Rio Grande do Sul ultrapassa número de casos do Amazonas por Covid-19

Rio Grande do Sul ultrapassa número de casos do Amazonas por Covid-19

Total de mortes também se aproxima do registrado no estado do Norte

Correio do Povo

Casos totais no RS ultrapassaram números do Amazonas

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O estado do Amazonas foi um dos primeiros lugares do Brasil a vivenciar o colapso do sistema de saúde em decorrência do enorme número de casos de Covid-19. Nos dias situados entre o final de abril e meados de maio, a estrutura de Manaus não conseguia dar conta dos atendimentos, faltavam equipamentos e profissionais de saúde. Com a quantidade de mortes crescendo, até mesmo os caixões se tornaram escassos e muitas das vítimas chegaram a ser enterradas em valas comuns.

Cerca de 12 semanas depois do caos amazonense, o Rio Grande do Sul, com mais de 120 mil casos e 3,3 mil mortes, e já alcança o estado do Norte em números absolutos. Entretanto, o mesmo cenário de esgotamento não se repetiu por aqui, ainda que o sistema de atendimento esteja sobrecarregado, nunca se chegou ao ponto de colapso, tanto na Capital quanto no interior. Especialistas são unânimes em dizer que as medidas mais severas, adotadas no início da pandemia, ajudaram a diluir as ocorrências da doença ao longo das semanas, apresentando uma curva de evolução mais achatada na comparação. Mas há outras possíveis causas também.

No momento em que o RS praticamente se equipara à situação numérica do Amazonas, é importante entender que proporcionalmente menos gaúchos se infectaram e também morreram. O RS tem cerca de 11 milhões de moradores. Por aqui, a incidência de casos é 290% menor. São 2.783,6 casos a cada 100 mil habitantes contra 956,6. Em relação aos óbitos, a taxa de mortalidade é de 85,8 no AM, enquanto no RS é de 26,8 mortes por 100 mil habitantes. O Rio Grande do Sul também conta com uma estrutura de saúde robusta, contando, somente em Porto Alegre, por exemplo, com 826 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), e 383 exclusivos para Covid-19. Em Manaus, são 617 leitos de UTI, 256 só para pacientes com o novo coronavírus. Em compensação, o RS testa 24% a menos que o Amazonas, realizando 5.107 testes - RT-PCR e Rápidos - a cada 100 mil pessoas, frente às 6.627 testagens para a mesma quantidade de pacientes no Norte.

O Amazonas tem o maior território entre os estados do Brasil. Em população, é apenas o 15º maior, com cerca de 4,1 milhões de pessoas, com praticamente metade residente na capital Manaus, que tem 2,1 milhões de pessoas. Também é sede de uma zona franca, onde grandes indústrias - algumas multinacionais - produzem produtos com incentivos fiscais e possui um dos portos mais movimentados da região. Essa grande aglomeração urbana em plena floresta amazônica somada à circulação de pessoas de vários lugares do país e do mundo corroborou com o ligeiro alastramento do vírus, segundo o professor titular do Centro de Ciência do Ambiente da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ecólogo Henrique Pereira. “A velocidade com que a pandemia progrediu no primeiro surto foi o que levou ao colapso. O pico foi com 140 mortes em um único dia. Manaus foi uma das primeiras cidades do Brasil a apresentar este quadro agudo da pandemia. Também temos a questão da sazonalidade das gripes, que não seguem o mesmo calendário do Centro-Sul do Brasil. Aqui são no primeiro trimestre do ano, junto com o período das chuvas. Isso ajuda a entender o que se desenvolveu aqui”, explica. Em mais uma comparação, no dia 3 deste mês, o mais fatal desde o início da pandemia no RS, 71 morreram. 

O intervalo na descoberta dos primeiros casos nos dois estados foi mínimo. No RS, foi anunciado no dia 10 de março, em Porto Alegre. No AM, foi no dia 13 do mesmo mês, com o caso número um em Manaus. Contudo, os desfechos foram completamente diferentes. “No Amazonas foi tudo muito rápido, em um primeiro momento em que não se sabia muito sobre o vírus, nem de informações sobre etiqueta respiratória. E o sistema de saúde, que é mais precário que o nosso, colapsou”, avalia o mestre e doutor em epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry. O professor da UFAM pensa que mesmo com a reação das autoridades estaduais e municipais dois dias depois do primeiro caso, foi uma reação tardia. “No Brasil já havia casos”, garante. “Se chegasse aqui como foi no Amazonas, teríamos as mesmas dificuldades. Eles tiveram que fazer vários hospitais de campanha enquanto aplicamos as nossas medidas sanitárias, que foram de apostar no isolamento físico, mais rigoroso, o que permitiu preparar a rede, que em Porto Alegre já vinha com investimentos”, destaca o enfermeiro e professor da UFRGS Dário Frederico Pasche, que se dedica a estudar o planejamento e gestão de políticas de saúde.

Porto Alegre tem como referências no enfrentamento à Covid-19 dois grandes hospitais públicos federais, que são o Nossa Senhora da Conceição - junto com toda retaguarda das demais unidades do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) - e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), que recém havia concluído a ampliação e estava com um prédio vazio a disposição de uma solução. “Se não tivéssemos essa estrutura do HCPA, o que permitiu uma resposta rápida, seria pior”, imagina Pasche. Na segunda-feira, dos 724 pacientes internados em UTIs da Capital, 306 eram de casos confirmados de Covid-19. Em Manaus, eram 82 de 443 pacientes na mesma data.

Para Petry, a ligeira organização permitiu o RS reagir melhor à doença, sem repetir o caos que aconteceu em Manaus. “Quando se fechou tudo aqui, tínhamos poucos casos e o sistema conseguiu se reorganizar. Então ganhamos um bom tempo. E assim, os nossos casos foram se diluindo ao longo do tempo”, justifica. “A letalidade e mobilidade da covid no interior (do AM) foi bem menor. Aliás, não houve a ocorrência de formas graves no interior, senão teria sido uma tragédia muito pior”, acredita Pereira, que afirma que não há leitos de UTI no interior do Amazonas. Apesar do comparativo favorável ao Sul, os gaúchos ainda têm muito o que fazer para evitar que a situação saía de controle. Para Pasche, o Rio Grande do Sul ainda permanece sob risco de um agravamento da situação. “A taxa de reprodução viral segue muito alta. A gente deve ter repercussão entre os próximos 10 e 15 dias”, alerta.


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