Bósnia recorda massacre de Srebrenica

Bósnia recorda massacre de Srebrenica

Primeiro-ministro sérvio foi atacado com pedras

AFP

Bósnia recorda massacre de Srebrenica

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Milhares de pessoas recordaram neste sábado na localidade bósnia de Srebrenica o 20º aniversário do massacre de 8 mil muçulmanos pelas forças sérvio-bósnias, em uma cerimônia ofuscada pelo ataque com pedras ao primeiro-ministro sérvio, que teve que abandonar o memorial. O chefe de Governo sérvio, Aleksandar Vucic, um ex-ultranacionalista que se converteu em pró-europeu convicto, acabara de depositar flores diante do monumento com os nomes das mais de 6,2 mil vítimas identificadas e enterradas no memorial, quando a multidão começou a gritar "Alá Akbar" (Deus é grande) e a atirar pedras em sua direção.

Cercado pelos seguranças, Vucic conseguiu deixar o local, depois que uma pedra o atingiu na cabeça, enquanto os organizadores do evento pediam calma nos alto-falantes. Em Belgrado, o ministro das Relações Exteriores da Sérvia considerou o incidente um "ataque" ao país.

"O primeiro-ministro se comportou como homem de Estado ao decidir comparecer e inclinar-se ante as vítimas. É um ataque não apenas contra Vucic, e sim contra toda a Sérvia e sua política de paz e de cooperação regional", afirma Ivica Dacic em um comunicado. Vucic, no entanto, disse que sua mão permanece estendida para a reconciliação. "Lamento o que aconteceu hoje e lamento que alguns não tenham reconhecido nossa intenção sincera de construir uma amizade sincera entre sérvios e muçulmanos. Minha mão segue estendida e prosseguirei minha política de reconciliação", declarou Vucic.

Vucic, sem um ferimento visível, disse que uma pedra o atingiu no lábio inferior, mas minimizou a agressão e disse que "não foi nada". Após o incidente, em um ambiente repleto de emoção e de dor, os restos mortais de 136 vítimas recentemente identificadas do massacre de 11 de julho de 1995 foram sepultados. Um total de 6.241 corpos identificados estão enterrados no memorial e outros 230 em vários cemitérios. "(Vucic) veio nos ver para pedir perdão, mostrar que tem coração, e agora nós vamos ser considerados selvagens", lamentou uma mulher, que pediu anonimato.

Um crime monstruoso

Antes de viajar a Srebrenica, Vucic publicou neste sábado uma carta aberta na qual definiu a matança como um "crime monstruoso". "Não há palavras para expressar a tristeza e a dor pelas vítimas, nem a revolta contra os que cometeram este crime monstruoso", escreveu sem utilizar a palavra "genocídio".

Em julho de 1995, em uma região declarada "zona protegida" pela ONU, quase 8 mil adolescentes e homens muçulmanos foram assassinados pelas forças sérvio-bósnias em Srebrenica, no maior massacre registrado na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Begajeta Salihovic, de 51 anos, enterrou o pai. "Quando fiquei sabendo que haviam encontrado os restos mortais, tive a impressão de que acabara de morrer", disse a mulher, que também perdeu um irmão no massacre. Outros dois irmãos, mortos no início do conflito bósnio, nunca tiveram os corpos localizados.

A guerra entre comunidades da Bósnia (1992-1995) deixou 100 mil mortos e 2 milhões de refugiados, o que representa quase metade da população da época. Em Washington, o presidente americano Barack Obama denunciou o "genocídio de Srebrenica", afirmando que seu país continua comprometido em "ajudar os sócios nos Bálcãs a curar as feridas do passado". Muitas autoridades internacionais estiveram presentes em Srebrenica, entre eles o ex-presidente americano Bill Clinton, cujo governo foi o idealizador dos acordos de paz de Dayton que acabaram com o conflito. A Bósnia respeita neste sábado um luto nacional em todo o seu território, dividido após o conflito em duas entidades: uma sérvia - a Republika Srpska (RS) - e a outra croata-muçulmana, unidas por frágeis instituições centrais.

Veto russo na ONU

O massacre ainda provoca debate no cenário político internacional e envenena as relações entre Sérvia e Bósnia. Na quarta-feira, a Rússia vetou um projeto de resolução da ONU sobre Srebrenica, uma decisão comemorada por Belgrado e criticada pelas famílias das vítimas por "impossibilitar a reconciliação". Os líderes político e militar dos sérvios na Bósnia, Radovan Karadzic e Ratko Mladic, respectivamente, foram acusados de planejar o massacre e são julgados atualmente por genocídio no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia.

Em 2001, um comandante sérvio-bósnio, Radislav Krstic, foi o primeiro condenado por um genocídio na Europa. Depois vieram outras quatro condenações. Vinte anos depois do massacre, a Bósnia, um dos países mais pobres da Europa, com 3,8 milhões de habitantes, segue dividida entre comunidades e permanece no fim da fila dos países candidatos a entrar para a União Europeia. As principais comunidades, muçulmanos (40%), sérvios (30%, cristãos ortodoxos) e croatas (10%, cristãos católicos), não conseguem esconder a hostilidade.

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