MTG pede que Semana Farroupilha seja bem imaterial do Patrimônio Cultural

MTG pede que Semana Farroupilha seja bem imaterial do Patrimônio Cultural

Movimento Tradicionalista Gaúcho pretende que o período de celebração tenha registro no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

Taís Teixeira

Desfiles de cavaleiros no dia 20 de setembro são considerados um dos símbolos tradicionalista

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Durante quase 10 anos, o Rio Grande do Sul foi palco da guerra mais longa da história do Brasil. Farroupilhas e imperiais protagonizaram a Revolução Farroupilha, de setembro de 1835 a fevereiro de 1845. Os ideais de mudanças perseguidos pelos revoltosos colidiam com o sistema de monarquia e a política fiscal, marcada por alta tributação vigente. Foi essa égide ideológica que inspirou um grupo insatisfeito com o governo a persistir por quase uma década que é homenageada na Semana Farroupilha, celebração que existe desde 1947 e ocorre no RS e também em outros estados brasileiros. Essa trajetória de 75 anos que fundamentou o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) a ingressar no dia 14 de setembro com o pedido de reconhecimento da Semana Farroupilha (14 a 20 de setembro) como um bem cultural imaterial do Patrimônio Cultural do Brasil por meio de registro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No entanto, o primeiro passo para encaminhar esse pleito veio de fora.

A ideia começou a ser ventilada pelo ex-secretário nacional do audiovisual da Secretaria Especial de Cultura do governo federal, Felipe Pedri, e recebeu continuidade do sucessor da pasta, Gustavo Lopes. Foi o secretário atual que procurou o MTG para apresentar a intenção de elevar o patamar do evento. “É uma tradição que envolve toda uma sociedade por muitas gerações”, afirma. Lopes, que irá mediar o andamento da solicitação entre MTG e Iphan, garante a concessão do pedido. “Uma vez dando entrada, vamos fazer tramitar de maneira célere e obter o registro”, assegura.  Medida ajuda Estado a ter alguns benefícios, como recursos para a festividade, com data definidada de 14 a 20 de setembro.

O presidente do MTG, Manoelito Savaris, explica que esse tema já era discutido dentro do movimento, mas não chegou a evoluir para uma ação mais efetiva. “Às vezes, precisa alguém para dar uma luz e, nesse caso, foi o Lopes, que vai ser intermediário desse encaminhamento”, relata. Todavia, Savaris, que está no oitavo ano à frente da presidência da entidade, com mandatos intercalados, destaca que para ganhar esse título, é necessário preencher alguns requisitos. “Características como o tempo de existência e a abrangência e o engajamento da festividade precisam ser considerados”, assinala.

OS SÍMBOLOS

 Chama Croula é um símbolo da Semana Farroupilha Foto:Ricardo Giusti

 Bebida e comida tradicionais no Rio Grande do Sul, muitos podem confundir e entender que os hábitos de tomar chimarrão e assar churrasco representam a Semana Esses costumes são referências culturais do Estado, mas de um contexto mais amplo. 

A Semana Farroupilha tem quatro símbolos específicos da data: a Chama Crioula, o Acampamento, o desfile e as tertúlias ou penhas (manifestações artísticas nos centros de tradições gaúchas, como a chula, declamação, trovas e danças, por exemplo). O professor e historiador Rogério Bastos discerne a associação de alguns elementos à representatividade da data.

*Chama Crioula - Criada a partir da retirada de uma centelha do fogo da Pira da Pátria em 7 de setembro de 1947, que nasceu a partir da tocha olímpica, e foi conduzida até o Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, constituindo, assim, a Chama Crioula. Assim, iniciou-se uma série de atividades que culminaram com um baile “à moda gaúcha” no dia 20 de setembro daquele ano. “Essa criação tem uma representatividade, mas não é originária na revolução ou na guerra”, diferencia.

*Acampamentos - Surgiram para o descanso dos cavaleiros que desfilam no dia 19 ou 20 de setembro. Cresceram e desenvolveram-se virando grandes eventos. “Os Acampamentos não representam o que aconteceu naquele período, e sim ,uma reflexão das eternas lutas por busca de dias melhores”, salienta Bastos.

OUTROS PAGOS

Savaris comenta que a força da Semana Farroupilha ultrapassou as dimensões geográficas do RS e galopou para outros pagos. O Mato Grosso do Sul, por meio de uma lei estadual, comemora a data. Na mesma toada, o município de Marília, em São Paulo, por meio de uma lei municipal, também celebra o período. “Os acampamentos espalhados por todo o Estado também acontecem em outros locais, pois a falta de lei específica não impede a realização das atividades em alusão à Revolução Farroupilha”, relata o presidente. 

O diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan, Roger Alves Vieira, deve receber nos próximos dias o pedido enviado pelo MTG e mediado pela secretaria nacional do audiovisual. Mas o resultado não vai ser para esse 20 de setembro. A resposta é concedida, em média, de 6 a 24 meses. O diretor elucida o conceito de bem imaterial. “São aqueles conhecimentos, rituais, festas que marcam a vida coletiva, mas que não estão presos a um objeto material”, classifica. 

O Brasil tem, desde 2000, o decreto que trata do registro de bens culturais de natureza imaterial, que compõem o Patrimônio Cultural Brasileiro. Dentro desse decreto, que também trata do programa nacional de patrimônio imaterial, institui-se o registro em quatro livros, dividindo assim as áreas de conhecimento ou de celebrações que o Brasil tem dentro do seu patrimônio cultural. “Hoje nós temos o livro de registro dos Saberes, das Celebrações, das Formas de Expressão e dos Lugares”, separa. Os livros são específicos de acordo com o bem avaliado. O gestor disse que aspectos como a transmissão para as gerações futuras e a formação da identidade brasileira são atributos analisados nesse conjunto. “Não é memória afetiva, e sim continuidade histórica”, sintetiza.

Vieira enfatiza que, quando um pedido é feito pelo pelos grupos, chamados de comunidades detentoras do bem cultural e imaterial, há entendimento de que aquele bem fundado na sua tradição e manifestada por meio desses indivíduos é a identidade daquele grupo e tem um caráter dinâmico, que passa por meio das gerações. Conforme essa acepção, esse objeto pode receber, ou não, o registro de bem imaterial. “É o reconhecimento do estado brasileiro de que determinada manifestação, seja ela um saber, uma celebração, uma forma de expressão ou mesmo um lugar, tenha um sentido relevante para a identidade brasileira considerada na sua multiplicidade”, realça. 

Vieira conta que o registro de um bem imaterial está sempre relacionado à política nacional instituída por decreto, seja o do ano 2000, seja do ano de 2006, que trata da convenção da Guarda do Patrimônio Imaterial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em âmbito internacional, e tem um processo complexo. “Tem documentação, pesquisa, mapeamento, onde se entende sentidos, origens e valores daquele bem cultural”, detalha, ressaltando que registro não é o mesmo que declaração. Atualmente, o Brasil tem 52 bens imateriais registrados pelo Iphan, sendo dois do Rio Grande do Sul. 

Um registro está no Livro dos Lugares. É a Tava, lugar de referência dos povos Guarani, em São Miguel das Missões. O outro está no Livro dos Saberes, com registro das tradições doceiras da região de Pelotas no Livro dos Saberes. Por esse panorama, a Semana Farroupilha possui parâmetros que se encaixam nos requisitos mencionados: foi um pedido que chega via entidade representativa, tem 75 anos ininterruptos de atividade, passa para as próximas gerações, tem história na formação da identidade brasileira e engaja a sociedade. “Sem fazer uma análise detalhada, mas pelos relatos superficiais, há chances de ser, talvez, o primeiro evento que se enquadre no Livro de Registros de Celebrações”, prevê. 

ORIGEM

Acampamento farroupilha envolve a sociedade civil, um dos requisitos avaliados pelo Iphan.Foto: Ricardo Giusti

 A primeira Chama Crioula foi acesa em 1947, no evento chamado Ronda Gaúcha. Em 1948, com a fundação do Centro de Tradições Gaúchas 35, o CTG 35, o ato passou a ser chamado de Ronda Crioula, mudança de nome que permaneceu até o fim da década de 1950. No começo de 1960, a Ronda Crioula fixou uma semana de atividades, de 14 a 20 de setembro, que antes não tinha um calendário definido. O modelo foi seguido pelos CTGs e o termo ficou relacionado ao rito de acendimento da Chama Crioula. 

Em dezembro de 1964, com a lei 4.850, foi alcunhado o nome de Semana Farroupilha. Contudo, a formatação e a importância social desse evento ganhou importância e foi regulamentado na Lei 8.715, de 11 de outubro de 1988, que dá nova redação à Lei 4.850, de 11 de dezembro de 1964, oficializando a Semana Farroupilha. Porém, o preparo que antecede os sete dias também foi formalizado em 2009, quando o governo estadual editou um decreto determinando essa fase de Festejos Farroupilhas, que é diferente da Semana Farroupilha. “Estabelece o tempo que vai do acendimento da chama, que pode ser de 30 a 35 dias antes do começo da Semana Farroupilha e vai até 20 de setembro”, esclarece Manoelito Savaris.

Savaris reitera que a Semana Farroupilha é um reflexo dos ideais da Guerra dos Farrapos, e não do resultado, que não teve vitoriosos nem derrotados, sendo o conflito encerrado pela assinatura do Tratado de Poncho Verde. “Teve resultados em médio e longo prazos, já que os farroupilhas defendiam o direito de eleger os governantes, a transformação em uma República Federativa, o direito inviolável da propriedade privada, o que à época não foi alcançado”, lembra Savaris.


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