Metrô de Kiev vira refúgio para a população contra mísseis

Metrô de Kiev vira refúgio para a população contra mísseis

Todas as estações continuam abertas para quem não tem nenhum abrigo perto de casa

AFP

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No metrô de Kiev, um soldado ucraniano ferido joga suas muletas no chão, enxuga as lágrimas de sua esposa atordoada e pega seu filho de cinco anos nos braços.

Na umidade do subsolo, Sergeei e Natalyia Badylevych celebram seu reencontro. Eles estavam separados desde terça-feira, após as cenas caóticas que se seguiram à queda de um míssil russo contra a torre de televisão pública ucraniana, a algumas centenas de metros de distância. O ataque matou uma família de quatro pessoas e um jornalista.

Sergeii, que manca por causa de uma perna quebrada, admite que temeu o pior. "Ontem, [minha família] saiu e dois minutos depois ocorreu a explosão", diz o homem de 41 anos. Ele está tão nervoso que suas palavras são arrastadas.

"Liguei para minha esposa para dizer a ela que voltasse para casa, mas outro cara na rua gritou para ela ir para o abrigo", explica ele. "Eu não sabia se ela estava viva", acrescenta, olhando para a mulher, que tenta conter o tremor nas mãos.

Perto, o filho mais velho olha para sua nova casa provisória, um corredor do metrô transformado em um grande abrigo para dezenas de famílias atônitas. O mais novo permanece grudado à mãe. "Agora, o pequeno tem medo de sair. Ele diz: 'Mãe, não, o que você quiser, mas não isso', e o mais velho passou a noite chorando, me ligando", conta a mulher de 42 anos.

Segunda Guerra Mundial

A rede metropolitana de Kiev foi construída no início da década de 1960, quando a memória da Segunda Guerra Mundial e os bombardeios ainda estavam muito vivos. As estações foram propositadamente cavadas profundamente para que pudessem servir de abrigo. Arsenalna, a 105 metros de profundidade, é a mais profunda do mundo.

Mas hoje, o meio de transporte público favorito dos habitantes de Kiev, com suas 52 estações e 67 quilômetros de túneis, está praticamente parado. Mesmo assim, todas as estações continuam abertas para quem não tem nenhum abrigo perto de casa, como é o caso de muitos moradores da capital, que moram em arranha-céus, muito vulneráveis aos bombardeios.

O chefe da empresa que opera o sistema, Viktor Braginsky, não imaginava que veria o metrô que administra ser usado como refúgio para uma cidade inteira em tempos de guerra. "Ainda não acredito", disse ele a repórteres na entrada da estação Dorohozhychi, na margem oeste da cidade. "Tudo parece surreal", acrescenta.

Cada estação pode acomodar até 1.000 pessoas e resistir a ataques de foguetes, morteiros ou mísseis Grad que as forças armadas russas lançam contra a cidade. Supostamente, até 100.000 pessoas poderiam se refugiar no metrô.

Sopa de batata e cenoura

Uma família armou uma barraca. Outras colocam seus pertences em toalhas, para não deixá-los diretamente no chão sujo. A aposentada Antonina Puziy tem o que precisa para cozinhar uma sopa, para a qual descascava batatas e cenouras.

A mulher de 75 anos correu para se abrigar com seus netos assim que o primeiro ataque com mísseis atingiu a capital na manhã de quinta-feira. "Moramos no 12º andar. Lá de cima é assustador", diz ela. "Minhas filhas nos trazem comida. Os vizinhos vieram com biscoitos para as crianças", falou.

Volodimir Dovgan, um engenheiro de 40 anos, se pergunta o que acontecerá em um futuro mais ou menos próximo se as ruas da cidade caírem nas mãos das forças russas. "E se chegar um momento em que não teremos mais comida? Como vamos fazer? Vamos tentar fugir?"


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