Venda de maconha em farmácias no Uruguai enfrenta obstáculos

Venda de maconha em farmácias no Uruguai enfrenta obstáculos

Estabelecimentos pediram descredenciamento do Ircca depois que bancos pediram restrição às empresas que vendiam produto

Danton Júnior

Venda de maconha em farmácias no Uruguai enfrenta obstáculos

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Última etapa de um ambicioso projeto do governo do Uruguai para regular o uso recreativo da maconha, a venda do produto nas farmácias encontra obstáculos para se manter. Grande parte dos estabelecimentos habilitados à venda pediu o descredenciamento ao Instituto de Regulación y Control del Cannabis (Ircca) depois que bancos apresentaram restrições às empresas que comercializassem o produto.

Enquanto o governo uruguaio busca uma solução legal para o impasse, as outras duas vias de consumo previstas na lei que regulou a maconha, o autocultivo e os clubes canábicos, seguem ganhando adeptos. Ao mesmo tempo, a lei sancionada em 2013 pelo então presidente José Mujica é questionada no parlamento uruguaio.

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Em Artigas, município mais populoso do extremo-norte uruguaio, e que faz divisa com a cidade gaúcha de Quaraí, a única farmácia que foi autorizada a comercializar a maconha suspendeu as vendas em setembro. Localizada na região central da cidade, a poucos minutos da Ponte Internacional da Concórdia, o pequeno estabelecimento recebeu os novos clientes durante pouco mais de um mês. De início, o casal de proprietários Luis Carlos Xavier e Kelsey Irache se mostrou reticente com a lei que previa a regulação da maconha. “Tínhamos a cabeça ‘feita’, estigmatizávamos o consumidor”, afirma ele.

Suave, mas não duvidosa

Se por um lado os consumidores consideravam que a maconha vendida na farmácia era mais “suave”, por outro, sabiam que sua procedência não era duvidosa. “Muita gente nos agradeceu o fato de não ter de recorrer às ‘bocas’ de venda”, comenta Luis Carlos. O perfil do público, diferente daquele imaginado inicialmente, surpreendeu os proprietários. Entre eles estavam desde jovens (maiores de idade) acompanhados dos pais até idosos na faixa dos 80 anos. “O período foi bom porque nos permitiu abrir a cabeça, ao ver que as pessoas que consumiam não eram aquelas que estavam sendo estigmatizadas”, acrescenta o comerciante.

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Todos os adquirentes estão cadastrados no Ircca e eram identificados, na farmácia, por um sistema que reconhece a impressão digital do usuário, mecanismo que, no começo, provocou a desconfiança de muitos consumidores. As vendas ocorrem somente com dinheiro e cada pessoa pode adquirir até 40 gramas por mês. O casal não descarta retomar a venda da maconha no futuro, mas lamenta a atitude do governo uruguaio em relação ao caso.

Lei criada durante mandado de Mujica 

A lei foi criada durante o mandato de José “Pepe” Mujica (2010-2015), mas a venda nas farmácias teve início na gestão Tabaré Vázquez, que em 2015 assumiu a presidência pela segunda vez. Embora ambos sejam do mesmo partido, o esquerdista Frente Ampla, há quem veja uma mudança de postura do governo com relação à maconha. “Ninguém saiu a defender o propósito da lei”, queixa-se Xavier, sobre o imbróglio com os bancos. “Não houve vontade política. A lei enfocava o combate ao narcotráfico, mas também havia o componente da saúde pública, e o governo não defendeu isso”, resume.

Os entraves encontrados pelas farmácias contrastam com a euforia percebida nos primeiros dias de venda do produto, em julho deste ano. Em Montevidéu, usuários cadastrados esgotaram o estoque de quatro farmácias durante o primeiro dia de comercialização. Alguns destes estabelecimentos registraram longas filas na porta de entrada antes de a venda ser iniciada. As duas variedades colocadas no mercado pelo governo uruguaio, chamadas de Alfa I e Beta I, contam com uma porcentagem de 2% de tetrahidrocanabinol (THC), componente psicoativo da planta. Em cada embalagem, de cinco gramas do produto, há recomendações ao usuário.

Problemas com setor bancário 

A venda nas farmácias começou a enfrentar problemas em meados de agosto deste ano, quando o setor bancário informou que não iria trabalhar com estabelecimentos que estivessem relacionados à produção e à venda de maconha. Uma das alternativas discutidas pelas farmácias, à época, foi a abertura de contas em cooperativas de poupança e crédito ou em redes de cobranças de contas, porém a iniciativa não evoluiu.

Além dos bancos internacionais, o estatal Banco República somou-se à restrição. A postura é justificada pelo fato de a maconha ser criminalizada internacionalmente, de modo que as normas financeiras de outros países impedem a relação e o recebimento de dinheiro proveniente da sua venda. Hoje, 12 farmácias estão habilitadas a realizar a venda, segundo o Ircca, sendo que cinco delas estão localizada em Montevidéu. Em julho, eram 16 estabelecimentos registrados e havia a expectativa de que o número se ampliasse.

O ex-presidente e hoje senador José Mujica chegou a declarar que as autoridades econômicas do atual governo deveriam renunciar se não encontrarem uma solução para o problema. Foi durante o governo de Mujica que o Uruguai publicou a lei 19.172 de dezembro de 2013, que legalizou a produção, distribuição e venda da maconha no pequeno país de 3 milhões de habitantes, por meio de três modalidades excludentes entre si. Ou seja, não é permitido ter acesso à substância por mais de uma via.

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