"Somos reféns dentro de casa", afirma moradora do bairro Mário Quintana sobre guerra do tráfico

"Somos reféns dentro de casa", afirma moradora do bairro Mário Quintana sobre guerra do tráfico

Confronto na zona Norte de Porto Alegre ocorre após líder de facção anunciar que integraria grupo rival

Marcel Horowitz

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Após nove dias com as atividades suspensas devido a disputas entre facções no bairro Mário Quintana, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Chico Mendes retomou as aulas nesta semana. Parte dos alunos, no entanto, permanece sem frequentar a instituição de ensino desde o início dos confrontos pelo controle do tráfico na zona Norte de Porto Alegre, no dia 21 de setembro. 

A mãe de um aluno de oito anos, que pediu para não ter o nome divulgado, relata que o filho não vai às aulas há 16 dias. Segundo ela, o colégio é próximo dos pontos de venda de drogas que são disputados pelos criminosos. "Na [Escola] Chico Mendes o risco é maior do que em outras. As biqueiras [pontos de tráfico] são do lado da escola. Se ali acontecer um tiroteio, as crianças não vão ter para onde correr", declarou.

A mulher de 40 anos conta que os desajustes do crime organizado alteraram a rotina dos moradores do Mario Quintana. Os tiroteios na região, de acordo com ela, têm ocorrido diariamente, desde o início do conflito entre os traficantes.

"A troca de tiros acontece todos os dias e não tem hora [para acontecer]. Se está calmo de manhã, atacam de noite, e vice-versa", descreveu. "A gente acaba não saindo de casa, ainda mais com crianças, para não correr o risco de encontrar alguém armado. Do jeito que eles [traficantes] são despreparados, podem se assustar e disparar. Somos prisioneiros, eu quase não saio de casa. Somos reféns dentro de casa."

A moradora confirmou que as tensões na localidade têm sido fomentadas pelo líder de uma facção que, no final de setembro, anunciou que passaria a integrar um grupo rival. "Ele [líder da facção] está complicando a nossa vida. Antes dele, entrávamos e saíamos de casa normalmente. Não sei se a intenção dele era pacificar [o bairro], mas isso acabou piorando a situação para todos nós e para ele também. Paramos a nossa vida, tem gente que não está conseguindo ir para o trabalho. Estamos cansados disso", desabafou. 

Ainda conforme o relato dela, o policiamento não tem sido suficiente para gerar sensação de segurança entre os moradores. "Não tem nenhuma viatura que fique na esquina, por exemplo, durante todo o turno escolar. Só tem segurança quando acontece alguma 'correria' [confusão]. Mas quando a polícia vai embora, eles [faccionados] voltam."

Correio do Povo recebeu o relato anônimo de uma funcionária da Escola Chico Mendes que também reclama da falta de segurança na região. Ela corroborou que, mesmo após o fim do "recesso", poucos alunos têm frequentado as aulas. A direção da instituição de ensino, contatada pela reportagem, declarou que não se manifestaria sobre o tema por medo de represálias do crime organizado.  

A Secretaria Municipal de Educação (Smed) afirmou que as forças de Segurança estão intensificando as rondas em escolas do bairro Mário Quintana. Representantes da pasta garantiram também que a situação está sendo 'controlada e monitorada de perto por todas as forças da prefeitura'. Todas as escolas municipais, ainda segundo o Executivo Municipal, contam com vigilantes 24 horas, monitoramento por câmeras integradas ao Centro Integrado de Coordenação de Serviços de Porto Alegre (CEIC-POA) e sistema de botão de emergência para intervenção instantânea das forças de segurança, em casos emergenciais.

Na terça-feira, os secretários da Educação, José Paulo da Rosa, e da Segurança, Alexandre Aragon, participaram de uma reunião virtual com os diretores das escolas do bairro Mário Quintana, representantes de unidades de Saúde e Centros de Referência de Assistência Social (Cras). Na ocasião, também participaram lideranças da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Brigada Militar e Guarda Municipal.

"Foi um momento importante de diálogo e, principalmente de escuta à comunidade, que passou por uma situação de instabilidade social no território, mas que está retomando a normalização das atividades essenciais, como o funcionamento das escolas, com segurança e todo acolhimento necessário", destacou o secretário de Educação.

Os secretários também se comprometeram a buscar alternativas, junto à Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana, para que sejam revisados os horários dos ônibus que operam no bairro, especialmente no término das aulas do turno da noite. "Intensificamos a ação da Guarda Municipal nas escolas e trabalhamos de forma integrada com a Brigada Militar. Estamos articulando ainda outras ações para reforçar a sensação de segurança da comunidade", afirmou Aragon.



Entenda o conflito

Foi apurado pela reportagem que o pivô dos conflitos no bairro Mário Quintana seria Maicon Donizete Pires dos Santos. Conhecido como 'Red', o criminoso integrava uma facção com berço no bairro Bom Jesus, na zona Leste, mas que também tem atuação na zona Norte. 

Antes de abandonar o antigo grupo, Red atuava como gerente do narcotráfico. Nesse período, ele ainda era subordinado a José Dalvani Nunes Rodrigues, o 'Minhoca', preso em 2016 e transferido para a Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, em 2017.

A ausência do líder fez com que Red expandisse sua influência na zona Norte, a ponto de sair do grupo e formar uma nova quadrilha. Desde então, ele teria se aliado a traficantes das vilas Jardim e Cruzeiro, além de grupos do Loteamento Timbauva, para fazer frente ao poder bélico do antiga facção. Três dos líderes desses grupos, no entanto, foram interrogados na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e negaram envolvimento no conflito. 

Uma mensagem atribuída ao grupo de Red, divulgada através das redes sociais, sugere um convite para que traficantes rivais abandonem divergências e passem a integrar uma mesma quadrilha. "O muro está baixo. Quem quiser fechar [se unir], pula [para o nosso lado] enquanto tem tempo. Estamos abraçando os amigos e botando uma pedra em várias 'fitas'. Vem que vai ser tudo no respeito, humildade e disciplina", diz a postagem. 

Em outro texto, que também seria da quadrilha de Red, o grupo se define como "Comando Nova Geração". 


Maicon Donizete Pires dos Santos, o Red Foto: Divulgação


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