Governo do RS trabalha para derrubar emendas a projetos de privatização das estatais

Governo do RS trabalha para derrubar emendas a projetos de privatização das estatais

Piratini quer liquidar votações no início de julho sem detalhamentos dos textos e de forma a coibir discussão sobre valores em função dos preparativos para eleições de 2020

Flavia Bemfica

Executivo gaúcho se articula para garantir uma votação sem sustos dos três projetos de lei que, de forma genérica, o autorizam a privatizar as três estatais do setor de energia

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O Executivo gaúcho se articula para garantir uma votação sem sustos dos três projetos de lei (PL) que, de forma genérica, o autorizam a privatizar as três estatais do setor de energia (o grupo CEEE, a Sulgás e a CRM). Enquanto a oposição classifica os PLs como um "cheque em branco", por não trazerem qualquer detalhamento a respeito da modelagem das vendas ou da destinação dos recursos a serem arrecadados, há pelo menos duas semanas os negociadores do governo trabalham para desidratar iniciativas de apresentação de emendas por parte da base aliada. No plenário, a estratégia para liquidar a possibilidade de alterações que permitam esmiuçar os processos de venda é a de fazer um requerimento de preferência do texto. Se isso acontecer, as emendas "caem".

Neste momento, nem governo e nem oposição acreditam na chance de prosperarem as chamadas “iniciativas avulsas”: quando um parlamentar apresenta um outro projeto estabelecendo qual será a destinação para parte dos recursos, ou cotas referentes a manutenção de servidores.  Os três PLs com as autorizações para as vendas (263, 264 e 265) estão em regime de urgência e começam a trancar a pauta a partir de 29 de junho. A expectativa de governistas é votá-los ou no dia 2 ou no dia 9 de julho, antes do recesso parlamentar de inverno que terá início no dia 15.

A estratégia governista vem surtindo efeito. Maior bancada a compor a base aliada, com oito parlamentares, o MDB ensaiou a possibilidade de alongar as articulações para as votações ou apresentar emendas exigindo informações claras sobre as vendas e a destinação dos valores obtidos. Mas, por enquanto, não formalizou emendas ao projeto e está, segundo o líder da bancada, deputado Fábio Branco, em processo de discussão. “Sempre trabalhamos com um voto único da bancada, mas, agora, é cedo para prever qualquer coisa. Nossa preocupação é onde serão aplicados os recursos. Não pode ser para custeio, precisa ser para desenvolvimento”, adianta.

Questionado sobre o fato de a lei que criou o Regime de Recuperação Fiscal estabelecer que os valores oriundos das vendas devem ser destinados a abater passivos, Branco defende que a adesão ao RRF inclui várias iniciativas além das privatizações, o que pode dar margem a alguma negociação. Mais crítico dos emedebistas em relação às contradições do Executivo sobre o processo, o deputado Sebastião Melo admite que o fato de a lei ser clara sobre a destinação dos recursos para pagar dívida pode tornar as emendas inócuas.

Até agora, só duas emendas foram apresentadas a cada um dos textos. Ambas são idênticas para os três projetos.  As primeiras, do deputado Dr. Thiago Duarte (DEM), incluem um artigo destacando que, pelo fato de as empresas prestarem serviços considerados essenciais, não poderão ser “objeto do monopólio privado.”

Sem embasamento legal para obrigar o Executivo a detalhar como vai vender as estatais da energia e como pretende empregar os recursos resultantes, a oposição (PT, PDT e PSol) protocolou as segundas emendas a cada um dos PLs.  Por elas, após a autorização e consequente definição da “opção de desestatização”, e antes do lançamento dos editais, o Piratini deverá submeter ao Legislativo novos projetos de lei que contenham modelagem financeira; análise detalhada da operação, da estratégia e do mercado; e, ainda, estudo das informações contábeis, patrimoniais, financeiras, tributárias, legais e trabalhistas dos passivos.

“Nosso argumento não é a questão da legalidade. O que tentamos é chamar a atenção para o fato de que o Executivo trabalha para decidir sozinho sobre as vendas, contrariando tudo o que o governador disse durante a campanha eleitoral. Primeiro, quando derrubou o plebiscito, excluiu a população. Agora, exclui o Parlamento”, acusa a deputada Sofia Cavedon (PT).

Desde que apresentou o projeto para a derrubada do plebiscito, o governo passou a destacar que, durante a campanha, o então candidato Eduardo Leite (PSDB) deixou claro que ia vender as empresas, mesmo que nunca tenha falado em acabar com a consulta à população. Agora, somou às discussões a justificativa de que, se reenviar projetos para a Assembleia depois de receber a autorização, há a chance de que as discussões se estendam, com risco para a conclusão dos processos na atual gestão, o que inviabilizaria suas pretensões de aderir ao RRF para tentar desafogar as contas no curto prazo. O Piratini defende que a modelagem, a cargo do BNDES, vai durar pelo menos um ano e meio, o que significa que estará concluída, em uma perspectiva otimista, no final de 2020. E coloca no cálculo os desgastes que acompanham todos os governos a partir do segundo ano do mandato, as eleições municipais de 2020 e as articulações para o pleito de 2022.

Eleições

As eleições de 2020 são mais um dos motivos a apressar o Piratini. O entendimento é de que todo o esforço deve ser feito para aprovar as autorizações antes do recesso porque, a partir do segundo semestre, os parlamentares começam a se movimentar para o pleito do próximo ano, quando vários deles pretendem disputar as prefeituras de suas cidades. E, então, não vão querer carregar eventuais desgastes que aparecerão em relação às privatizações.

Entre eles, já há uma certa concordância a respeito da frustração da expectativa em relação ao total que o governo vai efetivamente embolsar com as alienações. Parlamentares de diferentes partidos avaliam que o montante dificilmente ultrapassará os R$ 3 bilhões, considerado baixo. “É um cafezinho, um nada, na comparação com o que devemos para a União”, adianta um integrante da base governista. A dívida do Estado com a União é de R$ 63 bilhões e, em função principalmente dos termos do contrato original, não para de crescer.

O principal fator a ‘achatar’ o valor a ser recebido está ligado ao grupo CEEE, e ajuda a engrossar o coro dos que se colocam contra a venda. Nesta semana, representantes da Fundação CEEE (a fundação privada de previdência complementar que se constitui hoje no maior fundo de pensão do Estado) estiveram em diferentes bancadas da Casa detalhando os valores dos compromissos previdenciários que deverão ter o pagamento integralizado, à vista, em caso de troca de controle acionário. Em valores atuais, eles correspondem a R$ 1,2 bilhão.

A diferença de R$ 300 milhões (a menos) em relação aos números apresentados pelo Executivo se deve ao fato de que o governo concluiu seu levantamento há alguns meses, usando como referência o dado de dezembro de 2018. “O montante é flutuante porque são compromissos previdenciários. Um rendimento acima do mínimo atuarial significa que há uma sobra e ela abate a dívida. A rentabilidade obtida entre janeiro e maio é o que explica a diferença”, informa a presidente do Conselho Fiscal da entidade, Janice Gambetta.

A dívida de ICMS, que se avolumou desde que, no segundo semestre de 2017, a direção da empresa decidiu deixar de efetuar os repasses relativos às parcelas do imposto, soma mais R$ 1,8 bilhão, conforme números do governo. Já o custo da folha de pagamentos dos ex-autárquicos, pensionistas e diretores, segundo dados da Comissão de Empregados do Grupo CEEE, é de R$ 144,4 milhões ao ano. A despesa não deverá se extinguir com a privatização e sim ser incorporada à folha de pagamento do funcionalismo estadual.


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