Polarização de posições marca audiência pública virtual sobre futuro da Fazenda do Arado Velho

Polarização de posições marca audiência pública virtual sobre futuro da Fazenda do Arado Velho

Alteração do regime urbanístico da área possibilitaria criação de bairro planejado

André Malinoski

Imagem de satélite mostra área da fazenda

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O futuro da Fazenda do Arado Velho foi discutido em uma audiência pública virtual, em Porto Alegre. E houve intensa polarização entre as partes envolvidas. Pela proposta que tramita na prefeitura há uma década, a alteração de regime urbanístico da área possibilitaria a criação de um bairro planejado que abrigaria o espaço de preservação ambiental existente no local de 426 hectares, de propriedade particular. 

Quase metade do terreno constitui uma área de proteção e serve como refúgio para aves migratórias e animais, alguns em risco de extinção. Além disso, há um sítio arqueológico indígena e ruínas dos séculos 19 e 20. A audiência foi coordenada pelo secretário da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) e presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), Germano Bremm.

A assessora técnica da Diretoria de Planejamento Urbano da Smamus, Gisele Coelho Vargas, exibiu a evolução urbana da área por meio de slides. “O Belém Novo sempre esteve presente nas estratégias do município. A primeira estratégia em que ele aparece é a urbana”, afirmou Gisele. “Se estima que hoje tenha 10 mil habitantes no bairro. Com o empreendimento do Arado, a população terá um incremento em torno de 70% em dez anos. Não é uma coisa imediata. O Estado trabalha com um horizonte de tempo bastante amplo”, completou.

“O projeto urbanístico de contrapartida vai recuperar e valorizar o bairro, requalificar e devolver para a comunidade espaços sadios e valorizados”, garantiu. “Até o dia 20 de agosto ainda estamos recebendo contribuições que chegarem e possivelmente trazê-las para o corpo da lei”, concluiu.

Pelo projeto, o acesso da população à praia existente na Fazenda do Arado, no bairro Belém Novo, seria garantido. Há previsão de uma área de exploração comercial, outra de serviços e quatro de empreendimentos habitacionais, com até 1.650 unidades. Um hotel e um centro de eventos ficariam no antigo casarão da fazenda. Os demais prédios históricos seriam preservados e restaurados.

Um vídeo com observações de envolvidos no projeto e de moradores da região foi exibido durante a audiência virtual. “Essa área de 400 hectares se presta muito bem à expansão da zona do Belém Novo, da zona urbana densa, para uma zona rural. E é possível fazer uma transição suave evitando possíveis expansões desordenadas que poderiam acontecer se não tiverem controle”, disse o responsável técnico do projeto urbanístico, José Rodolfo Fork. “O acesso será público e são 140 hectares de área na beira do rio”, comentou acerca do uso da faixa de praia que existe no local. Os impactos na malha viária da região também foram mostrados em um quadro.

Entretanto, tudo isso entra em choque com a relevância ambiental do local. A área protege fauna, flora, banhados e garante equilíbrio ao ecossistema da região. A fazenda funciona, ainda, como uma bacia natural de amortecimento das cheias do Guaíba. Em 2015, foi criada a campanha Preserva Arado, formada por moradores do Belém Novo e estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). O grupo luta para que a fazenda seja transformada em um parque natural público, para que os seus potenciais turísticos e de educação ambiental sejam aproveitados por toda população.

“A apresentação que foi feita aqui nesta audiência, de mais de uma hora, não levou em consideração o outro lado deste debate. Uma audiência que faz propaganda de um empreendimento em que o governo municipal está a serviço das empreiteiras. Uma audiência pública onde quem pensa diferente não teve o mesmo espaço para apresentar a sua política. Porque nesta audiência falam da Fazenda do Arado como se lá fosse um banhado e não levam em consideração que é um território da comunidade indígena, habitado pelos guaranis”, criticou Rejane de Oliveira, do Movimento de Luta Socialista (MLS). 

“Este projeto é um crime ambiental. As falas tratam das terras como se elas não tivessem donos. Nenhuma das falas trata de estudos arqueológicos que dizem que as terras pertencem aos indígenas. O que nós vimos aqui foi uma propaganda de um projeto imobiliário, das empreiteiras que não levam em consideração a vida, levam em consideração o lucro”, arrematou.

Em seguida, Mateus Coimbra Gus, integrante do Coletivo Ambiente Crítico, também criticou a audiência por dar pouco espaço para os opositores do projeto. “Neste formato, absurdo e antidemocrático, vamos mostrar as quantidades de mentiras trazidas para cá. Vou começar por este documento distribuído no bairro, não sabemos por quem, chamado ‘A verdade sobre a Fazenda do Arado’. Ele começa dizendo que o número na Fazenda do Arado de moradores previsto no empreendimento está dentro dos parâmetros do Plano Diretor. É mentira. Por isso estão tentando trocar a lei pela terceira vez. Em segundo lugar, a viabilização da extração de tratamento de água gerando abastecimento para 300 mil pessoas. O valor do terreno que vai ser doado é menor do que meio por cento dos investimentos dessa estação de tratamento de água. E se o empreendimento não sair existe obrigação de compra, contrato firmado e o DMAE já declarou isso. Mais uma mentira que está sendo espalhada por aí”, destacou.

Outros participantes também se manifestaram sobre o projeto. A Smamus disponibilizou durante a audiência virtual estrutura para acompanhamento e participação de interessados sem acesso a meios digitais na sede do Centro dos Funcionários da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (Cefal). Os protocolos de distanciamento social em função da Covid-19 permitiram a presença de até 80 pessoas no local. As contribuições dos participantes deverão integrar a elaboração de Projeto de Lei Complementar a ser enviado à Câmara Municipal.


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