Reunião com Paulo Guedes na CCJ termina em confusão e troca de ofensas

Reunião com Paulo Guedes na CCJ termina em confusão e troca de ofensas

Ministro da Economia reafirmou falência do sistema atual da Previdência

AE, Agência Brasil e Correio do Povo

Audiência com Paulo Guedes terminou com bate-boca

publicidade

Acabou em briga e troca de palavrões o primeiro teste do ministro da Economia, Paulo Guedes, na audiência pública na Comissão de Constituição de Constituição e Justiça (CCJ) sobre a reforma da Previdência. Depois de seis horas e meia de sessão com sucessivos bate-bocas com a tropa da oposição, o ministro caiu na provocação do deputado Zeca Dirceu (PT-PR) que o acusou de ser "tigrão" com os aposentados, idosos de baixa renda e agricultores, mas "Tchutchuca" com privilegiados do Brasil. O ataque do petista, filho do ex-ministro, José Dirceu, levou à explosão final de Guedes que reagiu com destempero fora do microfone: "Tchutchuca é a mãe, é a sua avó". 

Zeca começou as críticas perguntando a razão pela qual Guedes começou as reformas com a da Previdência e não alterações que afetassem os banqueiros. A partir daí, o clima ficou insustentável e o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), teve que acabar com a audiência por volta das 20h30min. 

Acusado de mentiroso, rentista do mercado financeiro e cruel por querer formar uma "legião de pobres" com a capitalização da Previdência, Guedes partiu para um embate direto com os oposicionistas, com ironias e ataques aos dois governos do PT. Um dos momentos mais tensos foi quando os deputados se intrometeram na sua resposta à pergunta do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) sobre a idade que as empregadas domésticas se aposentam. 

Com fúria, o ministro questionou os parlamentares da oposição: "Por que vocês não botaram imposto sobre dividendos, por que deram dinheiro para a JBS?". Se voltando para os parlamentares, Guedes rebateu: "Nós estamos há três meses e vocês tiveram 18 anos (de poder) e não tiveram coragem de mudar". Houve reação dos deputados atacados por Guedes. Diante da gritaria, Guedes reagiu: "A Casa não está me respeitando. A Casa não me dá o direito de falar". 

Guedes foi em frente com as críticas e disse que eram fake news a informação de que no Chile havia muitos suicídios por conta da Previdência. O bate-boca recomeçou quando Guedes falou que era caso de internação de quem não via a necessidade de reforma. O que se seguiu foi nova explosão dos deputados. 

Sistema falido

Condenado. Falido. Este foi o tom da fala do ministro da Economia Paulo Guedes quando se referia ao atual sistema de Previdência. Guedes foi expor os pontos do projeto de reforma do governo. Logo na abertura, ele defendeu com veemência o fim dos privilégios com a reforma e disse que o Legislativo tem aposentadorias 20 vezes superior em média à do INSS ao destacar que a média dos parlamentares é de R$ 28 mil, enquanto a dos trabalhadores que recebem pelo INSS é de R$ 1,4 mil.

Segundo ele, a sociedade vê essa diferença e cobra mudanças. Guedes disse que a proposta remove privilégios e reduz a desigualdades do sistema previdenciário, garantindo sustentabilidade fiscal de um regime que está condenado. "Estamos tentando abrir a porta para um futuro diferente para gerações futuras", disse Guedes. Ele cobrou coragem dos "contemporâneos" de atacar o problema "tirando de onde tiver que tirar". 

O ministro afirmou que é preciso reconhecer a dimensão fiscal do problema da Previdência. Guedes ponderou que essa dimensão fiscal inescapável não tem bandeira e nem cor partidária. "Concordo que, na hora de curar, os efeitos são diferentes. E aí as colorações políticas fazem a diferença", reconheceu. Guedes declarou que os prefeitos e governadores pedem uma ação coordenada e harmônica para resolver o problema e que os "abriguem". 

Bomba

O ministro comparou o modelo de Previdência no País à uma bomba de destruição em massa. Para ele, a Previdência do Brasil é um avião que tem um financiamento perverso que tira emprego dos mais jovens. Na sua avaliação, o sistema atual de repartição e com encargos trabalhistas elevados retira recursos que prejudicam os mais jovens desempregados. "Há mais problema a bordo desse avião. O sistema financia a aposentadoria do idosos desempregando trabalhadores. É uma forma perversa de financiar cobrando encargos trabalhistas", ponderou Guedes. 

Guedes ressaltou que 40 milhões de brasileiros estão excluídos do mercado de trabalho e pressionarão, no futuro, a Previdência, porque não contribuem para o sistema. O ministro disse que o sistema atual está quebrado. Ele fez questão de ressaltar que o modelo atual promete resultados crescentes com o reajuste das aposentadorias pelo salário mínimo, mas não consegue levar poupança para pagar os benefícios no futuro. "É outro foco de fragilidade. Vão prometendo cada vez mais, para cada vez mais gente, como salários mais altos, e não leva nada para o futuro", disse. O ministro disse que o sistema de repartição da Previdência está geneticamente condenado. 

Como comparação, o minstro disse que o gasto do governo com a Previdência chega a ser 10 vezes maior do que com educação.  "Ano passado gastamos R$ 700 bilhões com a Previdência, que é o nosso passado, e gastamos R$ 70 bilhões com educação, que é o futuro.

Com isso, o ministro voltou a bater na tecla de que o sistema de repartição (onde os trabalhadores da ativa financiam os aposentados) está fadado ao fracasso. Ele destacou que a maior despesa que pressiona o déficit das contas públicas tem sido a Previdência. "Antes de a população brasileira envelhecer, a Previdência está condenada", declarou. 

Crescimento dos gastos com a Previdência 

Originalmente previsto para ocorrer semana passada, o encontro foi adiado para hoje porque Guedes tinha cancelado a ida enquanto a comissão não definia o relator da proposta. Segundo Guedes, os problemas fiscais decorrentes do crescimento dos gastos com a Previdência estão se impondo aos governos locais, independentemente do partido. "Tenha quem tiver, o partido que tiver, independentemente de quem esteja no governo, esse problema está se impondo", advertiu.

O ministro apresentou uma estimativa de economia proporcionada pela proposta por tipo de contribuinte. "Nós temos um cálculo. São 71 milhões de pessoas no regime geral (que paga aposentadorias do setor privado e das estatais). A contribuição de cada um em dez anos é de R$ 9 mil. Na hora que pega o servidor, cada um contribuiu com R$ 140 mil", disse. 

Em relação aos militares, o ministro disse que cada um contribuirá com R$ 181 mil por pessoa nos próximos dez anos. A conta, o entanto, considera apenas a economia de R$ 97,3 bilhões da reforma das aposentadorias dos militares, não levando em conta o impacto de R$ 86,9 bilhões com a reestruturação da carreira da categoria. A versão original da proposta enviada ao Congresso prevê economia de R$ 1,17 trilhão em dez anos. 

O ministro da Economia classificou de "fábrica de desigualdades" o atual sistema previdenciário, citando que a aposentadoria média de servidores e parlamentares na Câmara dos Deputados é 20 vezes maior que a do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), enquanto 83% dos brasileiros se aposentam com até dois salários mínimos. 

Capitalização

O debate sobre a introdução do modelo de capitalização produziu um dos momentos mais tensos da audiência pública. Guedes provocou os parlamentares do PT ao afirmar que a ex-presidente da República Dilma Rousseff foi a primeira a fazer a capitalização ao instituir o Funpresp (a aposentadoria complementar dos servidores públicos). A resposta irônica do ministro provocou críticas e início de novo bate-boca, logo contido. 

Em resposta ao deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), o ministro voltou a ser irônico. Mattos, que é da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), questionara Guedes sobre o modelo de capitalização proposta pelo governo na reforma. "O senhor é um felizardo beneficiário (da capitalização), eu gostaria que os outros pudessem usufruir", disse o ministro. "Então, o regime em si não é tão ruim", acrescentou. Guedes disse que era preciso de gente da qualidade do deputado para gerir os fundos de previdência. O ministro afirmou que a capitalização proposta pelo governo não representa um desmanche do sistema atual de Previdência. 

"Estamos abrindo uma porta para o regime de capitalização, mas ele é optativo", disse. Guedes voltou a afirmar que, se a reforma da Previdência, não for aprovada com alguma potência fiscal, a capitalização não será apresentada pelo governo. 

"Fiquem tranquilos!", disse. Ele pregou o diálogo sobre a discussão da capitalização e lembrou que a proposta da Previdência garante um salário mínimo para os aposentados. "Vamos exigir que exista um salário mínimo garantido. Ninguém vai receber menos. Está escrito na PEC", ponderou. 

O ministro apelou para a necessidade de a discussão menos passional. "Não podemos ser superficiais. Ficamos apaixonados. A eleição acabou há três meses. Não dá para apaixonar. O governo foi eleito", disse ele, acrescentando que o jovem vai escolher em qual regime quer entrar: o antigo ou a capitalização. Diante dos ataques da oposição, o ministro disse que não iria cair na provocação dos parlamentares. "Vou seguir o rito", disse. 

O ministro voltou a defender que a reforma da Previdência resulte em economia mínima de R$ 1 trilhão nos próximos dez anos para financiar a transição para o sistema de capitalização (onde cada trabalhador contribui para a própria aposentadoria). Ele disse que o sistema atual tem um modelo de financiamento perverso ao se sustentar em tributos que incidem sobre a folha de pagamentos e aumentam os encargos trabalhistas para os empresários. 

Ele afirmou que não enviará o sistema de capitalização ao Congresso Nacional caso a reforma da Previdência seja aprovada com uma "potência menor"."Se os senhores preferem que os filhos e netos sofram com esse mesmo problema que o Rio de Janeiro tem, se os senhores estiverem dispostos a seguirem nesse sistema, podem seguir. Eu não vou lançar capitalização, não sou irresponsável. É preciso ter potência fiscal para lançar capitalização", afirmou. Guedes disse que a capitalização não tem as desvantagens do sistema de repartição, como a bomba demográfica representada pelo envelhecimento da população e o financiamento com encargos trabalhistas. O ministro afirmou que é possível acrescentar uma "camada adicional de repartição" ao sistema para garantir que trabalhadores que não acumularem o suficiente se aposentem com um salário mínimo. 

"Podemos falar de Imposto de Renda negativo, quem ganha muito paga mais para quem ganha pouco ter salário mínimo. Chama-se sistema nocional", afirmou. "É como se fosse uma bolsa". O ministro ressaltou que a Previdência hoje é uma "fábrica de desigualdades" e que 83% dos brasileiros ganham aposentadorias de menos de dois salários mínimos. "Será que estamos prejudicando os pobres se estamos reduzindo encargos para eles?", questionou. 

"Financiar a aposentadoria do trabalhador idoso desempregando trabalhadores é, na minha opinião, uma forma perversa de financiar o sistema. Cobrar encargos trabalhistas sobre a mão de obra é, do ponto de vista social, uma condenação. É um sistema perverso, onde 40 milhões de brasileiros estão excluídos do mercado formal", declarou o ministro. 

Ele reforçou que o custo de transição para um sistema de capitalização sobe no tempo e pode se tornar inviável em alguns anos. Guedes afirmou ainda que o sistema de capitalização fará o País crescer mais rapidamente e que, por isso, governos sociais democratas do Chile conseguiram fazer um "belo leque de programas sociais", já que o país estava crescendo. "O Chile era um país frágil, financeiramente quebrado, e virou maior renda per capita da América Latina", afirmou, depois de deputados de oposição criticarem, aos gritos, o país sul-americano. 

Queixas

O deputado Luiz Flávio Gomes (PSB-SP) criticou a desarticulação do governo na defesa da reforma da Previdência. Para o parlamentar isto acabou gerando um "imenso prejuízo". "No vácuo, alguém assume", alertou durante audiência. "O que se assumiu como discurso? Que pobres serão mais prejudicados, então ficou no tema de BPC e rural. É preciso que o governo dê explicação ou elimine logo (esses pontos) para que dê andamento", afirmou. Embora reconheça a necessidade da reforma, Gomes defendeu uma cobrança mais efetiva das dívidas previdenciárias. "Combater privilégios não é quem está no 8º ou 9º andar, mas sim quem está na cobertura", disse. 

Um dos autores do requerimento de audiência do ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o deputado Luizão Goulart (PRB-PR) cobrou uma defesa mais enfática da reforma da Previdência pelos integrantes do governo. "Essa proposta é do Ministério da Economia ou do governo? Em que momento o governo como um todo vai sair à rua para convencer a população de que a reforma é necessária, justa e boa?", questionou. "Nós aqui estamos sintonizados com nossa população", avisou. O deputado ainda lembrou que nenhuma outra categoria da população foi ouvida antes de o governo apresentar sua proposta de reforma da Previdência, diferentemente do ocorrido com as Forças Armadas, que "fizeram seu próprio projeto". 

Bate-boca e pedido de desculpas

Os deputados da oposição, que desde a semana passada se articulavam para dominar os questionamentos ao ministro, não deram trégua ao ministro. Parlamentares do PT, do PDT, do PSOL e do PSB foram os principais protagonistas da fase inicial da audiência. Guedes chegou a bater boca com alguns deles, mas logo depois conseguiu "esfriar" a temperatura e pediu desculpas em uma das vezes em que se exaltou. Em um dado momento, o ministro declarou que caso a reforma da Previdência não seja aprovada, o Brasil passará a ter problemas para pagar salários dos servidores, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás. Nesse momento, houve bate-boca quando um parlamentar disse que a capitalização não deu certo no Chile, e Guedes fez um paralelo com a crise econômica e humanitária na Venezuela. 

"Acho que a Venezuela está melhor que o Chile", rebateu o ministro em tom de provocação. Nesse momento, deputados da oposição começaram a gritar. O ministro disse que não conseguia ouvir vários parlamentares falando ao mesmo tempo. O presidente da CCJ, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), interveio e pediu calma e respeito ao ministro. 

Ele ainda aproveitou para alfinetar os deputados do PT ao destacar que todos sabiam que fez um aumento irresponsável das desonerações e subsídios. "Quem mais fez desoneração de 2% para 4% do PIB, todo mundo sabe quem cometeu essa irresponsabilidade fiscal de dar dinheiro para campeões nacionais e grupos próximos", cutucou.

O deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG) defendeu uma "resistência" a grupos poderosos que, segundo ele, tentam influenciar as decisões do Congresso sobre medidas econômicas. Ele não citou quais grupos são esses. O parlamentar ainda criticou a proposta de reforma da Previdência e defendeu sua rejeição. "Nossa prioridade é rejeitar essa proposta de reforma da Previdência", disse. O deputado do PDT também criticou a proposta do governo de retirar da Constituição o detalhe das regras previdenciárias, delegando essas definições para uma lei complementar. "No cenário futuro, isso é um cheque em branco", afirmou.  

Ao retomar a palavra, Guedes disse que a confusão começou quando ele respondeu, fora de hora, a um questionamento da deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) sobre como cobrir os custos de transição para o sistema de capitalização. O ministro explicou que o Chile conseguiu implementar políticas sociais nos últimos 30 anos porque passou a sobrar recursos depois que o país adotou o regime de capitalização, nos anos 1980. Ele lembrou que a renda per capita do país dobrou nos últimos 30 anos. 

Após a série de bate-bocas entre parlamentares e o ministro, o deputado José Guimarães (PT-CE) aconselhou o ministro a adotar um tom mais moderado em suas colocações. Guedes já se dirigiu com ironia ao plenário da CCJ citando, por exemplo, a Venezuela como um lugar que pagaria aposentadorias melhores que o Chile, seu exemplo de sucesso para a capitalização. "Aconselho o senhor a respeitar essa Casa. Quem tem poder (de voto) somos nós", avisou Guimarães. 


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895