Juíza decreta interdição parcial da nova penitenciária de Charqueadas

Juíza decreta interdição parcial da nova penitenciária de Charqueadas

“Presos sofrem de calor diariamente”, diz Sonáli da Cruz Zluhan em ordem que determina melhorias na refrigeração da unidade

Marcel Horowitz

Juíza Sonáli da Cruz Zluhan decretou a interdição parcial da Penitenciária Estadual de Charqueadas 2

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A juíza Sonáli da Cruz Zluhan, do 1º Juizado da 1ª Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, decretou a interdição parcial da Penitenciária Estadual de Charqueadas 2, inaugurada no final de novembro. A decisão proíbe o ingresso de novos detentos no estabelecimento, enquanto não for regularizada a situação de ‘calor excessivo’. A medida passa a valer a partir desta quarta-feira. Segundo a magistrada, uma das causas do problema seria a falta de tomadas nas celas, que impede o uso de ventiladores.

A ordem atende a uma pedido da Defensoria Pública do Estado (DPE). O prazo para o cumprimento da decisão é de três dias, a contar da data da intimação. Caso a medida não seja cumprida no período, a instituição deverá ser totalmente interditada.

De acordo com a juíza, a Defensoria Pública demonstrou, através de parecer técnico, que as temperaturas nas celas variam em 31 graus ou mais. A análise constatou ainda que a umidade relativa era em média de 74%, podendo chegar a 80%. Os índices são fruto de uma inspeção realizada no dia 15 de dezembro, no turno da tarde, nas dependências da penitenciária.

A magistrada determinou também que sejam feitas melhorias no abastecimento de água da cadeia. "A casa prisional foi recentemente inaugurada e foi construída sob o rótulo de ‘modelo’, no entanto, carece de praticamente todas as previsões legais para o devido encarceramento [...] O principal problema na casa prisional segue sendo a falta de água e as altas temperaturas enfrentadas no local", apontou.

Sonáli Zluhan ainda destacou que o Brasil é signatário de tratados que abordam a preservação da saúde física e mental dos presos. “Nos pátios de sol dos apenados foram instalados ventiladores, reconhecendo que o calor era efetivamente excessivo. A discussão parece querer alongar-se. E, enquanto isto, os presos sofrem de calor diariamente, com denúncias que não param de se acumular nesta VEC.”

Ao decretar a interdição parcial, a juíza sugere que a situação da temperatura se resolva com ‘ventilação artificial ou outra proposta concreta’, já que não há tomadas nas celas. Foi determinado ainda que o Estado remova os presos, caso uma solução não seja apresentada dentro do prazo estipulado.

“Decorrido o prazo sem a solução do problema do calor, no prazo estipulado, decreto a interdição total da PEC 2, vedando o ingresso e a manutenção de pessoas no local, enquanto não normalizada a situação de calor excessivo nas celas, determinando que o Estado remova as pessoas lá instaladas, até a solução definitiva do problema”, diz a ordem.

A Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS) e a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) irão recorrer da decisão. O argumento é que a medição de temperatura feita pelos órgãos que solicitaram a interdição do local foi realizada sem seguir a normativa técnica de desempenho.

Conforme revelado pelo Correio do Povo, a falta de tomadas nas celas também estaria gerando revolta entre os apenados. Em dezembro, policiais penais relataram que os presos gritavam, chutavam as portas das celas e batiam contra as grades, como forma de protesto.

A retirada dos plugues tem o objetivo de impedir que os detentos utilizem celulares. A medida, aliada a telas nos pátios, ainda dificulta a entrega de ilícitos via drones. Também fica impossibilitado o uso de televisão e outros eletrodomésticos nos compartimentos.

Divisão por facções

É a segunda vez que a 1ª VEC toma decisões em favor da ‘integridade’ dos apenados na PEC 2. No final do ano passado, foi decidido que eles fossem divididos por facções. A medida contrariou a intenção do governador Eduardo Leite, que à época declarou que detentos seriam separados das organizações criminosas, visando maior controle do Estado.

De acordo com a juíza Priscila Gomes Palmeiro, a determinação ocorreu após relatos de presos que foram agredidos por rivais. O objetivo seria para evitar risco de morte aos apenados, uma vez que o Estado tem a obrigação de garantir a segurança do preso dentro do estabelecimento penal.

A Susepe recorreu da decisão. O argumento é que a ordem judicial para distribuir os presos em facções viola a autonomia da instituição sobre temas internos das penitenciárias.

Interferência na autonomia

De acordo com o presidente do Sindicato da Polícia Penal do RS (Sindppen), Saulo Felipe Basso dos Santos, é padrão que adversidades ocorram em prisões recém-inauguradas. A entidade, que representa 6,6 mil servidores, reforça que as decisões judiciais podem ameaçar a independência da categoria.

"Embora tenhamos que respeitar todos os atores envolvidos na discussão, acreditamos que a segurança nas prisões deva ser responsabilidade da nossa instituição. Quando há uma casa prisional nova, é comum que surjam problemas. Temos receio que medidas judiciais possam criar um ambiente difícil e tensionar o trabalho dos colegas”, afirmou Saulo Felipe Basso.


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