Polícia Civil investiga tortura contra dois acusados de furto de picanha em supermercado de Canoas

Polícia Civil investiga tortura contra dois acusados de furto de picanha em supermercado de Canoas

Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) já identificou ao menos quatro envolvidos no crime

Correio do Povo

Instituto-Geral de Perícias (IGP) recuperou imagens das câmeras de monitoramento do local

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A Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) de Canoas investiga crime de tortura praticado em supermercado de Canoas. Segundo a denúncia, seguranças privados e funcionários de um estabelecimento comercial na avenida Inconfidência, na área central da cidade, agrediram dois homens no dia 12 de outubro deste ano. As vítimas teriam furtado dois pacotes de picanha no valor de R$ 100 cada uma.

Conforme o delegado Robertho Peternelli, o crime só chegou dois dias depois ao conhecimento das autoridades, quando deu entrada uma das vítimas, com severas fraturas na região da face e que evoluiu para o coma, em um hospital de Porto Alegre. Acionada, a equipe volante do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) realizou diligências e ouviu inclusive uma testemunha que narrou o ocorrido.

No dia 17 de outubro, os agentes da DPHPP de Canoas foram até o estabelecimento comercial e solicitaram as imagens câmeras de videomonitoramento. “Entretanto, enquanto eram recebidos por um funcionário, outro formatava o HD do sistema, como forma de suprimir evidências do crime. Assim, considerando a situação de flagrante, foi prontamente apreendido o DVD-R e encaminhado ao Instituto-Geral de Perícias (IGP) para recuperação dos dados.

“Após um trabalho qualificado dos peritos, as imagens vieram à tona. Um suspeito praticava furto de carnes e quando passaria pelo caixa sem pagar pelas mercadorias foi abordado por um dos seguranças. Levado ao depósito do estabelecimento, sofreu agressões. A finalidade das lesões praticadas era, inicialmente, identificar eventuais comparsas”, explicou o titular da DPHPP de Canoas. “Recebidas as informações, um segundo suspeito do crime patrimonial foi levado ao mesmo local. Ali, as agressões e lesões se intensificaram. Foram usados diversos instrumentos contundentes para golpear os dois”, acrescentou.

“Ao final, além de todas as ameaças recebidas, foi-lhes informado que se não pagassem um determinado valor, seriam mortos. Ao receber esta notícia, e verificar que não possuía saldo, uma das vítimas pediu que seu filho lhe mandasse algum dinheiro. Apenas após o pagamento do ‘resgate’ é que foram liberados”, observou o delegado Robertho Peternelli.

“O caso não viria à tona considerando as ameaças feitas durante a sessão de espancamento. Entretanto, ao ter sido internado, foi acionado o protocolo de ingresso de pessoas lesionadas em hospitais, para verificação de possíveis crimes. As empresas foram demandadas pela DPHPP de Canoas, mas trouxeram respostas parciais às necessidades investigativas”, informou.

O delegado Robertho Peternelli adiantou que quatro suspeitos foram identificados e contaram versões conflitantes. “Restaram, sem qualificação, outros três envolvidos, que por alguma razão ainda desconhecida, eram blindados. A divulgação das imagens do fato teve o condão de auxiliar na identificação dos demais participantes para a completa elucidação do caso”, frisou.

“Os furtos praticados na loja pelas vítimas das torturas não foram apurados, eis que não houve a correta condução dos então suspeitos à Delegacia de Polícia e instauração do competente inquérito policial. Existe todo um regramento jurídico que deveria ter sido seguido. O sistema de justiça criminal precisa ser acionado, sempre, para coibir todos os tipos de crimes”, lembrou por fim.

IGP

Na manhã desta segunda-feira, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) divulgou um comunicado sobre o trabalho feito para recuperar as imagens das câmeras de monitoramento do supermercado. “Peritos conseguiram recuperar os arquivos que haviam sido apagados do sistema de monitoramento da loja, permitindo a comprovação do crime e a identificação visual dos envolvidos”, destacou.

“Dois aparelhos de DVD-R, que armazenavam a gravação das câmeras de monitoramento do supermercado, foram enviados pela Polícia Civil para o Departamento de Criminalística. Porém, o disco rígido dos aparelhos, onde ficam as imagens, havia sido formatado cinco dias depois do fato, ou seja, apagado, numa tentativa de evitar que as imagens fossem encontradas”, relatou o IGP.

O perito criminal da Divisão de Informática Forense, Márcio Gil Faccin, conseguiu recuperar as gravações. “Esses arquivos não são apagados de forma definitiva – a formatação apenas oculta a localização deles. Com o software e os equipamentos que temos aqui no IGP, conseguimos recuperar e reconstruir os arquivos”, esclareceu o perito.

Depois de encontrar os arquivos, o perito iniciou a análise das imagens, que haviam sido capturadas por 31 câmeras que estavam em funcionamento no sistema de monitoramento do local. Ao todo, foram analisadas cerca de 15 horas de gravação. “Observando a movimentação das pessoas, ele chegou a nove indivíduos – os dois clientes e sete funcionários, que atuavam como segurança e em outras funções no estabelecimento. As imagens mostram quando a vítima pega uma mercadoria no balcão frigorífico, e, em seguida, uma verdura. Ao se dirigir ao caixa, porém, paga apenas o hortigranjeiro. Na sequência, é abordada por um dos seguranças e conduzida a um depósito. Este segurança, então, aplica socos no indivíduo, observado por outros cinco funcionários”, relatou o IGP.

“Cinco minutos depois, a análise pericial encontrou imagens da segunda vítima entrando no supermercado, e sendo imediatamente conduzida ao mesmo depósito por outro funcionário. Ele é colocado no chão ao lado do primeiro cliente, que já está sangrando. Um dos seguranças, que já aparecera nas primeiras imagens, aponta um objeto semelhante a uma arma de fogo, e outro chega com uma ripa de madeira. A perícia localizou também a imagem de uma outra câmera, em que um homem desliga uma chave de luz”, complementou.

“Dentro do depósito, agora sem luz, as imagens recuperadas mostram a segunda vítima recebendo golpes com o objeto de madeira e chutes no rosto. Já com as luzes do depósito acesas, as imagens mostram diversas outras agressões, realizadas por três pessoas. Ao final, eles ainda posam para uma foto e saem do local carregando as sacolas plásticas contendo mercadorias semelhantes às encontradas com a primeira vítima das agressões”, salientou o IGP no comunicado.

“Eu me surpreendi, não esperava a brutalidade dessas cenas”, admitiu o perito. “A sensação é de ajudar a fazer justiça”, declarou Márcio Gil Faccin. O laudo pericial, de 36 páginas e 92 fotografias, ficou pronto em oito dias.

Parte dos resultados obtidos na perícia das imagens se deve à qualidade dos equipamentos da Seção de Informática Forense do IGP. Em agosto, foram entregues dez Cellebrites, dispositivo para a extração de dados de computadores e celulares. Oito contam com um notebook e uma maleta, possibilitando o transporte para o local do crime. O  órgão também recebeu o Cellebrite Premium, que descobre a senha de qualquer tipo de celular. Está em fase de instalação 25 super computadores, avaliados em R$ 30 mil cada, e três licenças para uso de um software que faz perícia em celulares e computadores. “Os investimentos em tecnologia são extremamente importantes e fundamentais nas perícias de informática”, enfatizou a diretora do Departamento de Criminalística do IGP, Sheila Wendt.

Nota oficial 

A direção do supermercado divulgou uma nota oficial nesta segunda-feira, direcionada “aos nossos clientes, funcionários, fornecedores e à comunidade em geral”, na qual pede desculpas publicamente pelo episódio.

“Estamos profundamente abalados. As agressões são inaceitáveis e não condizem com a sólida história de 22 anos”, manifestou-se, salientando que a trajetória da empresa “sempre foi marcada pelo respeito ao ser humano, aos seus direitos fundamentais e a valores como transparência, trabalho em equipe e solidariedade”.

“Diante de uma conduta lamentável e cruel com a qual jamais concordaremos”, a direção da rede de supermercados anunciou que foi encerrado o contrato com a empresa de vigilância privada e desligados os funcionários envolvidos. “Iniciamos o

trabalho de revisão de todos os nossos protocolos de segurança e de conduta. Não mediremos esforços para construir sólidos procedimentos que garantam que situações como essa jamais voltem a acontecer. Reafirmamos o nosso compromisso com o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, e nos colocamos, mais uma vez, integralmente à disposição das autoridades”, concluiu na nota oficial. 


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