Autocultivo de maconha no Uruguai é opção para usuários

Autocultivo de maconha no Uruguai é opção para usuários

Número pequeno de farmácias habilitadas para venda provocou alternativas para os consumidores da planta

Danton Júnior

Sebastian Fernandez é responsável por autocultivo de maconha na cidade de Bella Unión

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A pacata cidade uruguaia Bella Unión, com seus 13 mil habitantes, tem como principal atrativo os freeshops. Devido à sua localização faz fronteira tanto com o Brasil quanto com a argentina Monte Caseros, recebe diariamente turistas dos dois países vizinhos. Numa casa simples, a poucos minutos da fronteira com a cidade gaúcha de Barra do Quaraí, a dona de casa Hilda Pereira cuida com esmero alguns pés de tomate que cultiva no quintal. Ao lado das hortaliças, há uma estufa com seis pés de maconha em flor, máximo permitido aos autocultivadores pela lei uruguaia.

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O responsável pela plantação é o vendedor de insumos agrícolas Sebastian Fernandez, 33 anos, filho de Hilda e um entusiasta do autocultivo. “Em Montevidéu, onde está metade da população do país, o pessoal geralmente não tem quintal para produzir, então a maioria vai comprar na farmácia, que é a única alternativa”, relata.

Registro para se tornar autocultivador

No interior do país, além de poder contar com mais terras para o cultivo, os usuários têm poucas farmácias habilitadas à venda. Fernandez participou da mobilização realizada em 2012, conhecida como “Amanhecer Verde”, que tinha como uma de suas bandeiras a permissão para o cultivo próprio da planta. Para se tornar um autocultivador é necessário cadastrar-se junto a uma agência dos correios. Cada indivíduo registrado tem a permissão para cultivar até seis pés de maconha em flor. Não se trata de mera formalidade.

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Segundo Fernandez, fiscais do Instituto de Regulación y Control del Cannabis (Ircca) já foram duas vezes em 2016 ao local para vistoriar a plantação. As principais vantagens do autocultivo, segundo ele, são o custo, menor do que a compra ilegal, e a garantia da procedência. “Consumíamos uma maconha que não era a mesma coisa. Era uma coisa prensada do Paraguai, que usa inseticida, que tem fungo, causa um dano tremendo para os pulmões”, observa.

Na vizinhança da pequena cidade, onde todos os moradores se conhecem, Fernandez diz não ter encontrado problemas. “Sou fumante desde os 17 anos. Todos os meus vizinhos sabem, não tenho problema com ninguém, então acho que neste sentido a sociedade tem avançado bastante”, relata.

Rotina de cuidados

A rotina na plantação inclui cuidados especiais com a iluminação das plantas, já que a quantidade de horas de luz é o que regula se o pé irá florescer. Em alguns dias, também é necessário regar. As sementes devem ser adquiridas de produtores autorizados pelo Ircca.

Embora o espaço para os pés de tomate tenha ficado menor, Hilda diz não se sentir incomodada com o novo cultivo. “Sei que meus filhos estão consumindo uma planta”, afirma ela, que também temia pelo fato de, antes, o filho precisar recorrer às “bocas” para comprar.

Clubes canábicos

A outra modalidade de consumo que tem ganhado adeptos no Uruguai, prevista na lei nacional que regulamentou a maconha, é a criação dos clubes canábicos, autorizada em 2014. Cada uma destas associações pode contar com no mínimo 15 e no máximo 45 membros. A plantação está limitada a 99 plantas fêmeas e a produção anual não pode superar as 480 gramas por associado. Nestes clubes, o cultivo é destinado apenas ao consumo dos seus membros. Segundo o Ircca, atualmente existem 68 clubes cadastrados junto ao governo.

Carlos “Ojito” Aranaga, 29 anos, trabalhador do setor da construção civil, busca a criação de um clube canábico em Bella Unión. “A vantagem é que temos mais variedades e que são mais fortes do que as da farmácia, com 16% de psicoatividade”, relata. Na avaliação dele, o imbróglio envolvendo os bancos pode até prejudicar a venda da maconha nas farmácias, mas não deverá influenciar a continuidade do consumo tanto no autocultivo quanto na modalidade de clube canábico.

A inspiração dos uruguaios foram os clubes canábicos existentes na Espanha. Porém, há algumas diferenças substanciais entre os dois modelos. A principal é o número limitado de associados, já que no país europeu os membros podem chegar a mais de mil. “É uma política muito importante para aqueles consumidores frequentes, porque por meio do clube eles podem conseguir a qualidade e a quantidade que não encontram na farmácia”, destaca o ex-deputado da Frente Ampla Nicolas Nuñez.

Além disso, segundo ele, o clube também vai de encontro ao individualismo, ao permitir que os usuários compartilhem experiências e dividam os custos de produção.

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