Prefeitura quer usar fundo da capitalização para pagar pensões do sistema de repartição

Prefeitura quer usar fundo da capitalização para pagar pensões do sistema de repartição

Justificativa utilizada pelo executivo de Porto Alegre é o alto custo da transição entre os dois regimes

Flavia Bemfica

Prefeitura pretende usar fundo da capitalização para pagar pensões

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A capitalização, regime previdenciário que o governo federal vai voltar a propor como regra geral no país, está no centro de nova polêmica na administração do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB). O debate envolve o projeto de lei complementar do Executivo 007/2019, enviado para a Câmara dos Vereadores no final de julho. A proposta prevê a transferência de 1.029 pensões oriundas de mortes ocorridas até 31 de dezembro de 1995 para dentro do regime de capitalização dos servidores municipais, criado em 2001. Se a mudança for aprovada, o fundo capitalizado, que tem recursos sendo aprovisionados desde quando os servidores foram divididos entre os dois regimes – de repartição simples e de capitalização – poderá ser usado para pagar parte das pensões do regime de repartição.

Na justificativa do projeto, a prefeitura argumenta que a medida é uma forma de conter “o alto custo de transição” de um regime para o outro, projeta que o regime de repartição terá déficit de R$ 1,4 bilhão em 2019, e que o ápice do déficit ainda está por vir: acontecerá em 2027. O fundo capitalizado, conforme a última prestação de contas, realizada em julho pelo comitê de investimentos ao conselho, tem estocados R$ 2,3 bilhões.

No regime de repartição simples as contribuições atuais recolhidas de empregados e empregadores custeiam o pagamento dos benefícios previdenciários. Quando as receitas são menores do que as despesas, o gestor do sistema faz aportes financeiros para manter o equilíbrio. No caso da prefeitura, o argumento do Executivo é de que não há contribuições atuais, pois os servidores que ingressaram a partir de 2001 passaram a integrar o regime de capitalização. O aporte financeiro é feito pelo caixa geral do município.

Na semana passada, na nota pública que lançou em função da exoneração da ex-procuradora-geral, a Associação dos Procuradores do Município (APMPA), classificou a proposta do Executivo como “pedalada fiscal”, destacando que não houve exame prévio do projeto por parte da PGM. Parecer emitido por procuradora integrante da Procuradoria Municipal Especializada Autárquica/Previmpa, datado de 23 de julho, aponta que há vedação em lei federal para a alteração pretendida, que o fundo do regime capitalizado só pode ser usado para custear pagamento de benefícios do próprio regime, e que inexiste manifestação do governo federal ou análise da viabilidade jurídica.


Entenda o caso

Em Porto Alegre, a instituição de um regime de capitalização que se somasse a um regime já existente de repartição simples para servidores municipais ocorreu a partir das leis complementares 466/2001 e 478/2002. Ficaram no regime de repartição simples as aposentadorias e pensões que ele já sustentava, as pensões futuras deixadas pelos então aposentados e os servidores que ingressaram até 10 de setembro de 2001. Os que ingressaram a partir da data foram para o regime de capitalização. Nele, tanto as contribuições patronais como as dos funcionários passaram a constituir um fundo, que sustenta o pagamento dos benefícios. Segundo dados do Executivo municipal, em maio o regime de repartição simples possuía 6.461 servidores ativos, 11.299 aposentados e 4.524 pensionistas.

Recentemente, a Câmara dos Deputados recusou a parte da Reforma da Previdência proposta pelo governo Jair Bolsonaro que estabelecia um regime de capitalização para futuramente suceder o RGPS. O principal argumento foi o alto custo da transição. O governo anunciou que enviará um novo projeto com a capitalização. 

Em regimes próprios de previdência de servidores públicos, a capitalização foi levada a cabo no passado recente em milhares de municípios e em vários estados, inclusive no RS, onde o regime foi instituído em 2011. O fundo capitalizado estocava, em maio, R$ 2,2 bilhões.

A iniciativa da Prefeitura de Porto Alegre, de acessar os recursos do regime capitalizado de alguma forma, não é inédita. Levantamento publicado no início do mês pelo jornal Folha de S.Paulo a partir do cruzamento de dados estaduais e federais aponta que pelo menos 12 estados que adotaram o regime capitalizado para parte dos servidores já extinguiram o modelo ou sacaram recursos para pagar benefícios e cobrir déficits.


Os embates envolvendo a PGM

A polêmica sobre acessar recursos da capitalização na previdência municipal é só uma parte do embate travado entre parte do núcleo do governo Nelson Marchezan Júnior (PSDB) e procuradores do município. No início deste mês, o Executivo confirmou a exoneração da procuradora-geral do município, Eunice Nequete. Nota pública lançada pela Associação dos Procuradores do Município (APMPA) informa que ela já havia anunciado a saída em maio. Abaixo-assinado de procuradores em 10 de julho externava a “preocupação com a situação institucional” da PGM.

No lugar de Eunice Nequete assumiu interinamente o adjunto, Nelson Marisco. A ex-procuradora-geral estava no posto desde junho de 2017. Oficialmente, saiu em função de motivos pessoais. Colegas de procuradoria, contudo, apontam que ela já estava demissionária desde agosto do ano passado.

Após seu afastamento, interlocutores do prefeito atribuíram a saída ao desgaste que Eunice Nequete estaria sofrendo entre colegas descontentes com o projeto do Executivo da mudança em gratificações nas carreiras, sancionado em junho. Foi então que a APMPA reagiu com a nota pública. No documento, a entidade nega que a exoneração tenha ocorrido por pressão corporativa e afirma que, dos projetos enviados ao Legislativo em julho, em “pelo menos 10 deles não houve exame prévio da legalidade, que é feito pela PGM, por meio de parecer jurídico.” 


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