Entenda o poder de destruição das armas nucleares da Rússia

Entenda o poder de destruição das armas nucleares da Rússia

Especialistas explicam como as armas mudaram desde a Guerra Fria e a diferença entre artefatos táticos e estratégicos

Lucas Eliel

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Desde o começo da guerra da Rússia contra a Ucrânia, a utilização de armamento nuclear pelo presidente Vladimir Putin sempre foi uma possibilidade colocada sobre a mesa. Dono de um arsenal que vem desde os tempos da Guerra Fria, o governo russo já deu declarações de que pode fazer uso desse poderio nuclear caso sinta a sua existência ameaçada.  

E quando o assunto é conflito nuclear, a maioria das pessoas lembra das bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos em 1945 nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, durante a Segunda Guerra Mundial. O ataque norte-americano causou grande destruição e deixou milhares de mortos. 

Hoje, a situação é um pouco diferente. Segundo o analista de Relações Internacionais com foco em Segurança Internacional e mestre em Estudos Estratégicos Internacionais pela Ufrgs, Felipe Dalcin, existem duas classificações centrais das armas nucleares: táticas e estratégicas. "As estratégicas são usadas para destruir uma cidade, uma usina nuclear. Um ataque nuclear tático seria utilizado em campo de batalha", diz. 

De acordo com Dalcin, as armas nucleares táticas podem ser lançadas em um alvo a uma distância de 500 km até 5,5 mil km, enquanto as estratégicas superam essa escala limite. "(Para efeito de comparação), é estimado que os Estados Unidos tenham 300 armas nucleares táticas. Já a Rússia, pesquisadores apontam que ela possui entre 1,6 mil e 2 mil armas táticas", explica.

Poder de destruição 

Além da distância, outro ponto fundamental é em relação ao poder de detonação das armas nucleares táticas e estratégicas. O impacto de destruição varia e é medido em quilotons. Cada quiloton equivale a mil toneladas de explosivo sendo acionados ao mesmo tempo. 

Segundo o especialista, estima-se que as armas nucleares táticas, que possuem grande poder de precisão, tenham poder variado entre 0,1 quiloton e 10 quilotons. "O ataque em Hiroshima, por exemplo, teve 15 quilotons", destaca.

As armas nucleares estratégicas, conforme Dalcin, já são bem mais poderosas, com um poder de destruição de 100 quilotons para cima. Porém, não se pode subestimar as armas nucleares táticas. "Estima-se que a arma convencional mais poderosa tenha poder de destruição de 0,01 quiloton. Ou seja, o ataque nuclear tático mais fraco, de 1 quiloton, já seria dez vezes mais poderoso que uma arma tida como normal", ressalta. 

Durante a guerra, a Ucrânia tem apontado diversas vezes que as tropas russas miram em alvos civis. Dalcin acredita que as chances da Rússia utilizar armamento nuclear tático em uma cidade são mínimas. "Se a Rússia fizer um ataque tático, será em um alvo em mar, em uma base ucraniana mais distante. Muito pouco provável que utilize em alvos civis porque seria um genocídio. Poderiam ser milhares de mortos, e a gente teria radiação nesse ponto", pontua.  

Destruição em zona urbana na Ucrânia | Foto: Aris Messinis / AFP / CP 

O especialista também não acredita que a Rússia faria uso de armamento mais destrutivo em regiões onde a Ucrânia faz divisa com outros países, pois as outras nações se sentiriam ameaçadas. 

Acompanhe o avanço das tropas russas na Ucrânia a cada dia

Especificações dos armamentos 

Rússia tem um acordo internacional com os Estados Unidos em que deve descrever quais são seus armamentos nucleares estratégicos, mas a medida não vale para as armas táticas. Desta forma, o especialista aponta que é difícil saber como seriam com detalhes as armas nucleares do tipo menos destrutivo.

- As armas nucleares táticas podem ser lançadas por sistemas armamentistas que trabalham com armas convencionais, sendo os principais: 

Kalibr (SS-N-30A): míssil de cruzeiro, com estimativa de alcance de 1,5 mil km a 2,5 mil km. Tornou-se essencial para a Rússia para testar ataques feitos pela Marinha em alvos no solo. 

9K720 Iskander (SS-26): balístico de míssil móvel rodoviário de curto alcance, podendo atingir alvos em até 500 km.

2S7M Malka: peça de artilharia utilizada durante a guerra soviético-afegã e na segunda guerra da Checênia.

- Em artigo, Dalcin detalhou alguns sistemas para armas nucleares estratégicas que a Rússia possui. São eles: 

SS-19 (e variantes) - também chamado de Stiletto, pode transportar até seis ogivas nucleares e percorre até 10 mil km de distância 

SS-25 (Topol) - pode carregar uma ogiva nuclear e se locomove até 11 mil km. 

Ameaça para maior poder em negociações 

No final de fevereiro, Putin afirmou, em reunião com militares e russos, que havia colocado em alerta máximo a “força de dissuasão” do exército, que poderia incluir armamento nuclear. No início do mês, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, negou a intenção do país em utilizar armamento mais destrutivo e afirmou que um conflito nuclear está somente na cabeça dos políticos ocidentais. 

No final de fevereiro, Putin afirmou que colocaria "forças de dissuasão" em alerta máximo | Foto: Mikhail Klimentyev / AFP / CP 

Na semana passada, no entanto, o vice-embaixador da Rússia na ONU, Dmitry Polyanskiy, falou em uma entrevista ao canal britânico Sky News que o presidente Vladimir Putin pode apertar o botão nuclear se for ameaçado pela Otan. 

Para a doutora em Estudos Estratégicos Internacionais pela Ufrgs e Diretora de Pesquisa do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia, Larlecianne Piccoli, a ameaça do armamento tático tem sido utilizada como estratégia da Rússia para ter maior poder de negociação do que a Ucrânia. 

Ela considera difícil que a Rússia use armamento nuclear tático porque sabe que sua relação com outros países ficaria ainda mais fragilizada. "Não me parece que eles (russos) estão dispostos a pagar esse preço. Por mais que a Rússia esteja sob sanções, ela sabe da importância que ela possui no mercado global, da importância das relações econômicas com os países europeus. É sabido que quando se usa armas nesse escalão, as relações diplomáticas serão cortadas", destaca. 

Se é difícil que a Rússia inicie ataques nucleares táticos, armas do tipo estratégico seriam ainda mais difíceis de serem utilizadas pelo mesmo motivo. “A gente não pode dizer que a possibilidade é nula porque as armas estão ali, mas são as armas que não devem ser utilizadas", pondera.

Para Felipe Dalcin, a possibilidade da Rússia utilizar armamento nuclear existe. "É importante ressaltar que guerra é uma coisa muito cara. E outra coisa, quanto mais a guerra persiste, mais há desgaste por parte das tropas. Usar esse armamento tático seria uma demonstração de poder muito forte", afirma.


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