Para largar o vício em drogas, detentos do Central participam de atividades de reintegração social

Para largar o vício em drogas, detentos do Central participam de atividades de reintegração social

Grupo começou curso de tecelagem com a coordenação do Sesc

Henrique Massaro

Grupo realiza curso de tecelagem

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Carlos (nome fictício) resolveu mudar de vida. Sair do vício e ter um objetivo. Tirou a maconha da rotina e também conseguiu se livrar da cocaína. Aos 26 anos, assumiu responsabilidades que ficaram para trás. Começou a trabalhar e encaminhou a conclusão do Ensino Médio. Pode surpreender, mas essa revolução pessoal ocorreu no período de um ano. Ele é apenas um dos personagens de uma história de reintegração social que tem como cenário o Presídio Central de Porto Alegre.

Através do projeto Luz no Cárcere, 36 detentos em situação de dependência química cumprem penas tendo ajuda profissional para se livrar do vício. Com o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, eles acumulam funções e realizam atividades artísticas e educativas. Ontem, um novo capítulo da iniciativa foi escrito com a ajuda do Programa Envolva-se, do Sesc, que iniciou uma edição especial do curso Criatividade e Estilo: Casa e Decoração, que ensina técnicas de tecelagem para os detentos.

Essa é a terceira vez que o curso é realizado no Presídio Central. A repetição, para o gerente do Sesc Comunidade, Eduardo Danilo Schmitz, mostra como a proposta tem sido positiva. De acordo com ele, além de promover a reintegração social, o Programa tem a causa da sustentabilidade ambiental como objetivo. Caracterizada como uma rede de solidariedade, a iniciativa recebe de empresas resíduos sólidos que servem como matéria-prima que é transformada em arte pelas entidades atendidas.

O trabalho do Sesc consiste em buscar esses doadores, levar os insumos até as entidades e capacitar a população atendida. O grande propósito, explica Schmitz, é cuidar das pessoas, dos detentos do Presídio Central, e até da comunidade, que terá um impacto ambiental reduzido e a chance de ter cidadãos reintegrados. As aulas serão às segundas-feiras, das 9h ao meio-dia, com 27 horas/aula. “Se eles saírem um pouco melhor, já valeu o nosso investimento”, avalia o gerente do Sesc Comunidade.

“É algo que está mudando a minha vida. Jamais pensei que ia estar trabalhando e hoje tenho uma oportunidade”, comentou o detento de 26 anos. Com expectativa de deixar o cárcere no próximo ano, Carlos tem como objetivo mostrar para a família que a vida de vícios e delitos ficou para trás. Sentindo-se capacitado para enfrentar os desafios fora do presídio, quer distância da realidade com que estava acostumado, em Alvorada, e sonha se mudar para Três Coroas, onde pensa em trabalhar em indústria de calçados.

Foto: Guilherme Testa

Desintoxicação antes do projeto

É na galeria E1 do Presídio Central que se encontra a possibilidade de os detentos com dependência química superarem o vício. Porém, o espaço onde é realizado o projeto Luz no Cárcere conta com 70 vagas, mas só 36 estão preenchidas. A sobra não reflete necessariamente um problema da prisão, mas uma carência do sistema de saúde prisional. Isso porque, antes de serem transferidos para o projeto, os presos se comprometem a passar 21 dias no Hospital Vila Nova, em uma ala de saúde prisional. O período é para o tratamento de desintoxicação que os detentos precisam passar antes de iniciar no projeto. Por vezes, o hospital não tem capacidade de atender à demanda do público do presídio.

Em 2014, Carlos já havia passado um mês preso devido a um assalto. O tempo detido, segundo ele, não foi suficiente para provocar mudanças de postura e, assim, ele terminou novamente no presídio. Desta vez, porém, as penas pelos novos crimes, somadas à reincidência, lhe deram um período de reclusão maior. Nos primeiros três anos encarcerado, o vício só piorou. Ele relata que, na galeria junto a facções, o uso de drogas era diário.

Quando soube do projeto, entrou para a lista de espera. Dois meses depois, foi para o Hospital Vila Nova, onde conta nem ter sentido o peso do tratamento, tamanha era a vontade de se livrar do vício. A maior alegria viria depois, com o envio de um exame toxicológico para a família, revelando um ano sem drogas no organismo.

No caso de Gabriel (nome fictício), a experiência virá em breve. No próximo mês, ele deve terminar os quase quatro anos de reclusão. Depois que foi preso, ele procurou o projeto, onde foi acumulando funções. “Essa responsabilidade serve para ir me acostumando”, reflete

Foto: Guilherme Testa

Mudança de vida é positiva

O fato de os próprios detentos procurarem o projeto é para a assistente social da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Cristiane dos Santos, o primeiro motivo para acreditar que a iniciativa é capaz de promover uma reintegração à sociedade por meio da iniciativa. A outra razão são os relatos dos participantes. De acordo com ela, vários ex-presidiários mantêm contato com os profissionais do Luz no Cárcere e a mudança de vida costuma ser positiva.

Para a diretora do departamento de Tratamento Penal do Presídio Central, Camila da Rosa, o projeto é um espaço de capacitação, certificação e também de terapia ocupacional para os detentos em tratamento de dependência química. Segundo ela, não há como medir a efetividade dos trabalhos de reintegração social, mas todo o processo que busca trabalhar as potencialidades de cada um, como a oficina realizada na manhã de ontem, se mostra essencial.

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