Kiev está longe do front, mas medo da guerra está presente

Kiev está longe do front, mas medo da guerra está presente

Desde terça-feira, de hora em hora, poderosos alto-falantes tocam o hino nacional "A Ucrânia não está morta" na capital

AFP

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Os habitantes da capital ucraniana observam de longe e sem alterar sua rotina a possibilidade de um conflito devastador com a Rússia. Mas alguns rituais da retaguarda bélica não vistos há anos, voltaram da noite para o dia.

Desde terça-feira, de hora em hora, poderosos alto-falantes tocam o hino nacional "A Ucrânia não está morta" na grande praça Maidan. Mas com um eco limitado, já que ninguém para para olhar o telão onde se projeta a bandeira ucraniana azul e amarela levemente pixelizada.

"O povo russo não precisa da morte de seus filhos e nós não precisamos a dos nossos", diz Zoya Rozuman, de 59 anos, que tem outros planos para as próximas semanas e pensa em arrumar o jardim para a próxima primavera. "Tudo vai ficar bem", afirma a mulher vestida com um uniforme de limpeza com um sorriso.

A 800 quilômetros do front do leste, o reconhecimento na segunda-feira por Moscou das regiões separatistas gerou nas ruas da capital um temor mais concreto de uma escalada iminente. "Temos medo da guerra, sim, mas estamos prontos para enfrentá-la porque é uma guerra defensiva", resume Anatoli Tarasenko, 74 anos.

Este pensionista critica que o governo "não levantou um dedo" para impedir, após a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, que as duas regiões dos separatistas pró-russos escapassem do controle.

Num momento em que os próximos passos são incertos e vários cenários são possíveis, desde um status quo a uma invasão, o governo ucraniano já se declarou "em guerra".

"Tempos de guerra"

Diante do caixão de um dos primeiros soldados ucranianos mortos na região do Donbass desde que o conflito foi retomado, o ministro da Defesa, Oleksiy Reznikov, apoia-se nos símbolos.

"Nosso soldado não morreu em tempos de paz, morreu em tempos de guerra, morreu defendendo seu país contra as abominações contra as quais resistiremos", disse ele à imprensa, parentes e cercado por homens que carregavam uma flor numa mão e um rifle no ombro.

Poucos em Kiev acreditam numa guerra total ou na possibilidade de uma invasão russa, mas todos são assombrados pela ideia, de uma forma ou de outra.

Ksenia Balfy, uma DJ de 38 anos, não planeja cancelar seu show de sexta-feira à noite. Para ela, as ameaças de Putin não são "novas". "É normal ter medo, ninguém sabe o que vai acontecer agora, mas ficamos aqui e vamos defender nosso país", acrescentou a mulher que declarou sua determinação em permanecer na cidade.

Mas no caso de um ataque russo, outros moradores da capital ucraniana já começam a pensar em se retirar para um local no interior mais a oeste do país. Tanto estudantes quanto funcionários de algumas empresas receberam vários e-mails nas últimas semanas com diretrizes e instruções para se preparar: o que estocar ou onde buscar refúgio em caso de ataque aéreo.

Oleg Koras, de 38 anos, ingressou na "defesa territorial" como reservista, mas apesar de treinar duas vezes por semana, admite que se sente impotente.

"Se as bombas caírem em nossa cidade, o que faremos? Vamos buscar refúgio. Mas depois, saberemos responder", respondeu o homem, que vende na rua pulseiras com as cores da bandeira nacional e que quer que seu exército "vença" o presidente russo Vladimir Putin.

A algumas ruas de distância, em frente a uma casa de câmbio, um homem imortaliza com seu telefone a queda do rublo russo, que atingiu seu mínimo devido à crise. Mas, além das críticas contra Putin, essa guerra que está tomando forma entre dois países com laços culturais, familiares e linguísticos muito entrelaçados, para muitos ucranianos não é um conflito entre dois povos.

Volodimir Jorovy, um pesquisador de 39 anos, se identifica como um "russo ucraniano" e tem uma parte significativa de sua família do outro lado da fronteira, entre Moscou e Voronej, mas diz que sua casa é a Ucrânia.

"Eles podem ser meus irmãos, mas se vierem com seus tanques ou qualquer arma, tenho certeza de que não ficarei feliz em vê-los", concluiu.


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