Discussão sobre déficit na Previdência é antiga

Discussão sobre déficit na Previdência é antiga

PEC 247 é rejeitada por parcela significativa da população

Flávia Bemfica

Discussão sobre déficit na Previdência é antiga

publicidade

A discussão sobre a existência ou não de um déficit na previdência é antiga, mas se incendiou a partir da apresentação da proposta de reforma pelo atual governo. Vários dos pressupostos da PEC 247 podem ser encontrados no estudo “Impacto Fiscal da Demografia na Projeção de Longo Prazo da Despesa com Previdência Social”, de autoria de Rogério Nagamine Costanzi e Graziela Ansiliero.

• Proposta de Reforma da Previdência divide o Brasil

O trabalho, que conquistou o segundo lugar do tema ‘Qualidade do Gasto Público’ na edição deste ano do Prêmio de Monografias da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) do Ministério do Planejamento, utiliza, conforme informam seus autores, um modelo ‘relativamente simplificado’, que busca analisar o efeito de diferentes fatores sobre a situação financeira da previdência social, com ênfase nas projeções demográficas. O modelo segue outros levantamentos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da União Europeia (UE).

Nagamine, um de seus autores, é diretor de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), considerado uma autoridade no tema, e já ocupou cargos de assessoramento especial, coordenação ou direção nos ministérios da Previdência, do Trabalho e do Desenvolvimento Social. No trabalho, ele e Ansiliero definem como “mito” o argumento de que a introdução de idade mínima é prejudicial aos mais pobres, que tendem a ingressar mais cedo no mercado de trabalho, afirmando que, na verdade, o que ocorre entre os mais pobres é um ingresso com “altíssimo nível de informalidade”.

“Na realidade o Brasil é um país que tem idade mínima para os trabalhadores de menor rendimento, que se aposentam por idade aos 65/60 anos ou pelo Benefício da Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/LOAS) aos 65 anos, mas não tem idade mínima para os trabalhadores de maior rendimento que se aposentam com idades na faixa dos 50 anos e com aposentadorias de valor mais elevado”, aponta o documento.

Os pesquisadores assinalam ainda que a ausência de idade mínima e o pagamento de aposentadorias para pessoas na faixa dos 50 anos com plena capacidade laboral tem como efeito colateral o surgimento de um grande risco fiscal ou de passivo judicial por meio da chamada desaposentação, “que pode gerar um ‘esqueleto’ de R$ 69 bilhões apenas considerando o estoque de benefícios ativos.”

Ao final, enfatizam que “a gravidade da trajetória esperada a médio e longo prazo não deve obscurecer a necessidade de reformas em caráter urgente, isso porque a despesa previdenciária no país já se encontra em patamar elevado e, atualmente, em uma conjuntura de graves problemas fiscais e dificuldades para elevar a carga tributária.”

Em rota de colizão com esta linha estão estudos que destacam que a seguridade social é formada não apenas pela previdência, mas também pela saúde e a assistência social. Entre eles, ganharam destaque nos debates atuais os estudos da professora Denise Gentil, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ).

A professora é autora da tese de doutorado “A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise Financeira do Período 1990/2005”, na qual conclui que o sistema de seguridade social é financeiramente autossustentável e capaz de gerar excedente de recursos, mas tem parcela significativa de suas receitas desviada para aplicações em outras áreas do orçamento fiscal.

“Ao contrário do que é difundido, o sistema de previdência social não está em crise e nem necessita de reformas que visem ao ajuste fiscal, mas de reformas que permitam a inclusão de um grande contingente populacional que hoje se encontra desprotegido”, conclui ela, que defende que a capacidade de sustentação futura do sistema depende de mudanças na política econômica que tratem da promoção do crescimento em conjunto com políticas de distribuição de renda.

Segundo a professora, o cálculo feito pelo governo que resulta no déficit ignora as fontes de financiamento da seguridade social estabelecidas nos artigos 194 e 195 da Constituição: as receitas da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins, do PIS/Pasep, de Concursos e Prognósticos (Loterias), além das provenientes de contribuições previdenciárias.

“Estas cinco fontes financiam os três grandes núcleos da seguridade, que são a saúde, a assistência social e a previdência. Há um superávit, apesar de ser fato que ele vem caindo a cada ano. Só que o cálculo que o governo faz é sempre para apontar déficit. É um cálculo que agrada ao mercado financeiro. Quando o governo propõe uma reforma que expulsa as pessoas do sistema público, as que têm condições acabam fechando um plano de previdência privada. A mudança também atende a detentores de títulos públicos e, para o governo, a compressão dos custos significa maior volume de recursos para o pagamento da dívida pública”, enumera.

A professora também faz um questionamento direto sobre o déficit. “Se o sistema fosse de fato deficitário, o governo não aumentaria a Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 20% para 30%, não faria tantas renúncias de arrecadação e se empenharia em cobrar os sonegadores. A renúncia do governo de recursos que deveriam atender a seguridade social no ano passado foi de R$ 157 bilhões. E a dívida ativa de sonegadores com a previdência é superior a R$ 400 bilhões”, destaca.

Novas perguntas

Uma vertente de pesquisadores e integrantes de organizações que se debruçam sobre direitos sociais defende que seja feita a discussão do sistema previdenciário, mas com premissas diferentes das propostas pelo governo e que ampliem o debate para além da discussão fiscal.

“É necessário tratar da previdência porque o Brasil é um dos países que mais envelhece e isso inclusive já deveria fazer com que o país pensasse outras políticas públicas. Só que o conceito da reforma proposta pelo governo é equivocado. O Brasil tem se feito as perguntas erradas. Enquanto não se pautar pela Constituição, as coisas não vão mudar”, considera o coordenador geral da organização Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. Para ele, o debate sobre se há ou não déficit precisa se ampliar.

“A pergunta não é se o sistema é deficitário ou não. A pergunta é se existem supersalários, se a tributação é justa e correta, se podemos mudar o perfil tributário do Brasil”, enumera. Na avaliação de Cara, os custos da previdência já serão contidos com a Proposta de Emenda Constitucional 55, a PEC do Teto, aprovada na semana que passou.

"É necessária uma reforma, mas no sentido de aprimorar o estado de bem-estar social e não de desmontá-lo. Respeito, mas não tenho muita paciência para o debate contábil. A população está envelhecendo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostra que em 90% dos domicílios há pessoas de 65 anos ou mais com cobertura previdenciária, nós fizemos essa opção.

O futuro do financiamento da previdência são outras fontes que não o corte de direitos ou o aumento dos custos da folha. Poderão ser imposto de renda, recursos do petróleo ou outras alternativas, o importante é que ela precisa ser tratada como direito universal”, destaca o economista Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e pesquisador associado do IPC-IG, o International Policy Centre for Inclusive Growth (Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo).

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895