Memorial, a consciência da Rússia proibida por Putin

Memorial, a consciência da Rússia proibida por Putin

Organização era respeitada por suas investigações rigorosas de crimes stalinistas, abusos na Chechênia e abusos cometidos por paramilitares russos na Síria

AFP

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A emblemática ONG russa Memorial, uma das premiadas nesta sexta-feira (7) com o Nobel da Paz, documenta há três décadas os expurgos da era stalinista e depois a repressão da Rússia contemporânea de Vladimir Putin, da qual ela mesma acabou sendo vítima. No inverno passado, o Supremo Tribunal da Rússia ordenou a dissolução da Memorial por violar uma lei controversa sobre "agentes estrangeiros", decisão que provocou uma avalanche de condenações.

A liquidação desta organização, que se tornou um símbolo da democratização da década de 1990 após a queda da União Soviética, ocorreu semanas antes da ofensiva na Ucrânia. Desde então, o Kremlin reprimiu ainda mais as vozes desonestas com sua campanha militar, por meio de milhares de multas e pesadas penas de prisão.

Fundada em 1989, a Memorial não deixou de chamar a atenção das autoridades, ganhando a inimizade de inúmeras delas e sendo vítima de represálias que chegaram inclusive ao assassinato.

Criada por dissidentes soviéticos, incluindo o ganhador do prêmio Nobel da Paz, Andrei Sakharov, a organização era respeitada por suas investigações rigorosas de crimes stalinistas, abusos na Chechênia e abusos cometidos por paramilitares russos na Síria.

Paralelamente, a Memorial também elaborou uma lista de presos políticos a quem ofereceu assistência, bem como migrantes e pessoas de minorias sexuais. Nesta sexta, a Memorial afirmou que a obtenção do Prêmio Nobel da Paz lhe deu "força moral" em "tempos deprimentes", após a liquidação da organização na Rússia e a ofensiva militar na Ucrânia.

"Este prêmio dá força moral [...] a todos os ativistas russos de direitos humanos", disse o presidente da Memorial International, Ian Rachinski, a repórteres. "Estar junto com outros compatriotas, como Andrei [Sakharov], [Mikhail] Gorbachev e Dmitri Muratov é muito importante quando passamos por esses tempos deprimentes", disse ele à imprensa, citando ex-prêmios Nobel da Paz russos.

"Não devemos esquecer aqueles que estão na prisão", acrescentou, citando em particular os opositores presos Alexei Navalny e Ilia Yachin, duas figuras da oposição russa.

"Inimigos do povo"

Nos dois conflitos na Chechênia, nas décadas de 1990 e 2000, a equipe da Memorial esteve no local, documentando os abusos cometidos por soldados russos e seus reforços locais. "O poder sempre odiou isso", disse a historiadora Irina Shcherbakova, uma das fundadoras, à AFP em novembro.

Em 2009, a chefe da ONG na Chechênia, Natalia Estemirova, foi sequestrada e executada em Grozny. Acusado desse assassinato, o autoritário líder checheno Ramzan Kadyrov chamou os membros da Memorial de "inimigos do povo".

Nas décadas de 1960 e 1970, antes da fundação oficial da Memorial, militantes dissidentes começaram a coletar clandestinamente informações para identificar as milhões de vítimas esquecidas da repressão soviética.

Com a abertura promovida por Mikhail Gorbachev na reta final da URSS, passaram a fazê-lo sem se esconder. Mas, com a chegada de Putin em 2000, essa tarefa se complicou porque o Kremlin defendia uma interpretação histórica que sublinha o poder russo e minimiza os crimes soviéticos.

Durante o processo de dissolução da ONG, o promotor Alexei Yafiarov acusou a Memorial de "criar uma imagem falsa da URSS como um Estado terrorista" e de tentar "reabilitar criminosos nazistas".

A ONG denunciou outros processos para silenciá-la. "O que está acontecendo agora não é comparável ao que poderia ter acontecido antes [...], um país que abandonou o sistema totalitário está voltando para ele", afirmou Oleg Orlov, um dos líderes históricos da Memorial, admitindo que "não viveu um período mais sombrio" em toda a sua vida.


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