Como lidar com os encontros de famílias no fim de ano após brigas políticas

Como lidar com os encontros de famílias no fim de ano após brigas políticas

Tolerância e a comunicação não-violenta estão entre as recomendações de especialistas

Mauren Xavier e Camila Souza

Estudo é um dos primeiros a avaliar de forma individualizada o isolamento social

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As discussões por razões políticas estremeceram laços de amizade e até mesmo familiares nos últimos meses, especialmente durante uma eleição polarizada. Com as festas de fim de ano que se aproximam, voltar a encontrar com a família após desentendimentos pode representar um grande desafio. 

Há quem prefira evitar as discussões nos encontros. É o caso de Mariana Witt, que já teve desentendimentos com o pai e com uma tia por razões políticas. Ela passou o Natal com a tia nos dois últimos anos, mas quando estão reunidos, a família optou não discutir sobre o assunto. Mariana diz que, apesar de não concordar, hoje já consegue lidar melhor com as divergências que possui com a tia. “A gente discute, mas não guarda ressentimentos como antes. Consegui recuperar o carinho que eu tinha por ela depois de perceber que há uma questão muito maior por trás de tudo isso”, diz.

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Após uma eleição polarizada, como evitar discussões nos encontros de fim de ano? Correio do Povo ouviu especialistas e separei algumas dicas. Conteúdo completo você lê no www.correiodopovo.com.br

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Para o psicólogo Leonardo Wainer, a primeira atitude que se deve ter é lembrar quais são os objetivos e a importância destes reencontros. “Todos têm direito de pensar e opinar. Isso faz parte de uma sociedade democrática. Mas devemos pensar também no que realmente nos une. Não é apenas política ou time de futebol. Existem outros lados, relações e vivências”, ressalta. Na mesma linha, o psicólogo Matheus Quadros cita a necessidade de cada um reconhecer "as suas próprias emoções” e entender como encaram cada acontecimento. "Os fatos existem. Mas existem várias interpretações, e cada um interpreta da sua maneira", destaca. 

Neste ponto, defende que o conhecimento individual de cada um tem grande relevância. "Precisamos reconhecer como nós estamos em relação a determinados casos e acontecimentos. No caso da política, pensar como 'eu' me sinto em relação aos fatos, a como as pessoas se posicionaram e talvez se questionar: ‘porque eu tenho esses sentimentos em relação a isso’?”, questiona Quadros.  

A importância da comunicação assertiva

Leonardo Wainer destaca que ter uma comunicação assertiva nestes momentos é importante. Por isso, interromper a conversa antes de começar um conflito maior pode ser uma boa alternativa. “Se houver um grau de divergência muito grande, em que ataques podem acontecer, a gente pode agir de uma maneira muito assertiva e dizer: ‘Eu realmente não quero falar sobre isso’”. De acordo com o especialista, deixar a conversa esfriar e até mesmo mudar de assunto pode evitar desentendimentos.

Matheus Quadros traz outro ponto nessa discussão: a tolerância. Normalmente, as pessoas convivem com outras que, de alguma forma, se assemelham. Porém, quando se trata da família, existe um vínculo sanguíneo, que já prevê uma grande proximidade, que é ampliada pela convivência. Ao mesmo tempo, com temas polêmicos, neste caso uma eleição polarizada, pode tornar as relações mais complicadas. "Mas o quanto a gente consegue debater e falar sobre ideias  e o quanto a gente tolera o nosso desconforto com o outro que pensa diferente?", pondera o especialista, que cita como sugestão o exercício de cada um de pensar sobre a tolerância ao próximo para após agir.

“Não tem mais clima para festividades”

Enquanto alguns grupos conseguem deixar as divergências em prol de uma boa convivência, outros acabam cortando laços e deixam de se falar. Uma tradição da família de Andrezza Correia era passar todo o dia 25 de dezembro reunida. Esse ano, porém, esse costume será desfeito. Andressa conta que uma das pessoas que integrava estes encontros era uma tia, irmã de seu pai, que optou por se afastar de toda a família por posições políticas diferentes. “Começou em 2018. Eu tentei relevar as provocações porque, para mim, relações familiares estão acima disso. Mas ela foi ficando mais radical nos posicionamentos”, comenta. 

A relação entre seu pai e sua tia também foi afetada. “Não é mais a mesma de antes. Eu acho estranho, porque eles são irmãos e a política afastou completamente uma família.” Após as brigas e ofensas, Andrezza conta que não vai passar o Natal com a tia. “Não tem mais clima para festividades”, afirma.

Optar por evitar os encontros após as brigas também pode ser uma alternativa saudável, recomenda Wainer. “É importante a gente respeitar nossa segurança emocional e entender o nosso limite também”, destaca.

 Além disso, ele enfatiza a importância da comunicação não-violenta. “Não ser crítico, não julgar e se mostrar curioso pelo ponto de vista da outra pessoa são posturas que podem ajudar em um momento como esse”.

Para o especialista, é possível recuperar relações que foram afetadas pelas brigas políticas. “Se for do interesse das duas partes, há formas de recuperar, mas é algo que vai exigir muito esforço de todas as pessoas envolvidas”, afirma.

Reflexos e impactos do pós-pandemia

A complexidade dos encontros de final de ano neste momento traz outros vértices, como aponta a psicanalista Augusta Gerchmann, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA). Ela considera importante ver as discussões e os conflitos políticos levando em consideração outros elementos, mais especificamente as consequências, ainda não medidas de forma consolidada, da pandemia da Covid-19. "A forma como, não só no Brasil, mas em outros países, foi vivida (a pandemia) trouxe uma dificuldade ao convívio social. Deixou, em alguns casos, que as pessoas perdessem o hábito de convivência (em função do isolamento)", pontua. 

Foto: Montagem sobre imagens de Mauro Schaefer e Sergio Lima / AFP 

Essa dificuldade de convivência social impacta em características fundamentais, como a preservação do respeito pelos pensamentos e posições diversas, gerando, consequentemente, desafetos mesmo em grupos amigáveis, como o familiar. 

Ela ressalta que na pandemia ocorreram e surgiram diversos conflitos ou confrontos sociais e que atingiram, muitas vezes, as pessoas num momento muito sensível. 

É dentro desse panorama que Augusta acrescenta outra reflexão, que seria sobre o que está representado na discussão “política” e que, na prática, não se dirige à política, mas ao instinto do ser humano. 

A psicanalista faz uma comparação da pandemia com o livro “A Peste”, de Albert Camus, que retrata, por meio de uma metáfora, os danos sociais provocados pela Segunda Guerra Mundial. “As pessoas enfrentaram muitas mortes, não conseguiram enterrar os seus mortos, tiveram uma dor psíquica que foi se ampliando e, muitas vezes, as pessoas não encontraram acolhimento”, pondera, comparando com o que ocorreu com parte da população na pandemia. 

É nesse contexto que ela traz uma voz otimista, na qual acredita que, as pessoas diante desse entendimento, após dois anos de pandemia, deveriam aproveitar a oportunidade dos reencontros para ter encontros mais “afetivos” e permeados do sentimento de esperança. "Acho que a esperança era algo que não poderíamos abandonar nesse momento, quando todos vivemos o desamparo e a solidão, que caracterizaram esses dois últimos anos”, recomenda.


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