“Pessoas nas torres tiveram que decidir como morrer”, lembra bombeiro de NY

“Pessoas nas torres tiveram que decidir como morrer”, lembra bombeiro de NY

Capitão reformado recebeu a medalha da Liberdade por sua participação nos resgates

R7

Além da dificuldade de resgatar corpos em no local, os bombeiros nova-iorquinos tiveram que superar a tristeza pelos colegas mortos

publicidade

O horror e o medo que o mundo sentiu no 11 de setembro de 2001, o capitão Dan Daly, do Corpo de Bombeiros de Nova Iorque, viu de perto. Bombeiro por 24 anos, ele atuou nos trabalhos de resgate às vítimas e hoje é oficial reformado. Nesta sexta-feira, ele participou de umaconversa virtual promovida pelo Consulado Americano no Rio de Janeiro e contou um pouco de suas memórias sobre o dia em que o terrorismo mostrou sua face nos Estados Unidos.

Sua participação nos resgates dos atentados lhe rendeu a medalha da Liberdade, homenagem concedida pelo Senado de Nova Iorque. Desde então, a pedido do Departamento de Estado e de outras organizações, o oficial reformado tem feito palestras em todo o mundo.

“Elas estavam prisioneiras”

O terror estampado no rosto das pessoas e a espessa nuvem de fumaça que envolveu as torres gêmeas foram as primeiras entre as várias imagens que marcariam para sempre a vida de Daly. Uma das lembranças que mais lhe perturbam é a imagem das pessoas que se encontravam nos andares acima de onde as torres foram atingidas. Sem ter como descer, elas tiveram que escolher o modo como morreriam: ou se atiravam ou seriam queimadas.

“Uma das imagens mais emocionantes e terríveis foi a das pessoas que ficaram presas acima do ponto de impacto. Elas achavam que, se subissem para os andares mais altos, seriam salvas por helicópteros. Infelizmente isso não era possível pela grande quantidade de gases. Elas estavam prisioneiras. Muitos tiveram que escolher como morrer”, recordou ele.

Naquele 11 de setembro, Daly estava entre as centenas de bombeiros que se depararam com uma impressionante pilha de destroços do tamanho de um prédio de 12 andares e com a cortina de fumaça cinzenta que ofuscou o sol forte que brilhava na manhã daquela terça-feira.

Além da dificuldade de resgatar corpos em um terreno totalmente instável, os bombeiros nova-iorquinos tiveram que superar a tristeza pelos colegas mortos – no total, 343 socorristas perderam a vida naquele dia.

Daly lembra o caso do padre John, capelão dos Bombeiros, que dava a extrema unção a um socorrista atingido por uma pessoa que se jogou das torres. Enquanto rezava pelo colega, ele também foi ferido na queda de um escombro e acabou morrendo horas depois.

Bombeiros enfrentam problemas de saúde

Muitos bombeiros que atuaram nos resgates do World Trade Center desenvolveram câncer ou problemas respiratórios por terem inalado fumaça contaminada por gases tóxicos. Hoje eles contam com atendimento psicológico gratuito. Daly criticou a postura do governo americano, que ameaça não pagar mais o tratamento para câncer com a justificativa de que não há provas de que a doença tenha sido causada pela fumaça.

“Uma das coisas que nos chatearam é que nos disseram que a atmosfera não era tóxica. Há alguns meses o governo disse que não financiaria o tratamento de câncer porque não havia prova de que estavam relacionados aos trabalhos de resgates. Espero que um relatório que traz o número de bombeiros doentes traga uma compreensão maior sobre o tema. A resposta não foi suficientemente boa, foi menor do que deveria ter sido.”

Mas o rosto consternado do capitão Daly, ao relembrar a tragédia, se iluminou diversas vezes quando o oficial lembrava do apoio da população americana e de todo o mundo, e dos exemplos de superação em meio a um dos momentos mais dolorosos da história dos Estados Unidos.

Fumaça, cheiro da morte e histórias

Entre as lembranças mais marcantes para Daly está o “cheiro da morte” que exalava dos escombros e “parecia impregnar a pele por vários dias”. Um dia, enquanto tomava banho no quartel após um dia inteiro de trabalho, uma luminosidade que vinha de fora do quartel chamou a atenção do oficial. Eram 200 moradores das redondezas que caminharam com velas acesas até o prédio da corporação para prestar apoio, rezar e cantar de mãos dadas o hino não oficial americano, a canção “God Bless America”.

O oficial reformado lembra também do bombeiro que estava de folga em Nova Iorque, se apresentou para trabalhar voluntariamente e nunca mais voltou. Antes de seguir para o resgate, ele chegou a pedir que avisassem a mulher e a filha que as amava. Recorda ainda o colega socorrista que passou 11 dias nos escombros até encontrar o corpo do irmão.

“Emocionalmente era terrível, mas o apoio da população fez uma grande diferença. Existe hoje entre os americanos um certo sentimento de frustração, cólera e vulnerabilidade. Mas a minha esperança é que essa reação não cause o fechamento da nossa sociedade, mas sim a sua abertura.”

Bookmark and Share

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895