Preços elevados fazem brasileiros usarem mais lenha do que gás nas cozinhas

Preços elevados fazem brasileiros usarem mais lenha do que gás nas cozinhas

Alta acumulada no valor é de 81,5% desde o começo do ano passado

André Malinoski

Comerciante Ruth Souza Bonato, de 63 anos

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O brasileiro necessita de criatividade para encontrar saídas em meio aos constantes aumentos no preço do gás de cozinha e de outras fontes de energia. O preço do botijão está quase R$ 100 reais, em média, o que torna inviável o uso do produto para preparar as refeições nas cozinhas de grande parcela da sociedade. A Petrobras já reajustou o valor em 47,53% em 2021, o que representa uma alta acumulada de 81,5% desde o começo do ano passado. O aumento mais recente foi de 7%. Dessa maneira, a alternativa é apelar para o fogão a lenha. “No inverno sempre tem maior procura, mas agora estamos vendendo cerca de 20% a mais de lenha em relação ao ano passado, muito pelo aumento no preço do gás”, estima a comerciante Ruth Souza Bonato, de 63 anos. A própria dona de um ponto comercial que oferece lenha, frutas e outros produtos na Zona Sul de Porto Alegre, possui um fogão a lenha no local. “Usamos muito para esquentar pinhão e fazer carreteiro”, conta.

Era possível ver vários sacos empilhados com lenha na frente do estabelecimento da comerciante. Tinha até uma promoção oferecendo o saco de 10 quilos de nó de pinho por R$ 25 reais, e um menor, com gravetos, por apenas R$ 5 reais. Mas o que sai mesmo é a acácia ou o eucalipto vermelho. “No caso da lenha de acácia vendemos a partir de R$ 20 reais o saco de 10 quilos”, relata a vendedora. E tem quem procure especificamente por determinados tipos de lenha, como de laranjeira, para valorizar o sabor da carne na hora de preparar o churrasco.

Não muito distante do estabelecimento, uma floricultura oferece lenha ao lado das flores e de outros itens. Uma placa dizia: “Três sacos por R$ 10 reais”. O funcionário Jairo Amaral, 18 anos, comenta que o pico da venda ocorre nos períodos mais frios, para uso em lareira e nos churrascos dos domingos. “Vendemos mensalmente até mil sacos de 10 quilos de lenha”, disse. O pouco que ainda tinha para comercializar havia sido negociado no dia anterior. Algo diferente de tempos antigos, quando a lenha até sobrava no ponto.

Com a procura por lenha em alta, as revendedoras de gás sentem os efeitos do menor público em busca dos botijões. “A venda de gás está péssima. Chegamos a vender 130 botijões por dia há cinco anos. Agora saem de 70 a 80 por dia”, compara Nelton Giovelli, de 49 anos, proprietário de uma revenda na Capital há 16 anos. Até a maneira de pagamento pelo produto foi afetada pela crise generalizada e, acima de tudo, pela falta de dinheiro da população. “Antes os pagamentos eram feitos 30% no cartão de crédito e 70% em dinheiro. Atualmente, as pessoas pagam 80% no cartão e apenas 20% em espécie”, afirma. O botijão comum estava sendo vendido a R$ 99,90 no local, mas o comerciante informou que reajustaria os valores no dia seguinte. “Tudo funciona em cadeia. Como os alimentos estão caros, as pessoas comem menos e, consequentemente, utilizam menos o gás de cozinha”, analisa Nelton Giovelli.

Conforme o presidente do Sindicato das Empresas Distribuidoras, Comercializadoras e Revendedoras de Gases em Geral no Estado do Rio Grande do Sul (Singasul), José Ronaldo Tonet, existe uma migração de famílias de baixa renda para outros tipos de combustíveis na hora do preparo dos alimentos, mas não é possível quantificar ainda o impacto na venda total. “Hoje, o gás de cozinha em botijões de até 13 kg movimenta, em média, 60 mil unidades por dia no Rio Grande do Sul. Lógico que uma elevação de 40% nos preços ao consumidor, de janeiro até agora, vai elitizar o gás de cozinha”, esclarece o dirigente do Singasul. “Porém, contraditoriamente, os números da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), de agosto de 2021, comparados com o mesmo mês do ano passado, apresentaram forte crescimento de 14% na venda de gás liquefeito de petróleo (GLP) em embalagens de até 13 kg. Os números totais do Brasil, somando botijões até 13 kg mais outras embalagens, até agosto2021, estão estáveis em relação ao mesmo período de 2020. No RS há crescimento de 3% até agosto”, acrescentou.

Os dados apresentados pelo Singasul até podem contrariar a realidade, mas o certo é que o velho e bom fogão a lenha está em evidência. Um levantamento da ANP aponta que o preço médio do botijão no país está em R$ 98,67, o que representa uma barreira para uma parcela significativa da população. A Petrobras destinará R$ 300 milhões para um programa social de subsídio que ajudará famílias de baixa renda a comprar o gás de cozinha. A taxa de desemprego no Brasil ficou em 13,7% no trimestre encerrado em julho, mas ainda atinge 14,1 milhões de brasileiros, segundo informa o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O uso de lenha aparece em segundo lugar entre as principais fontes de energia nas casas dos brasileiros, com 26,1% de participação, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O gás liquefeito de petróleo (GLP) vem na sequência, com 24,4%. A energia elétrica ainda lidera essa relação. Outro dado interessante da EPE mostra que o consumo de restos de madeira em residências em 2020 aumentou 1,8% frente ao ano anterior.

Como evitar queimaduras ao manusear fogões a lenha

Os brasileiros estão usando mais fogão a lenha para cozinhar os alimentos em detrimento do gás de cozinha. O motivo é o elevado valor do botijão, que, em média, pode custar R$ 100 reais em algumas revendedoras. Dessa maneira, a população encontrou no antigo processo de queimar madeira uma solução para contornar a barreira dos altos preços e dos sucessivos aumentos. Mas é preciso estar atento para evitar queimaduras ao manusear esse tipo de equipamento. O Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre atende 140 pessoas por mês, em média, com algum tipo de queimadura. Dessas, 20 necessitam de internação. “Percebemos um aumento de queimaduras em torno de 40% maior em relação ao mesmo período do ano passado. Porém no padrão igual de anos anteriores a 2020”, relata o coordenador de Enfermagem da UTI de Queimados do HPS, Tiago Fontana.

O HPS é referência no atendimento a pacientes com variados tipos de queimaduras, sendo que grande parcela do público vem de cidades do interior. O enfermeiro enumera algumas orientações para pessoas que manuseiam diariamente fogões comuns ou a lenha. Algumas dicas importantes são: nunca deixar crianças próximas ao fogo ou a materiais inflamáveis; cozinhar nas bocas de trás do fogão e sempre com os cabos das panelas virados para dentro, para evitar que as crianças derramem os conteúdos sobre elas; deixar comidas e líquidos quentes no centro da mesa, longe do alcance das crianças; evitar a utilização de líquidos inflamáveis para fazer fogo, como álcool e gasolina, por exemplo, e observar o manual de instruções de equipamentos do tipo lareiras ecológicas.

Responsável pela Unidade de Queimados do Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre, a cirurgiã plástica Maria da Graça Figueira Costa, afirma que não aumentou a procura do público por atendimento no setor depois que as pessoas começaram a usar fogão a lenha. Na verdade, não houve registros envolvendo queimaduras por uso de lenha. “Os casos são rotineiros envolvendo crianças e acidentes no trabalho”, diz. A doutora também faz um alerta. “Não é a lenha que queima. Algumas pessoas querem fazer o fogo alto e mais forte colocando gasolina, álcool ou querosene”, salienta. Dessa maneira, a possibilidade de um acidente cresce significativamente.

Não custa lembrar que alguns fogões a lenha esquentam muito sua superfície, oferecendo riscos para quem tocar a mão sem o devido cuidado. A atenção pode fazer a diferença e evitar acidentes na cozinha. Segundo números do Ministério da Saúde, apenas nos quatro primeiros meses deste ano, 6.409 crianças e adolescentes com menos de 15 anos foram hospitalizados no Sistema Único de Saúde (SUS) devido a queimaduras. Os tipos mais comuns de queimaduras em crianças, de acordo com a ONG Criança Segura, são as escaldantes (ocasionadas por água ou vapor quente) e as térmicas (após contato direto com fogo ou objetos quentes).


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