Perfil dos pais muda e eles assumem novas tarefas

Perfil dos pais muda e eles assumem novas tarefas

Filhos passaram a exigir afeto e atenção também dos homens

Correio do Povo

Moreno mudou dia a dia e curte cada fase da Júlia

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A figura do pai como sendo o homem da casa, provedor financeiro e o centro da família é coisa do passado. Os pais hoje acumulam as funções de trabalhador, dono de casa, pai e marido. Diante desse novo papel, a psicóloga Solange Ramounoulou, diretora da clínica VIR Desenvolvimento Humano, de São Paulo, ressalta que as angústias e a falta de tempo que antes eram exclusividade das mulheres passaram a ser parte do dia a dia de milhares de pais. Para Solange, o pai do século XXI precisa ter a clareza de que as crianças estão muito diferentes.

"A demanda dos filhos é para que os pais dividam as tarefas de afeto e atenção. Não é mais prioridade das mães. A criança exige a participação do pai", assegura. Solange afirma que também mudou a mulher, que hoje trabalha e estuda, diferentemente de 50 anos atrás, quando era simplesmente dona de casa que não tinha independência e ficava o dia inteiro dentro de casa.

"As implicações e as angústias de uma vida que eram atribuições das mulheres, como cuidar de uma criança, pagar as contas da família e levar o filho ao médico e à escola, passaram a ser parte da vida do pai", ressalta. De acordo com a psicóloga, não é só atribuição da mãe jogar bola ou realizar a leitura de um livro com o filho. "Os adultos perceberam que é necessário dividir as tarefas entre pais e mães. Um pai pode muito bem contar uma história ao filho melhor do que a mãe", afirma.

Segundo Solange, a vida é uma divisão de prazeres. "Se uma mulher teve uma semana cansativa no trabalho, por que o marido não pode ajudar na atenção ao filho? Por que pai não pode levar o filho para fazer um lanche ou ir ao parque enquanto a mãe descansa?", questiona. Segundo ela, tanto os casados quanto os separados ou viúvos podem ser 'excelentes pais' desde que sejam pessoas sérias, amorosas e honestas. "Muitos pais, nesse caso os homens, acham que a melhor coisa é não aborrecer as crianças. Errado. O pai é uma figura importante na vida dos filhos, um modelo de comportamento, pensamento e ética de vida", explica.

Para a psicóloga, é preciso saber dosar amor e respeito. 'O amar a criança não é encher o filho de beijos. O modelo correto para a vida da criança é que o pai seja um ser humano que tenha respeito pela outra pessoa e pelo diferente, seja honesto e saiba ouvir', acrescenta. Para ela, o pai não pode ser imaturo e infantil: tem que tomar decisões, mesmo que não sejam simpáticas aos filhos.

Quando a vida exige também ser mãe

Ser pai não é tarefa fácil. Mais difícil fica, ainda, quando o homem precisa exercer também o papel de mãe. Essa foi a situação vivida pelo major da Brigada Militar Paulo Ricardo Tito Coelho, 50 anos, ao ficar viúvo em 2010. A esposa Branda, 42 anos, pedagoga, mãe de Nickolas, 15, e de Amanda, 6, não resistiu a uma cirurgia realizada em um hospital de Porto Alegre e morreu depois de uma infecção hospitalar. O mundo de Tito, como é conhecido o major, mudou completamente. "Não estava preparado para ser mãe também. Minha tarefa era trabalhar. Minha esposa cuidava das crianças, dos cartões de crédito, das contas e da escola. Ou seja, de tudo em nossa vida", disse.
O mais triste quando ocorre a ausência da esposa, na avaliação de Paulo Ricardo, é quando a filha pergunta por ela, principalmente em datas especiais como o Dia da Mães, em que são realizadas atividades na escola. "A Amanda me pergunta por que ela não tem mãe. Respondo que Branda pediu para que eu cuidasse deles."

O major afirma que, em um primeiro momento, ficou revoltado com a ausência da esposa. O casal se conheceu quando Branda tinha 13 anos e Tito, 18. Casaram quando tinham 18 e 23 anos, respectivamente. "Batalhamos juntos e quando íamos usufruir, já que melhoramos de vida, a Branda faleceu", lamenta. Segundo Tito, a difícil tarefa de ser mãe e pai é dividida com os cunhados e padrinhos dos filhos, Lúcia e Paulo. "Eles são a retaguarda. Sem eles não teria como", destaca.

Atualmente vivendo em um sítio localizado em Gravataí, Tito ressalta que os homens não estão preparados para desempenhar as duas funções. "Sempre achei que as crianças estavam mais seguras com a mãe, mas a vida me pregou essa peça", finaliza.

Vida se transforma após ter a filha

A vida do podólogo Márcio Roberto Moreno, 36 anos, casado há 13 com a também podóloga Morgana Miri, mudou radicalmente com a chegada da filha Júlia, hoje com 3 anos de idade. "A cada dia é uma descoberta nova que a minha filha me proporciona", explica.

Moreno diz que em todas as terças-feiras, dia de sua folga no emprego, procura realizar um passeio com a menina. "Na última terça fomos ao cinema, e na volta ela olhou para mim e agradeceu o passeio. Não consegui segurar a emoção e fui às lágrimas", relembra. Morador do bairro Jardim Botânico, Moreno afirma que no período da manhã o casal fica em casa com a menina. À tarde, ela é levada para a casa da avó.

"Pai de primeira viagem", como se define, Moreno conta, orgulhoso, que a filha está entrando na fase dos 'porquês'. "Fomos assistir ao filme 'Os Smurfs 2' e a menina queria saber o motivo de a irmã da Smurfette ser morena. Essa é uma das tantas perguntas que procuro responder nos últimos tempos", conta, lembrando que com a chegada da menina, o casal deixou de andar de moto e comprou carro.

Moreno afirma ainda que não dorme até mais tarde como acontecia antes do nascimento de Júlia. Agora, o podólogo acorda cedo para organizar o dia, já que leva a menina à ginástica e à natação. "Tudo isso compensa porque o melhor do dia é poder ver o olhar sereno e tranquilo da Júlia quando dorme", acrescenta.

Moreno ressalta que é maravilhoso ser pai e confessa que se abala quando a menina está doente. "Basta uma febre ou uma gripe da Júlia que fico muito chateado e triste. Sinto vontade de chorar", reconhece o podólogo. Para ele, o melhor de ser pai e de comemorar o Dia dos Pais, é que a cada dia a menina proporciona novas alegrias na sua casa.

Continua papel de fixar limites

O diretor de Divulgação e Relação com a Comunidade da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, Jair Knijnik, destaca a importância da função paterna. "O que temos hoje em muitas famílias é a falência dessa função", afirma. Segundo ele, existem muitas famílias brasileiras sem a figura do pai, o que vai acarretar em um jovem com problemas de comportamento e que podem acabar na criminalidade ou no uso de drogas. "A função paterna é estabelecer a lei e os limites aos filhos", diz.

Conforme o psicanalista, nos últimos anos as mulheres ganharam força e os homens ficaram constrangidos em exercer o seu papel de pai, tão fundamental. Para Knijnik, é muito importante em uma sociedade cheia de transformações que o pai ainda possa dizer a um filho que ele tem hora para voltar para casa ou que não poderá sair no final de semana. Segundo ele, o grande desafio é dizer "não" aos filhos. "Existe hoje uma ditadura da sociedade que quer abolir o não da formação e educação das crianças", acrescenta.

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