custaria 962 milhões de dólares, extensão de 16 quilômetros, com trilhos subterrâneos e três quilômetros com estações elevadas. Na época, um dos entraves ficou por conta da Prefeitura, que não via condições financeiras de viabilizar o projeto.
No final de 2000, a Trensurb concluiu o projeto de integração do metrô aos ônibus dentro da cidade. Na ocasião, as tratativas envolviam a Prefeitura, a Metroplan e a Trensurb. A proposta solucionaria um dos entraves impostos pelo governo municipal para viabilizar o metrô. Em 2001, o projeto foi apontado como prioridade na Prefeitura, mas houve poucos avanços por impasses operacionais e financeiros.
Em agosto de 2002, a novela teve mais um capítulo. Dessa vez, a Prefeitura rejeitou a Linha 2 elaborada pela Trensurb. Uma das dúvidas era relacionada ao modelo de escavação subterrâneo. Para o deputado federal Eliseu Padilha, que na época era ministro dos Transportes e apoiador do projeto, houve falta de entendimento político entre a Prefeitura e o governo do Estado para o metrô sair do papel. A partir de 2003, os recursos na União começaram a minguar e o projeto acabou ficando de lado.
A sucessão de impasses entre Estado e Prefeitura veio se perpetuando ao longo de quase uma década, para culminar no simbólico anúncio de Dilma, em outubro de 2011, garantindo R$ 1 bilhão para o projeto, que estava orçado em R$ 2,5 bilhões. Após um ano, com a Medida Provisória de Parceria Público Privada (PPP), em outubro de 2012, a Prefeitura lançou a Proposta de Manifestação de Interesse (PMI). Em abril, o único projeto aprovado foi rejeitado pelo seu valor elevado - R$ 9,5 bilhões.

Pressionada pela necessidade de mais recursos, a Prefeitura bateu incessantemente às portas do governo federal. Das inúmeras discussões quanto à composição financeira, resultou o segundo anúncio de Dilma, em que foram assegurados R$ 4,8 bilhões. Agora é aguardar para ver se este momento representará o fim da novela ou mais um capítulo.

Não é só para quem não tem carro”

O especialista espanhol em mobilidade urbana Pere Macias diz que Porto Alegre pode se inspirar nas soluções encontradas pelas cidades ibéricas de Madri e Barcelona, mas deve buscar suas próprias alternativas. “Madri, de 1996 a 2004, construiu uma grande rede de metrô para resolver os problemas de mobilidade. Tinha mais problemas represados que Barcelona. Agora está implantando bicicletas, que circulam pela cidade catalã há cinco anos. Não há uma receita universal, cada cidade pode ter vários modos de transporte.”
Macias afirma que não se resolvem os problemas de circulação apenas com um sistema de transporte. “Há um instrumento para cada função. Cada meio de transporte tem seu papel. Grandes massas devem ser transportadas por trem e metrô. BRTs e ônibus devem fazer a intermediação do sistema”, diz.
O especialista defende o transporte público de qualidade para retirar os carros da rua. “O metrô não é só para quem não tem carro, é uma forma de fazer o cidadão deixar o veículo em casa. Barcelona serve como um laboratório de mobilidade porque tem todos os sistemas de transporte. Em alguns, nos equivocamos. Porto Alegre tem que avançar na intermodalidade. Percebo o nascimento de coisas boas, mas é preciso avançar na mobilidade”.

Sentimentos ambíguos na cidade
O clima de festa em torno da construção do metrô de Porto Alegre não é compartilhado pela totalidade de empresários e moradores. Acompanhando as discussões do projeto, que já avançam por décadas, o gerente-geral do Shopping Lindoia, Fábio Irigoite, tem certa resistência à construção do metrô. “Para o comerciante, uma obra de dois ou três anos só traz prejuízos. Já passamos por essa experiência antes, quando construíram os corredores de ônibus. E agora vão destruí-los. Há falta de planejamento”, afirma.

O gerente acredita que a instalação do Bus Rapid Transit (BRT), assim como ocorre em outras vias, pareceria mais sensato. Segundo o prefeito José Fortunati, a retirada dos corredores não representará prejuízos; ao contrário, permitirá melhorias na vida da população. Existe a possibilidade de que sejam construídas áreas de convivência e ciclovias onde passam hoje ônibus.

Apesar de cauteloso, o presidente da Associação dos Moradores do Jardim Lindoia, Daniel Kieling, tem uma visão mais otimista e prevê benefícios à mobilidade urbana. “Hoje vivemos com duas avenidas (Sertório e Assis Brasil) totalmente sobrecarregadas. O trânsito é um entrave.”

Tatuzão: modelo mais caro e prático

Um dos fatores responsáveis pelo atraso no projeto do metrô de Porto Alegre foi a definição do modelo de construção. Existem duas maneiras de viabilizar o projeto: cut and cover (corta e cobre) e o shield (tatuzão). A grande diferença entre eles é o custo. O shield tem preço mais elevado por se basear em um equipamento produzido na Alemanha e que permanece no solo. Ao mesmo tempo, o benefício é a praticidade da obra, gerando menos transtornos à população. Segundo o prefeito José Fortunati, pelo trajeto, o modelo cut and cover seria inviável. “Pensamos no menor impacto social”, observa.

A redução do impacto à população se dá porque a obra é executada a 20 metros de profundidade. Isso faz com que não haja a necessidade de modificar a estrutura da cidade já existente, como redes elétrica e de esgoto, entre outros. É por esta característica que o shield é recomendado em áreas densamente ocupadas. Além de reduzir o impacto à superfície, também evita grandes interrupções de tráfego e de possíveis desapropriações. No Brasil, o primeiro modelo a ser implantado com este perfil foi em São Paulo, na década de 70. O Rio de Janeiro também implanta o novo metrô com este modelo.

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