Objetos esquecidos em transportes públicos se acumulam nos "achados e perdidos"

Objetos esquecidos em transportes públicos se acumulam nos "achados e perdidos"

Grande vilão do esquecimento tem sido o estresse

Jézica Bruno

Zero Paim guarda até uma muleta no setor de achados e perdidos da Trensurb

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Os mais diversos locais de passagem, onde transitam muitas pessoas, em um vai e vem constante, tornaram-se morada para objetos esquecidos no meio do caminho. Ônibus, trens, aeroportos e correios acumulam mensalmente milhares de produtos que são encaminhados ao serviço de achados e perdidos. No entanto, poucas são as pessoas que retornam para buscar seus pertences. Depositados em armários, malas, roupas, documentos, capacetes, chaves, objetos de higiene pessoal, dentaduras, skates e computadores esperam por seu dono em cômodos pequenos.

Conforme a Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP), de 50 a cem objetos são deixados por mês dentro dos ônibus que circulam pelas vias da Capital. São mais de mil anualmente. Eles são repassados às empresas, que estipularam um prazo de 15 a 30 dias para o resgate. Apenas 15% das pessoas pegam o que foi esquecido. Os objetos mais comuns nos ônibus são carteiras, documentos e guarda-chuvas. Mas a variedade é bem maior. Já foram encontrados até brinquedos eróticos.

“Até milagre já aconteceu aqui”

O assistente operacional da Trensurb, Zeno Alfredo Soares Paim, que trabalha faz quase 30 anos nas estações e já foi piloto de trem, está há seis meses atuando no serviço de achados. Tempo suficiente para se envolver em diversas histórias. A média é de mais de 300 objetos perdidos por mês, aproximadamente 4 mil por ano. “As pessoas esquecem tudo. Até milagre já aconteceu aqui”, conta, referindo-se a uma muleta deixada no trem. “Eu não sei como a pessoa voltou para casa caminhando, mas não deve ter sido fácil.”

Paim divide o espaço com armários abarrotados de objetos e imagina a história do menino que esqueceu o skate, do rosto da criança que ganharia roupas novas e até do gaúcho que esqueceu as botas e o chapéu em plena Semana Farroupilha.

Ele torce para que a esperança das pessoas ultrapasse os armários cinzas e se renove. Apenas cerca de 10% buscam seus objetos em 60 dias. “Não acreditam que possamos devolver, nem que as outras pessoas deixam aqui o que encontram nos trens.” São dados avisos sonoros para que usuários não esqueçam pertences. Roupas, calçados e objetos não perecíveis não resgatados nos prazos são doados a instituições. Os documentos são encaminhados aos Correios e cartões bancários e objetos perecíveis são descartados.



Muito além de cartões, remédios e brinquedos

Para Gilson Tibiriçá dos Santos Ramos, 47 anos, o Aeroporto Internacional Salgado Filho se tornou um porto de histórias. Ele é o responsável pelo serviço de achados e perdidos há três anos no aeroporto e convive com milhares de pessoas todos os dias que esquecem os seus pertences. Os objetos perdidos ou esquecidos culminam em uma média mensal de 695 e anual em torno de 7 mil. Porém, só de 45% a 50% das pessoas retornam para buscar.

Depois que são entregues nos balcões da Infraero, os objetos são registrados no sistema de achados e perdidos, e ficam lá por 48 horas, e são recolhidos para uma sala de custódia, onde ficam guardados por um período de até 90 dias. Os mais encontrados são documentos, celulares e protetores de pescoço, mas há algumas surpresas. Uma delas foi reservada para Ramos.

“Encontrei um irmão biológico no serviço de achados e perdidos do aeroporto”, conta. O encontro aconteceu em março deste ano. “Quando o identifiquei pelo documento descobri que era meu irmão”, lembra. Além de encontrar um irmão paterno, que também trabalha no aeroporto, ele ganhou ainda outros dez irmãos. São 11 no total.

A alegria que compõe a história de Ramos é reproduzida por ele a milhares de outras pessoas. “Elas se esquecem de coisas importantes e depois voltam apavoradas para tentar resgatar. Quando devolvo cultivo o melhor sentimento”, salienta.

As histórias das pessoas envolvem brinquedos, cartões, remédios e até uma cadeira de rodas que foi deixada no aeroporto. “Aqui se vê de tudo”, frisa. E enquanto os passos apressados dos passageiros se cruzam pelos corredores, Ramos permanece em seu posto à espera de uma nova história que mude o destino de alguém, assim como mudou o seu.

Estresse é o grande vilão

O grande vilão do esquecimento tem sido o estresse. Essa é a constatação da professora e pesquisadora do Departamento de Bioquímica do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Angela Wyse. Entre os motivos que influenciam para o esquecimento das pessoas está a falta de concentração, o período da menopausa, para as mulheres a partir de 50 anos, e a falta de exercício com a memória.

De acordo com Angela, o estresse crônico faz com que a pessoa fique focada no problema e esqueça das outras coisas, como os objetos pessoais. No entanto, preciso verificar o nível de esquecimento de cada um. “Esquecer as coisas é normal, mas quando isso começa a tomar proporções maiores, quando não é possível memorizar uma informação, é preciso procurar um tratamento”, afirma.

Com o passar do tempo, o cérebro também satura e é preciso apagar algumas memórias para armazenar outras. No caso de algumas mulheres, a menopausa é um período que traz alterações de memória. “Indico fazer exercícios, ter uma boa alimentação e dormir bem. São fatores muito importantes.” Atividades físicas aumentam o fluxo sanguíneo e levam substâncias positivas para o cérebro.

O uso de antidepressivos também prejudica a memória, assim como Metilfenidato, ou Ritalina, uma substância indicada para estimular a memória. Segundo Angela, esse tipo de substância pode trazer danos cerebrais. “Os benefícios são a curto prazo, mas em animais foi comprovado que o uso prolongado faz com que percam memórias.”

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