Porto Alegre: "Deram tiro de fuzil na minha neta", diz avô de bebê morta com os pais em 2018

Porto Alegre: "Deram tiro de fuzil na minha neta", diz avô de bebê morta com os pais em 2018

Alice Beatriz e os pais foram mortos a tiros após ela comemorar aniversário de um ano, na zona Norte da Capital

Marcel Horowitz

publicidade

O par de sapatinhos vermelhos que a pequena Alice Beatriz calçava quando completou um ano de vida estão intactos, desde o dia da festa. Após aquele 23 de setembro de 2018, os calçados permaneceram em posse dos avós da menina, que guardaram também a tiara que ela usava quando foi morta a tiros, junto aos pais, na saída do aniversário, no bairro Rubem Berta, na zona Norte de Porto Alegre. "O dia em que a polícia nos entregou os sapatinhos e a tiara, foi muito triste. Era eu lavando e o sangue saindo", relembrou a avó da criança.

A mulher de 52 anos, que pediu para não ter o nome divulgado, é mãe de Douglas Araújo da Silva, de 29, apontado como alvo do ataque. Segundo a Polícia Civil, ele seria gerente de uma facção na Vila Safira, no bairro Mário Quintana. A posição, considerada elevada na hierarquia do crime organizado, o colocaria na mira de traficantes rivais, que visavam o controle da venda de drogas na localidade.

A mãe de Douglas, no entanto, descarta que ele fosse o único alvo dos disparos. "Se quisessem matar só o meu filho, pegariam ele na ida para a festa. Esperaram ele sair, com a bebê no colo", destacou.


Sapatos que Alice calçava no dia em que foi morta junto aos pais | Foto: Maria Eduarda Fortes / CP

Dos seis acusados pelo crime, cinco seriam julgados no último dia 21 de setembro, mas o júri acabou sendo cancelado em razão do número insuficiente de jurados. Um novo julgamento foi remarcado para o dia 23 de novembro.

Todos os réus vão responder por três homicídios triplamente qualificados – quando há motivo torpe, perigo comum e uso de recurso que dificultou a defesa das vítimas – e associação criminosa. Sobre eles ainda incide a majorante, devido à morte de uma criança menor de 14 anos.

Passados mais de cinco anos desde o assassinato da família, a avó de Alice ainda nutre esperanças sobre a condenação dos réus. "Espero por isso há mais de cinco anos, eles tem que pagar pelo que fizeram. É o mínimo que merecem, por matar uma bebê que nem caminhava e outro, que ainda não tinha nascido", conta ela, acrescentando que a mãe de Alice, Sabrine Panes Rodrigues, de 24 anos, estava grávida de quatro meses quando foi morta.


Na data do crime, mãe de Alice estava gravida de quatro meses |  Foto: Arquivo Pessoal / CP

"Deram um tiro de fuzil no peito da minha neta", lamentou o avô da menina, de 56 anos, que também pediu para não ter a identidade revelada. O homem relata que, mesmo após a morte do filho, ele e a esposa continuam sendo ameaçados pela facção da qual os acusados seriam integrantes. "Vivemos de mudança. A Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) da Polícia Civil esteve em nossa casa, há um ano, para avisar que [faccionados] queriam pegar a gente. Então tivemos que mudar de novo", contou.

Também confiante na condenação dos acusados, o pai de Douglas pede mais rigor no cumprimento das penas, caso o grupo seja sentenciado. "Eles [réus] tinham que ir para o Sistema Penitenciário Federal. Aqui está muito leve, é como se estivessem em um passeio no shopping. E a gente ficou sem chão. Perdi tudo, só restou eu e minha esposa", lamentou ele.

Segundo a mãe de Douglas, o filho sabia que estava sendo perseguido pelos rivais, motivo pelo qual foi contra a realização da festa de aniversário da criança. "Meu filho não queria a festa, a ideia foi minha. Acabou sendo o dia mais triste da minha vida e agora tenho que conviver com isso. Mas depois do júri, quando eu ver os réus sendo condenados, vou finalmente ficar em paz", concluiu.

Relembre o caso

Segundo o Ministério Público, na noite de 23 de setembro de 2018, as vítimas estavam comemorando o aniversário de um ano de Alice, no bairro Rubem Berta, na zona Norte. Após deixarem o local da festa, em um Ford Ka, a família foi perseguida e emboscada pelos criminosos, que guiavam outros dois veículos. O carro das vítimas foi atingido por mais de 50 disparos de fuzil e de pistola, causando a morte de todos os três ocupantes. Quando morreu, Sabrine estava grávida de quatro meses. 

O crime, ainda conforme o MP, teria sido motivado por disputas entre facções. A denúncia destaca que Douglas estava foragido do regime semiaberto, após condenação de 10 anos de reclusão por tráfico. Os réus integrariam outra facção, com origem no bairro Bom Jesus, na zona Leste, que rivaliza com o grupo ao qual Douglas pertencia.

Quem são os réus

A acusação sustenta que os réus Maycon Azevedo da Silva, de 28 anos, Anderson Boeira Barreto, de 31, e Michel Renan Bragé de Oliveira, o 'Bragé da Bonja', 26, efetuaram os disparos contra as vítimas. 



Já Leandro Martins Machado, vulgo 'Mandy', de 33 anos, teria sido recrutado para monitorar as vítimas e alertar os executores sobre a saída delas do local da festa. Nícolas Teixeira da Rosa, 28 anos, o 'Ovelha', é acusado de guiar um dos veículos. Todos os réus já estão presos preventivamente, com exceção de Leandro, que continua foragido.


Leandro Martins Machado  |  Foto: Susepe / CP


Nícolas Teixeira da Rosa   |  Foto: Susepe / CP

O sexto réu, Émerson Alex dos Santos Vieira, é apontado como mandante e será julgado separadamente. Conhecido como 'Romarinho', ele foi transferido para uma penitenciária federal em 2020, durante a 'Operação Império da Lei'. O criminoso já estava preso, na galeria dois do pavilhão F da Cadeia Pública de Porto Alegre, quando teria ordenado o crime.




A Polícia Federal, mediante compartilhamento de prova judicialmente autorizada, conseguiu extrair o conteúdo dos aparelhos celulares dos réus. Áudios e mensagens de texto revelaram que os acusados se comunicaram antes, durante e depois do crime. "A criança morreu ali mesmo. A mulher também. Morreu toda a família. Na real, isso acontece", diz uma gravação atribuída a Bragé.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895