Não há proposta de política indigenista forte no Brasil, diz Marcos Terena

Não há proposta de política indigenista forte no Brasil, diz Marcos Terena

Líder indígena ficou preocupado ao assistir sessão na Câmara dos Deputados

Agência Brasil

Segundo Marcos Terena, deputados precisam entender a demanda indigenista

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No domingo, assim como outros milhares de brasileiros, o líder indígena Marcos Terena assistiu à sessão na Câmara dos Deputados que decidiu pela continuidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rouseff. Diante de falas que dedicaram votos a parentes e até mesmo a militares condenados por tortura, como o coronel Carlos Alberto Ustra, citado pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), Terena se diz preocupado.

Neste Dia do Índio, o que há para se comemorar?
Marcos Terena: Do último ano para cá, a gente não conseguiu avançar em termos da questão indígena, nem em relação ao governo nem em relação às políticas públicas. E tudo isso nos deixou pensando no que está acontecendo. De um lado, a gente consegue promover os próprios indígenas, promover grandes eventos, chamar o público, chamar as próprias autoridades do governo; mas a ação, a proposta de uma política indigenista forte, ela não acontece.

Por que?
Marcos Terena: Porque a gente acredita que não existe uma plataforma chamada olítica indigenista na agenda do governo. A gente tentou, quando a gente fez os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, mostrar isso à presidente Dilma. Ela viu isso de perto, ela conviveu com a gente duas vezes, mas há o setor político, que é justamente o setor conservador que não gosta da questão indígena, acha que isso atrapalha o desenvolvimento. Isso está arraigado dentro do Congresso Nacional Isso é um dos pontos mais carentes, mais vulneráveis que a gente enfrenta. Nós não temos indígenas como parlamentares, deputados. As alianças que a gente consegue fazer é uma minoria com os deputados que vivem no Congresso Nacional.

A demarcação das terras é, então, a questão central para os indígenas?

Marcos Terena: A questão das terras é sempre o ponto principal de qualquer comunidade indígena. É impossível a gente conduzir a vida dos povos indígenas se não houver a tranquilidade, a paz nas regiões e, isso, a gente só consegue com a demarcação. É muito importante também destacar que a demarcação das terras indígenas é para proteger as aldeias e criar
um limite oficial para que os invasores, sejam ruralistas, às vezes a construção de uma estrada mesmo, ou projeto do governo, não invadam de qualquer maneira uma terra aparentemente sem dono. A demarcação das terras é um sinal de que nós queremos a paz com os vizinhos que chegam perto das aldeias e, principalmente, sinal que nós queremos participar.

Falar um pouco de autonomia é falar de educação, como está a questão da educação e como você acha que deve ser a educação indígena?
Marcos Terena: Eu faço parte do grupo de trabalho do MEC para a criação da Universidade Indígena. Eu penso
que a educação foi uma das grandes ferramentas, e muito eficaz, para neutralizar a vida do índio, criando conceitos de que o índio é selvagem, que o índio é preguiçoso, que a gente pouco a pouco vai limpando dos currículos escolares. Ao mesmo tempo, um indiozinho como eu, que saí da aldeia, chega na cidade e tem que aprender imediatamente o be-a-bá, artimética, as contas, a história, a geografia e numa língua que não era nossa, que é difícil de aprender, que é a língua portuguesa. A educação é uma ferramenta de valorização da identidade, da cultura, mas também de soberania dos povos. Nesse novo milênio, para os próximos anos, o grande objetivo nosso é fazer nascer no Brasil, a primeira universidade intercutural indígena.

Você acha que teve uma melhora na educação indígena?
Marcos Terena: A gente não pode menosprezar os investimentos que o Governo Federal fez nesse campo, porque os indígenas não ficavam mais falando só no idioma, mas aprenderam a falar português, a escrever bem, a interpretar as regras. Hoje nós temos no Brasil, muitos indígenas com curso superior, fazendo mestrado, fazendo doutorado, temos indígenas que estão estudando medicina, antroplogia, engenharia, economia. Muita gente, o próprio MEC, acha que quando um indígena médico se forma ele vai voltar para a aldeia, isso é quase impossível. Depois de estudar 5, 6 anos, se especializar em uma área como a medicina ou a própria engenharia, onde que ele vai trabalhar na aldeia? Às
vezes ele pode contribuir. A gente não pode menosprezar os avanços que os povos indígenas conquistaram, mas com esse cuidado, de não virar um profissional desempregado também.

Como a crise econômica e política está chegando nas comunidades?
Marcos Terena: Temos que falar um pouco da Funai. Justamente porque não temos uma política indigenista definida, ela é o patinho feio do Ministério da Justiça. Ninguém queria assumir a presidência da Funai, a não ser aqueles políticos que perderam a eleição, uma das coisas que a gente não entende. A gente não entende também por que o governo brasileiro
não investiu no próprio índio para assumir as rédeas da Funai, para criar um plano de ação, para fazer lobby no Congresso Nacional para que o orçamento da União, o orçamento parlamentar, pudessem contemplar a Funai. A Funai trabalha com mais de 300 nações indígenas no Brasil. A Funai tem uma demanda de 240 línguas no Brasil e tem que administrar territórios correspondentes a quase 15% do Brasil. É muito maior que qualquer ministério do próprio governo. Ela não tem orçamento, não tem dinheiro para sementes da roça, não tem dinheiro para fazer vigilância do seu território.

Ainda falando de questões políticas, como você acompanhou a votação na Câmara pela continuidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e que impacto isso vai ter nas comunidades indígenas?
Marcos Terena: A presidente Dilma esteve várias vezes junto aos indígenas, criou uma conferência nacional de questões indígenas, criou um conselho consultivo para questões indígenas, mas ela não estabeleceu um programa. Nós também observamos, o Brasil todo, os povos indígenas acompanharam seja nas marchas, nas aldeias, pelas rádios ou pela televisão, assistindo a pobreza que é a qualidade cultural e a qualidade intelectual dos deputados que votaram contra a presidente. O parlamentar eleito é despreparado. Ele não conhece as questões brasileiras. Ele transforma tudo em brincadeira. Agora estamos pensando duas coisas: primeira, criar uma forma na eleição municipal, de termos vereadores eleitos, o maior número possível, independente do partido. Uma questão que a gente não pode mais levar em conta é se o partido é de esquerda ou direita. Tem que ser o partido que abraça ou não a causa indígena. Por outro lado, havendo essa mudança, precisamos já começar a negociar, seja com Michel Temer [vice-presidente], seja com [senador] Romero Jucá [PMDB-RR], que foi presidente da Funai, para mostrar que a gente não quer uma Funai pobre, uma Funai paternalista, mas uma Funai de ponta, científica, cultural, e a Universidade Indígena, com plano de ação para que a gente possa respirar um pouco melhor até a próxima eleição.

Como está a articulação dos povos indígenas para lutar por seus direitos?

Marcos Terena: Os indígenas são muitos. Não falo por 100% da articulação, porque isso é impossível e nem temos uma única representação para falar com os poderes, isso não existe na relação indígena. Cada povo é dono da sua própria palavra. Essa articulação indígena tem que ser, por um lado, política. Por exemplo: quando algum indígena for falar com
Michel Temer e sua equipe, tem que saber o que está querendo, tem que saber argumentar, defender seu ponto de vista. Por outro, tem que ser de identidade. Têm índios chamados ressurgidos ou renascidos, que se autoidentificam como índios, que requerem a sua condição tribal. Muitas vezes ele não viveu isso, mas ele requer.

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