“Bonito, mas trágico”, diz brasileiro em Kiev sobre resistência ucraniana
Estudante de Medicina na Ucrânia, Rony de Moura dos Reis, de 34 anos, tenta sair do país pela Romênia
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Por uma fresta da janela do apartamento de um amigo, o brasileiro Rony de Moura dos Reis, de 34 anos, observa as ruas desertas do bairro Boryspilska, em Kiev, na capital ucraniana. Do lado de dentro de casa, no primeiro andar de um prédio, alimentos armazenados, mala e mochila prontas para deixar o país assim que possível. O quinto dia de guerra entre Rússia e Ucrânia fez com a população buscasse todos os meios possíveis para resistir tanto quanto possível e para planejar cruzar as fronteiras na busca pela sobrevivência.
“Eu me precavi bastante, mas tenho muita dificuldade para dormir com o barulho das explosões e percebi que tenho perdido peso com todo o estresse”, diz ele ao R7. “As pessoas que conheço aqui estão tentando se salvar. Ao mesmo tempo, sinto que a Ucrânia não vai ceder. Kiev está resistido muito bem. Tem um ar de patriotismo muito forte. É bonito, mas trágico ao mesmo tempo”, relata o brasileiro sobre a atuação do exército ucraniano contra a ofensiva russa que teve início na quinta-feira.
Nos últimos dias, Rony tem se organizado para se proteger e, ao mesmo tempo, planejado um meio de deixar o país. Segundo a Acnur (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), já são pelo menos 422 mil cidadãos com nacionalidade da Ucrânia que deixaram o país após a invasão da Rússia. De acordo com previsões da agência, há ainda mais de 100 mil deslocados internos em território ucraniano. Países como Polônia, Hungria, Moldova e Romênia são os principais receptores desse fluxo de pessoas, até o momento.
Brasileiro se prepara para viagem | Foto: Arquivo Pessoal
Rony é um dos moradores de Kiev que tenta se deslocar para a Romênia. O brasileiro relata que organizou hamburgueres e chocolates em mochilas para atravessar a fronteira e alimentar outros brasileiros que tentam fazer o mesmo. “Arrumei minhas malas e estou tentando sair pela Romênia porque uma das filiais da empresa que trabalho está localizada naquele país".
Desde que os conflitos se intensificaram, Rony começou a morar com um amigo. Inicialmente, estava no 5º andar de um prédio. Depois que as ofensivas russas ganharam força, ele tratou de se mudar para o 1º andar. “Há uma preocupação sobre como as bombas podem nos alcançar. Todo mundo está desesperado para sair do país”, diz ele. “A impressão é que mais cedo ou mais tarde não vão resistir à pressão, os mercados já estão desabastecidos. Agora, esperamos que não haja abusos do exército russo contra civis".
Contudo, o estudante de medicina diz que se sente esperançoso em relação a reunião que ocorre em Belarus com as comitivas da Ucrânia e da Rússia. Na manhã desta segunda-feira, representantes dos dois países se reúnem para uma primeira negociação, conforme informou a assessoria do presidente ucraniano Volodimir Zelenski. A conversa deve se concentrar na decisão de um cessar-fogo imediato e na retirada das forças russas do território ucraniano.
“É inimaginável pensar que estamos em guerra”
A qualquer momento, Rony espera apreensivo um telefonema para confirmar a saída do país para a Romênia. “É inimaginável pensar que estamos em guerra”, diz. Rony está na Ucrânia há três meses, há três anos saiu do estado de Goiás, no Brasil, para buscar na Rússia a possibilidade de estudar medicina por um preço mais acessível. Sem se adaptar totalmente à cultura e à rotina russa, Rony se mudou para a Ucrânia. Com a pandemia de Covid-19, ele voltou ao Brasil para viver com a família e finalmente no fim do ano passado pode voltar à Ucrânia para continuar os estudos.
Com os conflitos, todas as expectativas de Rony ficaram suspensas. “Venho tentando me tranquilizar e passar tranquilidade para os meus parentes. Hoje foi um pouco mais difícil com a bomba que caiu próximo daqui”, afirma. “Estou esperando o telefonema para sair. Vou tentar fazer esse trajeto de carro.”
Rony conta ainda que é a segunda vez que tenta deixar o país com destino à Romênia. No sábado, ele não conseguiu deixar a guerra para trás. “A polícia me mandou voltar para casa. Já era próximo das 17h, perto do horário do toque de recolher”, diz ele que por falar russo não compreendeu todas as recomendações da polícia, que se comunicou no idioma ucraniano.
A casa em que Rony vive atualmente fica a cerca de 30 quilômetros da região em que ocorrem os bombardeios russos. Já a estação de trem, por onde os refugiados estão deixando o país, está localizada a 20 quilômetros da casa do brasileiro. Entretanto, os hábitos e distâncias não são mais os mesmos desde a quinta-feira, quando a guerra se iniciou.
“Fiz o percurso de 1h10 do trabalho para casa em quase 3h. Vim trabalhar da minha casa”, lembra Rony. “Fui ao supermercado e já estava com muita fila. Estava completamente fora do habitual. No fim de semana, fiquei em casa por conta do toque de recolher. Agora é ficar em casa esperando o momento de sair do país".