Código Militar vai a plenário da Câmara sem excludente de ilicitude

Código Militar vai a plenário da Câmara sem excludente de ilicitude

Relator acatou emenda retirando trecho alvo de questionamentos, que é bandeira de Bolsonaro. Outro artigo preocupa organizações

R7

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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pautou para esta quarta-feira (16) a votação do projeto de lei que altera o Código Penal Militar. A matéria vai ao plenário sem o trecho visto como uma ampliação do chamado 'excludente de ilicitude' (que exclui a culpabilidade penal) da atividade militar.

O texto já gerou diversos questionamentos de parlamentares de esquerda e uma verdadeira mobilização de entidades da sociedade civil. A redação especifica amplia casos quando se considera que um militar agiu em legítima defesa. Nessa situação, se um militar mata em serviço, por exemplo, ele pode não ser punido (excludente de ilicitude).

O relator da matéria, general Peternelli (PSL-SP), aliado do presidente Jair Bolsonaro, retirou o trecho para conseguir aprovar a matéria, que estava travada. O Código Penal Militar prevê em seu artigo 44 que "entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem".

O parecer de Peternelli, aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara no final de 2019, acrescentava um texto a esse artigo e era visto como problemático por considerar legítima defesa "o militar que, em enfrentamento armado ou em risco iminente de enfrentamento armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem".

A advogada Carolina Diniz, da organização não governamental Conectas Direitos Humanos, aponta que o trecho gera preocupação por dar um "salvo-conduto para policiais praticarem atos letais". A especialista explica que o problema está na palavra "previne".

"O dispositivo atual fala em reprimir injusta agressão e não prevenir injusta agressão. Esse dispositivo coloca o agente agindo com ação letal de forma a antecipar qualquer ato de execução. Permite o que a gente às vezes chama de legítima defesa putativa, quando alguém acha que está em risco de agressão, vai lá e faz alguma coisa", afirma.

Ao retirar o trecho, Peternelli acata uma emenda do deputado Bohn Gass (PT-RS), protocolada em outubro do ano passado. Na ocasião, houve uma tentativa de votação do texto, mas ele continuava com o trecho avaliado como problemático. Na emenda, o deputado petista justificou que "o verbo 'prevenir' estaria empregado no sentido de um 'agir por antecipação' e se opõe frontalmente à exigência de atualidade ou iminência da injusta agressão que compõe o elemento central da definição de legítima defesa".

Esse elemento, que expande o excludente de ilicitude para os agentes de segurança, estava previsto no Pacote Anticrime, do ex-ministro de Segurança Pública Sergio Moro, mas de forma ainda mais ampla. A proposta foi aprovada em 2019 sem o trecho, após ampla mobilização.

No parecer, Peternelli pontua que os dispositivos incluídos no artigo 44 já haviam sido rejeitados pela Câmara na ocasião em que se avaliou o Pacote Anticrime. Ao R7, o deputado disse entender que os complementos apenas esclareciam o trecho da lei que trata de legítima defesa, e que por isso não vê grandes prejuízos com a sua retirada. "Nossa preocupação maior é com o Código Penal, que é de 1969. Tem um volume extraordinário de atualizações que precisa ser realizado", afirmou.

Questionado se a retirada do trecho não desagrada o presidente e o atrapalha diante das tropas, o deputado nega. De acordo com ele, o próprio governo, na figura do Ministério da Defesa, julgou oportuno que o trecho fosse retirado para permitir a aprovação do código. "Equacionamos com todas as partes", garantiu. O parlamentar acatou outras quatro emendas e rejeitou dez.

Texto pode dificultar punir comandos militares

Mesmo com a retirada do trecho que ampliava as ocasiões do excludente de ilicitude, um dos artigos ainda gera preocupação de ONGs. Trata-se do artigo 42, que prevê que não há crime quando "o comandante de navio, aeronave ou praça de guerra, na iminência de perigo ou grave calamidade, compele os subalternos, por meios violentos, a executar serviços e manobras urgentes, para salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque".

O substitutivo de Peternelli amplia esse rol a qualquer militar. A advogada Carolina Diniz afirma que isso gera preocupação porque "pode gerar uma interpretação de que os militares comandantes das forças policiais não são responsáveis por operações como a chacina do Jacarezinho", no Rio de Janeiro. "Quando existe punição, a gente nunca consegue chegar à responsabilização do comando. Um artigo como esse vai ampliar ainda mais a não responsabilização de agentes públicos", pontua.


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