Documentos revelam mal-estar na fronteira nas décadas de 40 e 50

Documentos revelam mal-estar na fronteira nas décadas de 40 e 50

Relatórios mostram tensão entre Brasil e Argentina

Hygino Vasconcellos

Problemas na fronteira do Brasil com a Argentina geraram uma CPI no parlamento brasileiro para apurar denúncias

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O contrabando de mercadorias na região da fronteira entre Brasil e Argentina gerou mal-estar entre os dois países e levou à criação, em 1949, de uma CPI pelo Congresso Nacional para apurar denúncias de violação do território brasileiro, que era invadido por policiais argentinos na perseguição aos contrabandistas. O documento com as investigações estava sob sigilo e foi liberado recentemente pela Comissão Especial de Documentos Sigilosos da Câmara dos Deputados. São mais de 150 páginas, entre inquéritos e relatórios com pedidos de providências em relação ao problema.

Em um relatório do ano de 1949, o delegado de Polícia regional, Elly Nascimento Machado, mostrava como o contrabando de mercadorias havia se tornado rotina na região entre Uruguaiana e Paso de los Libres, na Argentina. Ele também destacava que a repressão a esse crime por parte das autoridades do país vizinho preocupava os policiais brasileiros.

Os brasileiros reclamavam da brutalidade com que a Gendarmeria equivalente à Polícia Civil, no Brasil atuava para reprimir o mercado informal, inclusive até matando quem tentasse atravessar a fronteira pelo rio Uruguai, levando produtos sem procedência. Naquele momento, foi instaurada uma CPI no Congresso Nacional para apurar os casos.

Segundo os documentos liberados, 16 brasileiros, tidos como contrabandistas, foram mortos pela Gendarmeria argentina entre os anos de 1948 e 1952. O número de vítimas, no entanto, pode ser maior. Em alguns casos, os corpos eram atirados no rio e levados pela correnteza. Neste sentido, constava apenas que a pessoa tinha “desaparecido”. A situação começou a ficar mais tensa com o fechamento da fronteira do lado argentino, em 1951. O motivo foi a escassez de produtos de primeira necessidade no país vizinho.

Um jovem foi assassinado em 1952

A situação crítica entre o Brasil e a Argentina começou a preocupar as autoridades brasileiras pela violência empregada pela Polícia vizinha e pela morte de pessoas que não tinham relação com o contrabando de mercadorias ou de animais. Segundo o delegado Elly Nascimento Machado, que à época atuava na região, até bem pouco tempo, eram metralhados pelos gendarmes argentinos os homens que praticavam o contrabando. “Mas, os dois últimos fatos fogem a essa regra, para se revestirem de crueldade e selvageria”, classificou o policial.

Um dos fatos citados pelo delegado estava relacionado com a morte de Donário Oliveira e Freitas, de 17 anos, que nadava em uma ilha argentina no rio Uruguai, em Canal Torto. O fato ocorreu em 17 de maio de 1952. Inclusive o subchefe da Polícia gaúcha, Renato Souza, foi até a região para apurar os fatos.

Segundo a Polícia gaúcha, Donário estava com um outro jovem na praia. Ele brincava na água, enquanto o outro jovem estava em um pequeno caíque. Três testemunhas perceberam uma movimentação estranha na margem oposta e “viram quando um dos componentes do grupo de gendarmes, empunhando um fuzil, destacou-se dos demais e foi até a margem do rio”. Donário e o amigo não perceberam o que se passava e foram surpreendidos por vários disparos. O jovem foi atingido. “O Itamaraty está enviando instruções à embaixada em Buenos Aires para solicitar do governo argentino a punição dos culpados e a eventual indenização à família do falecido”, escreveu na época o secretário da Secretaria de Estado das Relações Exteriores, Galba Santos.

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