Terremoto na Turquia: Normas na construção civil turca são pouco respeitadas

Terremoto na Turquia: Normas na construção civil turca são pouco respeitadas

Magnitude dos balanços que crescem diariamente levanta questões sobre o estado dos edifícios em um país altamente exposto a movimentos sísmicos

AFP

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A Turquia, onde várias cidades do sudeste ficaram arrasadas pelo terremoto da última segunda-feira (6), conta com uma enormidade de normas para a construção civil, mas são tão pouco aplicadas que mesmo as edificações mais recentes não aderem a elas, necessariamente.

A magnitude dos balanços que crescem diariamente levanta questões sobre o estado dos edifícios em um país altamente exposto a movimentos sísmicos e conhecido pelo vigor do seu setor da construção.

Segundo uma contagem oficial, mais de 12.000 edifícios foram destruídos, ou danificados pelo terremoto na Turquia, onde pelo menos 21.848 pessoas morreram.

Levando-se em consideração a intensidade do terremoto (7,8), "poderíamos temer danos, mas não isso que observamos hoje", disse à AFP o presidente da Fundação de Terremotos da Turquia, o engenheiro sísmico Mustafa Erdik.

Concreto de má qualidade

Em geral, o desabamento é resultado da má qualidade do concreto, muito úmido, com uma proporção de água e cascalho muito alta em relação ao cimento. E as barras de aço costumam ser muito finas para suportar as colunas, que determinam a solidez do edifício, denuncia o professor de engenharia Zihni Tekin.

Esse consultor ligado à Universidade Técnica de Istambul menciona, ainda, a baixa qualificação dos engenheiros e dos arquitetos do país.

"Abrimos universidades privadas por toda a Anatólia (...) Mas o nível de formação é muito baixo. Não sabem fazer cálculo", revolta-se o professor, para quem a maioria dos graduados "serve apenas para fazer café".

As autoridades são as primeiras a desconsiderarem as regras, diz ele.

Os regulamentos, inspirados nos da Califórnia, têm sido revistos regularmente desde o terremoto de 1999 em Izmit (noroeste), que deixou 17.000 vítimas. A última modificação foi aplicada em 2018.

"No papel, as normas são respeitadas, com contratos atribuídos a empresas privadas encarregadas de controlá-las", afirma o arquiteto de Istambul Aykut Köksal.

"Mas cada construtor faz a sua", completa.

Primeira denúncia

A burocracia e o acúmulo de papéis também acabam diluindo as responsabilidades, diz o professor Erdik.

"As etapas e os signatários são tantos que, no final, fica difícil identificar os responsáveis", acrescenta.

Para resolver isso, ele sugere impor a todos esses atores um seguro obrigatório contra as más práticas, que garanta uma indenização às vítimas e responsabilize os empresários.

"É assim em outras partes do mundo e assim deveria ser na Turquia", avalia.

Esta negligência e a ganância de alguns construtores têm sido denunciadas com raiva pela população desde segunda-feira. Segundo a televisão privada NTV, uma primeira denúncia foi apresentada na sexta-feira em Diyarbakir (sudeste).

No mesmo dia, a polícia prendeu no aeroporto de Istambul, durante uma tentativa de fuga, o incorporador de uma luxuosa residência de 250 apartamentos com piscina na província de Hatay. O imóvel desabou completamente sobre seus moradores.

Na Turquia, o setor de construção impulsionou a economia desde os anos 2000 e a chegada ao poder do presidente Recep Tayyip Erdogan e de seu partido, o AKP.

De acordo com o relatório do orçamento do setor para o ano de 2020 (antes da pandemia) e o Instituto Turco de Estatísticas, o número de empresas que operam no setor imobiliário aumentou 43% em dez anos, chegando a 127.000. A grande maioria é de pequenas empresas (99.220).

O setor se beneficiou tanto de um programa de "transformação urbana" para restaurar edifícios antigos quanto do desenvolvimento de residências turísticas. E a promessa de Erdogan na sexta-feira de "reconstruir as casas destruídas durante o ano" pelo terremoto indica que o frenesi imobiliário continuará.

Para Erdik, o mais preocupante não são as grandes torres de dezenas de andares que surgiram em Istambul, mas, "sobretudo, os edifícios de seis, sete, oito andares, muitas vezes construídos por pequenas empresas, inclusive pelas próprias famílias".

Desde segunda-feira, diz ele, seu telefone não para de tocar com chamadas de incorporadores que lhe pedem que avalie com urgência a solidez de suas torres.


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