Penitenciária Feminina de Guaíba oferece remição de pena via leitura a detentas não alfabetizadas

Penitenciária Feminina de Guaíba oferece remição de pena via leitura a detentas não alfabetizadas

Projeto Entrelinhas oferece possibilidade de interpretação de textos através de desenhos e colagens

Marcel Horowitz

Apenadas da Penitenciária de Guaíba participam do Projeto Entrelinhas

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Uma iniciativa da Polícia Penal fornece, por meio da leitura, uma oportunidade de remição de pena a mulheres não alfabetizadas. Chamado ‘Projeto Entrelinhas’, a proposta entrou em vigor na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba, na região Metropolitana. A ação foi idealizada em parceria com o Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Neeja).

As aulas contam com a participação de uma equipe técnica, responsável por ler os textos. Após a leitura, as apenadas discutem os conteúdos e, a partir da interpretação própria, expressam o que foi aprendido na linguagem em que se sentem mais confortáveis, como o desenhos ou colagens de figuras e palavras.

O plano segue as diretrizes da instituição. Uma ordem de serviço da Polícia Penal, publicada em 2021, prevê o emprego de estratégias específicas destinadas a pessoas presas em fase de alfabetização, como a leitura entre pares e o uso de audiobooks, com registros do conteúdo lido por meio de outras formas de expressão.

Todo o material é disponibilizado pelo Banco de Livros da Fundação Gaúcha dos Bancos Sociais. A entidade, que realiza doações de obras para bibliotecas de casas prisionais, doou uma coleção de obras inclusivas, que também são adaptadas para pessoas com deficiência visual e baixa visão.

Os gêneros escolhidos se entrelaçam com as vivências das detentas. As leituras abrangem temas religiosos, romances e histórias escritas por egressos e apenados sobre o sistema penal, além de literatura infantil e infanto-juvenil.

É a segunda vez que a iniciativa é implementada na casa prisional. Em 2023, o projeto ocorreu de forma experimental. Graças ao bom resultado, os trabalhos foram retomados.

A diretora da unidade, Isadora Minozzo, estima que aproximadamente 57 apenadas devem participar do projeto ao longo do mês. “Antes, as resenhas eram feitas em horário de aula. Agora, as apenadas vão até a sala de estudos, em um horário que não é o de aula, e todas que leram seus livros fazem a uma resenha na frente das servidoras.”

Uma das responsáveis pelo Entrelinhas é a técnica superior penitenciária (TSP) e psicóloga, Carla Castro. Ela conta que as equipes selecionam e identificam o perfis de apenadas que poderiam se adaptar bem ao projeto ou que começaram a fazer a alfabetização, mas desistiram e poderiam ter interesse em retomar as aulas.

“O momento da remição de pena é também o da socialização, quando as mulheres presas têm mais interação com a equipe técnica. Isso faz com que elas se sintam mais vistas, porque há contato direto com quem está do lado de fora. É uma forma de proporcionar que elas consigam sair daqueles quatro muros”, afirmou.

O espaço de leitura no estabelecimento é mantido por agentes penitenciárias. Os livros podem ser retirados por apenadas que ganharam status de ‘promotoras de educação’. Elas também são responsáveis por manter o espaço organizado e pelo controle da retirada e devolução dos livros. Essas apenadas ainda possuem uma lista do acervo da biblioteca, que pode ser repassada a outras detentas interessadas na remição de pena pela leitura.

Uma apenada da Penitenciária de Guaíba, de primeiro nome Ana, destacou que a retomada do Entrelinhas significa a chance de desenvolver não somente a prática da leitura, mas também o autoconhecimento, a partir do momento de socialização. “Quero sair daqui e arrumar um bom emprego. Para isso, tenho que aprender a pelo menos fazer minha assinatura”, disse.

Atualmente, 77 unidades prisionais gaúchas contam com projetos ou programas de remição pela leitura. A estimativa é 2.433 pessoas privadas de liberdade se beneficiem.

A legislação vigente prevê que a leitura de um material deve ser realizada em até 30 dias. A partir de então, as apenadas fazem um relatório do livro, que será avaliado por uma comissão de validação, formada por equipes técnicas em cada unidade.

Uma obra lida, depois do reconhecimento da Justiça, representa a redução de quatro dias da pena. O limite é de 12 livros por ano, resultando em 48 dias remidos.

Segundo dados do Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Prisional, 53% das pessoas privadas de liberdade no país fazem parte do grupo de pessoas analfabetas e que possuem o ensino fundamental incompleto. A pesquisa ouviu 1.347 unidades prisionais do país, em 2022.

Ainda segundo o estudo, 61,2% das prisões no Brasil possuem bibliotecas, enquanto 30,4% não dispõe de espaços para leituras. O levantamento foi realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com a Universidade Católica de Pelotas (UCPel), a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) e o programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

No Rio Grande do Sul, segundo dados da Polícia Penal, de setembro de 2023, das cerca de 41 mil pessoas privadas de liberdade, 665 são analfabetas. Outras 460 estão em processo de alfabetização. A instituição também contabilizou 84 espaços de leitura, ou similares a bibliotecas, implantados em estabelecimentos prisionais gaúchos.

“Muitas pessoas têm o primeiro contato com os livros quando estão privadas de liberdade. A leitura, além da possibilidade de remição de pena, também é uma forma de gerar conhecimento e senso crítico”, ponderou o titular da Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo, Luiz Henrique Viana.


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