Vítimas de Petrópolis tentam retomar rotina, mas seguem sem definição de moradia

Vítimas de Petrópolis tentam retomar rotina, mas seguem sem definição de moradia

Abalados, moradores procuram se adaptar às incertezas após a tragédia na cidade da região serrana

Petrópolis tenta retomar rotina após tragédia

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Onze dias depois da tragédia que assolou Petrópolis e tirou a vida de pelo menos 219 pessoas, a preocupação dos sobreviventes passa a ser onde morar. Nos primeiros dias que se seguiram ao temporal de 15 de fevereiro, a maioria buscou abrigo na casa de parentes, de amigos ou em abrigos – que nesta sexta-feira (25) reuniam 889 pessoas, em 13 pontos de apoio.

Com o decorrer do tempo, porém, a busca passou a ser por um endereço próprio, pois dividir o espaço com estranhos ou mesmo familiares não é algo fácil, por causa do aperto ou do comportamento dos outros, o que muitas vezes acaba gerando atritos.

No Morro da Oficina, é grande o número de pessoas que sobem e descem as ladeiras, trazendo nas mãos sacolas com o pouco que lhes restou, objetos e peças de roupas localizados dentro dos imóveis que não vieram abaixo, mas que não têm mais condições de segurança por estarem à beira de barrancos, com as paredes rachadas ou em frente a enormes buracos que se abriram no chão.

“Eu estava em casa com a minha filha e chovia muito. Escutei um estrondo e vi aquela avalanche de lama. Nós corremos para o quarto e ficamos presas lá, tentando sair. Quando quebrei uma telha, vi que não tinha mais morro. Graças a Deus tivemos a vida preservada, mas o recomeço é muito difícil. Perder tudo é complicado. Estou na casa da minha sogra e agora é aguardar essa saga do aluguel social. Eles falaram que vão dar, mas não disseram o dia. Dão um número de telefone que só chama até cair”, relatou Rosilane Amaral da Silva.

Sentados à margem do caminho onde havia sua casa, Rosilane e o marido, Jaime, motorista de aplicativo, haviam ido pegar algumas coisas que pudessem carregar, como roupas e objetos pessoais, antes que a construção caísse em definitivo, pois ficou à beira do barranco que se formou quando o morro veio abaixo. “A única coisa que minha filha pediu para trazer é uma caixa de fotos antigas.”

Situação semelhante vive a família de Marisa Pereira. A moradora ficou com a casa preservada, mas sua mãe foi soterrada no deslizamento, atingida enquanto estava na residência de uma vizinha, no Morro da Oficina.

“O prefeito disse que vai botar uma equipe para procurar casas de aluguel social. Não quer saber das condições das famílias, se tem filhos nas escolas próximas. O certo é dar o dinheiro e cada um se organizar. E, além disso, ninguém vai querer alugar uma casa sabendo que é para a prefeitura. Pois eles falam que vão repassar para o proprietário, aí atrasam um mês, dois meses, e te ameaçam botar pra fora. Vão botar a gente onde? Estão nos tratando como se fôssemos mais um número”, reclamou Marisa, que trabalha em uma creche.

Em outra parte do morro, a aposentada Maria José subia com dificuldade a imensa escadaria que leva à parte alta, procurando a sombra de um muro para descansar.

“Eu estou perdida, um desespero só. No dia que caiu isso tudo, parecia que tinha vindo um furacão. Todo mundo que eu conhecia está morto, tudo debaixo dessa terra. Morreu tudo. Eu estava em casa e vi quando desceu. Minha neta perguntou o que era e eu disse que o céu estava caindo. Vi a tragédia passar pela minha janela. Essas imagens não saem da minha cabeça. É uma coisa horrível. Agora estou na casa de uma amiga. Eu quero voltar para a minha casa. Mas não sei o que vão fazer comigo. O pessoal não deixa eu voltar”, disse ela, que morava há 45 anos no local.

A Prefeitura de Petrópolis foi procurada para se manifestar sobre o andamento dos processos de aluguel social, mas não se pronunciou até a publicação da matéria.

Donativos

Em uma grande tenda armada na rua em frente ao Morro da Oficina, milhares de peças de roupas e centenas de pares de calçados são disputados por moradores atingidos pela tragédia. Alguns ficaram sem nada, apenas com a roupa do corpo. Outros tentam pegar algo para entregar a parentes ou amigos, igualmente afetados.

“Na semana que caiu a gente teve que sair [de casa] porque tinha risco. Só que a gente não tem para onde ir e voltamos para casa. Esse é o grande problema. O aluguel social aumentou [de valor], porém os aluguéis aumentaram junto”, disse Kathlen Fonseca, que está grávida de sete meses e tentava encontrar, na montanha de donativos, roupas de cama, toalhas de banho e sapatos.

Ao lado dela, outras pessoas também procuravam roupas ou calçados que servissem, mas eles estavam todos misturados, o que dificultava achar os pares certos.

“Eu perdi tudo. Caiu, desmoronou. Todos se salvaram, pois saímos rápido. Agora estou na casa de uma prima. Estou procurando roupas, mas sapatos ainda não consegui. Até agora ninguém falou de aluguel social. Eu não quero mais morar aqui, pretendo ir embora. É muita lembrança ruim de Petrópolis”, disse a aposentada Sandra Viana, que trouxe o filho para ajudar.


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