SOS Estradas mostra que país está na contramão do controle da velocidade

SOS Estradas mostra que país está na contramão do controle da velocidade

Infratores e potenciais criminosos do trânsito sabem onde pode ter fiscalização

Correio do Povo

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Em média, menos de 0,5% do universo de mais de 80 milhões de condutores é flagrado em excesso de velocidade nos radares fixos e portáteis em operação no Brasil. Essa é uma das conclusões do estudo: “Indústria da Multa ou Fábrica de Criminosos do Trânsito?” do SOS Estradas. O primeiro no gênero que compara a realidade brasileira com outros países numa linguagem acessível.

Na Europa

Na Espanha, a velocidade é fiscalizada com policiais que não estão visíveis, outros em veículos não identificados que multam em movimento. Até helicópteros são usados para punir os infratores. Na França, uma empresa privada foi contratada para disponibilizar motoristas em sistema de rodízio para que a fiscalização das vias seja durante as 24 horas do dia, multando os infratores. Na Alemanha, aplicativos que informam a presença de radares são proibidos. Na Suíça, motoristas podem pagar 200 mil euros de multa por excesso de velocidade, já que o valor da infração é compatível com sua renda. Na Dinamarca, condutores que trafeguem nas rodovias acima de 140km/h, além de multa, correm o risco de ficar sem a habilitação de 6 meses até 10 anos.

Meta mundial 

Até 2030, a meta número 6 da Década Mundial de Segurança Viária é reduzir à metade a proporção de veículos trafegando acima do limite de velocidade e com isso reduzir as mortes e lesões no trânsito. Dia 17 de maio, a ONU lança a campanha “Streets for life #Love30”. O objetivo é estimular a redução do limite de velocidade nas vias urbanas com grande circulação de pedestres para 30km/h e aumentar para 95% a chance de sobrevivência no caso de atropelamento. Estudo da ONU revela que 5% de diminuição da velocidade média pode representar 30% na redução dos acidentes fatais. A simples redução de 3,7km/h na Suécia, baixando a velocidade média de 87,7km/h para 84km/h, reduziu a mortalidade nos acidentes em 41%. Na Noruega, a diminuição da velocidade média de 85,1km/h para 83,2km/h reduziu em 22% as mortes nos acidentes. Na Alemanha, foram obtidos resultados semelhantes e na França, a redução da velo­cidade média em 9km/h nas rodovias de pista simples, contribuiu com queda em 31% das mortes.

Brasil 

Já no Brasil, desde abril de 2019, o governo federal iniciou uma política de desligamento de radares e chegou a deixar a Polícia Rodoviária Federal sem os portáteis. Naquele ano, as mortes aumentaram em média 15% ao mês nas rodovias federais, comparando com o mesmo período de 2018. As multas por excesso de velocidade nas rodovias federais, aplicadas pela PRF, caíram de 2.345.158 em 2018 para 1.446.344 em 2019 e 392.397 em 2020, quando comparamos as rodovias federais com as estaduais de São Paulo. A falta de fiscalização teve impacto mortal. Apesar da queda do movimento nas rodovias em todo país, estimado em cerca de 15% em 2020, por conta da pandemia, a Polícia Militar Rodoviária de São Paulo fiscalizou com mais rigor os abusos de velocidade, mais frequentes devido às pistas vazias. Já a PRF, reduziu em mais de 70% a sua atuação na fiscalização. O resultado foi que São Paulo conseguiu reduzir as mortes em 10%, próximo da queda do movimento, enquanto as rodovias federais não registraram quase nenhuma redução. Nas rodovias federais foi como se a pandemia não existisse, o número de mortos foi o praticamente o mesmo de 2019.

Fiscalização

Em 1º de novembro de 2020, véspera do Dia de Finados, entrou em vigor a Resolução 798 do Contran, que determina que a localização de todos os trechos com radares portáteis precisa ser indicada no site do órgão de trânsito, além da necessidade de estudo que justifique sua presença. Além disso, esses equipamentos de controle de velocidade têm que estar visíveis e devem ser operados por agente de trânsito. A medida foi imposta a todo o país, sem fundamentação técnica que a justificasse, tornando a política da impunidade da velocidade, antes restrita as rodovias federais, agora de caráter nacional.

Com isso, os infratores e potenciais criminosos do trânsito sabem exatamente onde pode ter fiscalização. Graças a garantia dessa informação, proliferam nas mídias sociais, em particular no YouTube, jovens que postam vídeos com rachas ou simplesmente trafegando em velocidades de autódromo, sem contar os que deitam em motos a 200km/h. Pior ainda, são remunerados por isso, graças aos anúncios veiculados nos seus canais pelo Google/YouTube.

A sensação de impunidade está causando mortes e já representou aumento de vítimas fatais nas rodovias federais, considerando a queda do movimento nas estradas devido à pandemia. Para compensar a retirada de radares, o DNIT está instalando lombadas em rodovias federais, medida que, na verdade, tem causado acidentes dramáticos. Vítimas de trânsito inclusive organizam manifestações pedindo a volta dos radares ou indicando os trechos perigosos com faixas, como a ação organizada pela entidade “Somos Todos Vítimas da BR-265”. Com a presença de radares, o número de acidentes fatais praticamente zerou; com o desligamento dos equipamentos, várias pessoas morreram já na primeira semana.

Na avaliação do coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, responsável pelo estudo, o trabalho coloca por terra a tese de que temos uma indústria da multa. “Nosso problema é a impunidade, a fábrica de infratores e potenciais assassinos, estimulada pelo próprio governo federal com a Resolução 798 e desligamento de radares. É preciso rever urgente essa norma e a política de gestão de velocidade. Indicar os radares fixos é absolutamente normal, mas informar onde estão os portáteis é como avisar o criminoso onde tem polícia.”

 


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