IGP e UFCSPA detectam droga sintética inédita no Rio Grande do Sul

IGP e UFCSPA detectam droga sintética inédita no Rio Grande do Sul

Nova substância psicoativa provoca efeito idêntico ao do LSD

Correio do Povo

Laudo da apreensão do ano passado ficou pronto em janeiro

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Uma droga sintética de efeito alucinógeno, com estrutura química semelhante ao ácido lisérgico, conhecido como LSD, foi detectada pela primeira vez no Rio Grande do Sul. O trabalho do Instituto-Geral de Perícias (IGP), em parceria com a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), identificou a substância, chamada de ALD-52. Ao ser consumida, a droga é metabolizada pelo fígado, sendo biotransformada em LSD e passando a atuar da mesma forma que esta.

A droga, em forma de selo de papel, foi apreendida em junho do ano passado, no município de Santiago. Na época, duas amostras foram encaminhadas à Seção de Drogas Apreendidas do Departamento de Perícias Laboratoriais (DPL) do IGP, onde são analisadas as drogas provenientes de apreensões em todo o Estado.

Os equipamentos usados conseguem “quebrar” a molécula, e, com o auxílio de bibliotecas virtuais, sugerir uma possível identificação da substância. Para isso, a amostra é comparada a outra, chamada padrão, que já existe nesta biblioteca. A pesquisa, feita no selo recebido para análise, não encontrou nenhum composto de referência, justamente por se tratar de uma nova substância psicoativa.

Já no laboratório da UFCSPA, uma nova análise, feita no equipamento chamado espectrômetro de massas de alta resolução, conseguiu identificar a composição da molécula. A alta resolução do equipamento permitiu a obtenção de resultados mais precisos e a comparação com dados publicados na literatura. As técnicas empregadas dão garantia de que a substância é realmente a ALD-52.

"É muito satisfatório fazer a identificação de forma inequívoca e ter certeza da qualidade do nosso resultado, tanto para fazer o alerta, quanto na questão técnica”, afirmou a perita criminal Milena Morsoletto, do DPL, responsável pelo caso. O laudo ficou pronto em 30 de janeiro passado.

Dependendo da ação que causam no organismo, as substâncias são consideradas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como proscritas, tendo a comercialização proibida. Amostras de ALD-52 já haviam sido identificadas em São Paulo, sendo proscrito desde fevereiro de 2022 em todo o país.

Conforme o IGP, a detecção no Rio Grande do Sul chamou a atenção para uma possível volta do LSD, com uma nova apresentação para tentar burlar a fiscalização. “É importante estar atento a essa possibilidade”, disse Milena Morsoletto.

A parceria entre IGP e UFCSPA foi celebrada em 2022. As instituições possuem um convênio que permite o uso dos equipamentos e a troca de conhecimentos. “Identificar novos compostos que a pessoa está consumindo é fundamental para as ações de vigilância, e para que a pessoa saiba que está usando algo que não é saudável. Fazer parte desse processo é fundamental para colaborar de modo mais eficiente para o bem social”, destacou o professor Tiago Franco de Oliveira, do Grupo de Pesquisas em Espectrometria de Massas e professor da UFCSPA.

Segundo o IGP, o LSD foi criado na década de 1950 para auxiliar no tratamento de pessoas com transtornos mentais. Na década de 1970 passou a ser utilizado de forma recreativa, em função de seu efeito alucinógeno. Como o ALD-52 precisa ser metabolizado pelo fígado, explicou o IGP, o efeito no organismo pode demorar a acontecer. Isso pode levar o usuário a consumir uma nova dose em busca de ação mais rápida, aumentando a exposição. O efeito é prolongado, ou seja, o indivíduo fica horas com todos os sentidos alterados, com paladar, visão e audição mais sensíveis.

“A pessoa não controla o que vai acontecer. Pode ter uma sensação prazerosa em algum momento, mas também pode ter ideias paranóicas de perseguição e surtos violentos, em que perde a capacidade de julgar o que está fazendo”, frisou o professor Tiago Franco de Oliveira. O risco aumenta se for associado a outras drogas, como o álcool, por exemplo.

Para a chefe da Divisão de Química Forense do IGP, perita Lara Soccol Gris, a descoberta do ALD-52 no Rio Grande do Sul é mais um indício do grande potencial que existe no mundo do tráfico internacional de drogas para a exploração de novas substâncias psicoativas. De acordo com ela, laboratórios clandestinos de química sintética, fora do Brasil, têm investido na produção de substâncias novas ou mais potentes, para fugir do controle regulatório dos órgãos internacionais, burlando os testes e exigindo novas metodologias de detecção. “Isso revela o tamanho do desafio de identificar essas substâncias, em função da grande variedade de coisas novas que aparecem”, observou.

O professor Tiago Franco de Oliveira lembrou que o surgimento dessas substâncias também evidencia um problema de saúde pública, já que não existe controle de qualidade sobre o que o cidadão está consumindo. Em 2019, o IGP já havia identificado outra droga, que causou a morte de um adolescente em Igrejinha. A perita estimou que, de todas as amostras já analisadas de selos de LSD no laboratório, menos de 30% realmente possuem o ácido lisérgico na composição, o que aumenta o risco à saúde do consumidor.

Em 2021, a Divisão de Química Forense do IGP recebeu cerca de 1.850 requisições para pesquisa de drogas contidas em comprimidos artesanais e selos, das quais 52 eram LSD. Em 2022, foram 1.986 requisições da mesma categoria. O volume total de drogas analisadas chegou a 48.374 no ano passado, a maioria sendo maconha e cocaína. Outro estudo, também feito pelo IGP, mostrou o quanto a cocaína é alterada no RS.

Luciano Valério / UFCSPA / IGP / Divulgação / CP


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