"Não há ideologia para tanto partido", afirma José Ivo Sartori

"Não há ideologia para tanto partido", afirma José Ivo Sartori

Governador eleito do RS analisou situação do Estado e do país

Flávia Bemfica

Sartori criticou número excessivo de partidos, defendeu o fim das coligações na chapa proporcional e pediu a criação de cláusula de barreira, durante entrevista exclusiva

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Eleito para governar o RS com 61,2% dos votos válidos, o peemedebista José Ivo Sartori passou os últimos dias atendendo à imprensa e agradecendo aos eleitores. Ele já começou a montagem do quebra-cabeça do novo governo, mas, cauteloso, guarda nomes e articulações. Depois de corrida cheia de reviravoltas, na qual passou de azarão a vencedor, viajou nessa terça-feira para curto período de descanso. Antes, concedeu entrevista ao Correio do Povo, analisando a situação do Estado e do país.

Correio do Povo: A campanha no país foi agressiva e a disputa acirrada. O senhor está entre os que acreditam que o Brasil está dividido?
José Ivo Sartori: Não dá para negar que a oposição cresceu. Em compensação, a eleição legitimou a presidente Dilma (Rousseff). O que importa agora é todos torcermos para que as mudanças econômicas, sociais e políticas que serão efetivadas atendam às necessidades do país. Ninguém vai apostar contra o Brasil. A eleição já foi. Ela foi discutida e debatida. Agora, é outro caminho, o de desejar prosperidade, desenvolvimento econômico e diminuição do processo inflacionário. Acredito que a presidente reeleita vai criar condições, dar um novo élan. Com certeza haverá nova equipe, um novo dinamismo, nova orientação. Acredito que ela terá a grandeza de governar com todos os brasileiros.

CP: Qual será o papel do seu partido, o PMDB? Ele reelegeu o vice, fez o maior número de governadores, entre os quais o senhor, a maior bancada na Câmara...
Sartori: Vai ter muito debate interno em função das eleições e também porque há um desejo de que o partido tenha outra postura, que seja mais proativo. Há uma exigência da sociedade, que deseja uma política diferente, uma forma de trabalho diferente. O partido precisa construir programaticamente outro tipo de atuação e de envolvimento. Mais inserido socialmente. 

CP: No RS, o atual governo formou um grupo com poucas pessoas para a transição. O senhor também indicará um núcleo pequeno de transição?
Sartori: Sim, colocaremos paritariamente. Ficamos de conversar na semana que vem. Agora o processo é esse, conhecer de lado a lado as situações, com serenidade.

CP: Seu grupo de transição será pluripartidário?
Sartori: Evidente que quanto mais diverso for, melhor.

CP: Já há muita pressão entre os partidos a respeito da formação de seu governo?
Sartori: Absolutamente não.

CP: O início da pressão não é uma questão de tempo?
Sartori: Não. O mundo mudou, a sociedade mudou e há uma exigência para que a política mude. Eu, como governador, espero ter as condições possíveis, dentro da liberdade que me é dada, para escolher os nomes adequados. E anunciarei isso só depois de 15 de dezembro. A imprensa tem o direito de especular, mas sou muito cuidadoso. Evito expor nomes ao público, sob pena de que depois alguém saia machucado. Se dependesse de algumas áreas, aí já teríamos todo o Secretariado escolhido.

CP: Será uma escolha coletiva, com reuniões de discussão com os partidos?
Sartori: Não, não é o meu estilo fazer isso. Quanto mais discussão, pior fica. Tem que ter calma, paciência, tolerância e não expor nomes. Será um Secretariado com envolvimento público, social e adequado à realidade das Pastas. Nem sempre é tudo 100%. Vai ser um governo com diferenças. Mas os que dirigem vão precisar estar sintonizados com o plano de governo, com prioridades escolhidas. Eu, como governador, não serei proprietário do Estado. E os secretários não serão proprietários das Pastas.

CP: O que o senhor vislumbra como o maior desafio?
Sartori: Devolver para a população a confiança que ela nos dirigiu com um governo transparente, que fale a verdade, e que diga das dificuldades. Para quem recebe, é muito bonito, mas também dá uma responsabilidade muito grande. Os gaúchos e gaúchas foram extraordinários, me deram uma confiança que me emociona.

CP: O senhor sempre destaca o equilíbrio e o respeito. Mas esta foi uma eleição marcada por muitas demonstrações de intolerância, desrespeito e até ódio. Às vezes, por parte de alguns de seus aliados. Isso passou?
Sartori: Eu mesmo às vezes saí do tom. Procurei ser sempre educado e pacífico, mas há momentos em que você precisa ter atitude. Essa questão de quem provocou primeiro, quem começou... é aquela história do ovo e da galinha. Agora são questões superadas. É outro momento. Temos é que olhar para a frente e garantir novas possibilidades. O que precisamos mudar é a sociedade brasileira. Eu tenho visto que a Dilma também abraçou essa posição. Os partidos precisam de programa e definição político ideológica.

CP: O senhor tem o apoio de 19 partidos...
Sartori: E assim mesmo tenho tranquilidade de dizer que não há ideologia para tantos partidos. Não vou deixar de ser agente político e, como governador, defender minhas posições. Deste jeito não pode continuar.

CP: Hoje todos defendem a reforma política. Quais pontos de uma reforma o senhor considera mais importantes?
Sartori: O primeiro de todos é o fim das coligações na chapa proporcional e, em seguida, cláusula de barreira. Senão é esta parafernália que está aí. A reeleição, a tendência que se vê é que já se tornou inadequada. Também é necessário garantir que as minorias ideológicas tenham seu espaço. Apesar de elas, hoje, se assemelharem aos outros partidos. Os partidos ficaram muito iguais e por isso há um deslocamento para os personagens. Os partidos precisam de muito mais afirmação.

CP: E o financiamento público?
Sartori: Vi tanta gente defender o financiamento público e fazer campanhas que não consagram esse espírito. Acho que a mescla das duas coisas (financiamento público e privado) pode ocorrer. O que é necessário é um maior controle, mas que não seja impeditivo de divulgação.

CP: Poderia haver um limite para o financiamento privado?
Sartori: Sim, um limite exequível. Existe muita incoerência na abordagem desta discussão. Acho que a representatividade parlamentar tem que ser modificada, de forma a que, por exemplo, no Congresso, os deputados sejam mesmo os representantes da sociedade. E não podemos esquecer a reforma do papel do Estado. Que o federalismo não seja este distorcido que temos.

CP: O senhor é a favor do plebiscito para a reforma política?
Sartori: O plebiscito é muito mais natural no sistema parlamentarista. No presidencialismo, para algumas questões, pode ser. Para outras, se arriscarem, derrotam até quem deseja o plebiscito. Para a reforma política, acho que não precisaria. Ela só sai se o governo quiser.

CP: O senhor vai buscar o PDT e o PTB?
Sartori: Sou pobre, mas não sou orgulhoso. De todos os partidos que estão conosco vou aceitar ajuda. Ainda é muito cedo, vamos deixar a poeira baixar. O máximo que eu consegui fazer até agora foi na segunda-feira chegar perto do lugar onde eu nasci. Eu fui a Caravaggio (o santuário de Nossa Senhora do Caravaggio, em Farroupilha).

CP: O senhor é muito religioso?
Sartori: A religiosidade aqui, lá ou em outro lugar, tem a característica de formação cultural das pessoas, e isso é preciso respeitar, porque faz um balanço entre a vida que a pessoa tem e a que ela deseja.



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