Após carreata com buzinaço, motorista de aplicativo é enterrado em Canoas

Após carreata com buzinaço, motorista de aplicativo é enterrado em Canoas

Na manhã nublada deste domingo, familiares e amigos se despediram de Diego Pereira, assassinado no sábado

Franceli Stefani

Diego foi enterrado com uma intensa salva de palmas

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Pai de três filhos, morador do bairro Guajuviras, em Canoas, na região Metropolitana de Porto Alegre, Diego Dagoberto Oliveira Pereira, 28 anos, foi assassinado a tiros no fim de semana no Rio Grande do Sul. O corpo, encontrado na madrugada de sábado, na Estrada da Pedreira, no bairro Ponta Grossa, na zona Sul de Porto Alegre, foi enterrado na manhã nublada de domingo, no Cemitério Santo Antônio, na cidade em que residia com a família. Bastante abalada, a esposa, Michele Oliveira da Silva, 25 anos, contou que o marido trabalhava como motorista de aplicativo há pouco mais de um ano.

Contudo, no momento do crime ele não trabalhava pela plataforma de transporte, estava em uma corrida particular.  Casada há 10 anos com a vítima de mais um caso de violência no Estado, ela contou que teve contato com o marido por volta das 1h10min da madrugada do sábado. Foi quando ele disse que estava indo para Porto Alegre fazer “um por fora” (termo usado quando a corrida é feita sem o uso do aplicativo) para um garoto. “Ele não deu detalhes, nem o endereço. Eu acabei pegando no sono e acordei por volta das 4h, mandei mensagem e ele não respondeu mais. Liguei várias vezes e caiu na caixa de mensagens, depois, quando era umas 5h, tentei novamente, mas acho que descarregou o aparelho e as chamadas iam direto para a caixa de mensagens”, relembrou.

A esposa entrou em contato com um amigo, também motorista, que acionou os grupos mantidos pelo WhatsApp, porém não obteve nenhum retorno. “Ele me orientou a ir na Polícia Civil, quando fui lá, recebi a notícia que ele tinha sido vítima de homicídio. Eu perdi o chão”, lamentou. Segundo ela, o corpo do marido foi encontrado dentro do automóvel que dirigia. Junto ao corpo estavam a carteira, sem o dinheiro, e o celular. O caso, tratado como homicídio, será investigado pela 1ª Delegacia de Polícia de Homicídios e de Proteção à Pessoa (1ª DPHPP) de Porto Alegre.

“Eu estou despedaçada”

Os filhos pequenos – um menino de nove anos, uma menina de cinco e um bebê de oito meses -, ainda não compreendem o que aconteceu. Porém, os dois mais velhos foram até a Capela B do Cemitério Santo Antônio, onde o pai foi velado. O olhar perdido refletia a incerteza do que estava ocorrendo. “Trouxe eles para se despedirem, já que não tinham visto ele. Ele era uma pessoa maravilhosa, estava sempre disposto a ajudar quem é que fosse. Sempre foi trabalhador, nunca deixou faltar nada para os filhos, era louco por essas crianças”, detalhou Michele. A parte mais difícil, conforme ela, é seguir em frente sem o parceiro de jornada. “Eu estou despedaçada. Agora tenho que ter força pelos meus filhos”.

A mãe de Diego, Osmarina de Oliveira, 64 anos, estava muito abalada com a forma violenta que o filho foi morto. Trêmula, precisou ser amparada pela família. Segundo o padrasto, Ivanir da Silva, 41 anos, a tristeza não tem mensuração. “Tiraram um pai, um filho, uma pessoa generosa, mataram muitos sonhos juntos. Estamos arrasados e nenhuma palavra consegue traduzir o que estamos sentindo. Precisamos apenas de conforto e que a justiça seja feita, que quem matou ele, pague”, exclamou.

Amoroso com todos que o cercava, colecionava amigos. É o que conta o soldador Márcio Capitani, 40, um dos integrantes da Cia do Arrasto, grupo formado por apaixonados por carros rebaixados. “Era uma pessoa extrovertida, fizemos amizade logo que ingressei. Estava sempre disposto a ajudar, seja onde fosse, caso estragasse um carro, lá estava ele, era o primeiro a se dispor”, relembrou. 



Carreata: luto, buzinaço e revolta

Diego foi enterrado com uma intensa salva de palmas. Na gaveta de número 6057, foi sepultado enquanto amigos, colegas e familiares tentavam se confortar com palavras, abraços e apelos por justiça. O presidente da Associação Liga dos Motoristas de Aplicativos (Alma), Joe Moraes, que organizou uma carreata com saída do Largo da Epatur, em Porto Alegre, até o cemitério, frisou o aumento da violência em todos os âmbitos, mas especificamente contra os motoristas de aplicativo. Com a mão na buzina durante o percurso, os apelos eram todos o mesmo: por mais segurança. “A criminalidade está começando a nos atingir brutalmente, acredito que pela facilidade de chamar um motorista, começam a utilizar esse método, roubam ou furtam o celular da vítima e chamam para uma corrida, onde cometem os crimes”, expressou.

De acordo com Moraes, a orientação é de que os condutores não façam corridas particulares. “Isso intensifica muito o risco, nunca defendemos esse tipo de ação. As viagens precisam ser feitas pela plataforma, pelos nossos grupos, têm que ter um monitoramento para que tenhamos um pouco mais de segurança, já que os aplicativos ainda não nos dão isso.” Porém, ele enfatizou que fazendo ou não a corrida por fora, é mais uma vítima que perde a vida para a violência: “Reforçamos, não façam, pedimos para não fazerem, mas ainda tem colegas que se colocam – ainda mais – em risco por precisarem de dinheiro”

A motorista de aplicativo, Carina Trindade, 39, escreveu a palavra “Luto” no vidro traseiro do automóvel. “Eu trabalho somente a noite e nós estamos nos sentindo cada vez com mais insegurança. A própria plataforma nos deixa inseguros, porque não sabemos quem é que vamos transportar, para onde essa pessoa que colocamos dentro do carro vai, não há um filtro”, informou. Mesmo sem nunca ter sido assaltada, a profissional está sempre atenta. Sempre compartilha a localização no grupo de WhatsApp, além de observar o passageiro. “Já não aceitei corrida por temer pela minha segurança. Quando vou pegar, sempre observo se a chamada foi feita por mulher e, quando chegou, é um homem, não pego. A gente não tem foto do passageiro, isso também dificulta o trabalho”.

Logo após a despedida de mais um colega, Deivid Alves, 29 anos, desabafou. “Chega, estamos cansados, quantos pais de família vão sair para trabalhar e não vão conseguir voltar para casa. Aqui é mais um pai que não vai ver os filhos crescerem, parece que ninguém se importa com a segurança”, exclamou. Conforme ele, que não conhecia Diego, todos os motoristas estão unidos em busca de justiça. “Eles roubam, matam, para trocar nossos bens por droga. As leis precisam ser mais rígidas. Cometeu um erro, precisa cumprir preso”, defendeu.

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