Primeiro mês de mandato colocou governadores em xeque

Primeiro mês de mandato colocou governadores em xeque

Novos governos estaduais foram desafiados a conciliar o discurso de campanha com dificuldades econômicas e burocráticas do cotidiano político

Jonathas Costa e Ariadne Kramer

Em Minas Gerias, Romeu Zema exonerou seis mil cargos de comissão mas precisou rever a demissão de um terço dos profissionais devido ao impacto da decisão

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O desejo de mudança manifestado nas urnas em outubro do ano passado foi posto à prova no primeiro mês de 2019. Ainda que no Legislativo – poder em que a renovação nas assembleias estaduais, Câmara dos Deputados e Senado Federal alcançou 49%, 52% e 85%, respectivamente – os trabalhos tenham iniciado apenas em fevereiro, é no Executivo que os discursos e promessas tiveram que enfrentar a dura realidade de um cotidiano cheio de amarras políticas e burocráticas.

A partir de 1º de janeiro, 17 novos governadores e 10 reeleitos buscaram imprimir um estilo pessoal que respondesse aos anseios das ruas e da Internet.

Bastante pautados pelo ambiente virtual durante a campanha, alguns governadores passaram a utilizar as redes sociais como o principal canal de comunicação com os eleitores. Considerado veterano nesse meio após dois anos à frente da prefeitura de São Paulo, o agora governador João Dória é quem acumula o melhor desempenho. Foram quase 6 milhões de visualizações em seus vídeos apenas no Facebook. Ratinho Júnior (PR), Romeu Zema (MG) e Ronaldo Caiado (GO) também acumularam milhões de visualizações de seus conteúdos on-line.

Mas é fora das redes que as dificuldades se apresentaram. Durante a campanha eleitoral, o discurso de agilidade para implantar as mudanças prometidas pautou a maioria dos candidatos. Uma vez empossados, contudo, a realidade se mostrou mais complicada. Crise fiscal, salários de servidores atrasados, dívidas com fornecedores e atrasos em repasses para prefeituras são apenas alguns dos inúmeros problemas herdados pelos novos governadores.

Enfrentando uma grave crise econômica, as primeiras ações da grande parte dos estados brasileiros foi o corte de gastos com despesas de pessoal. No Mato Grosso, o governador Mauro Mendes (DEM) exonerou dezenas de servidores nos primeiros dias no Palácio Paiaguás, em uma ação repetida ao longo de boa parte da primeira quinzena de janeiro. A meta de corte inicial era de 20% dos cargos comissionados, mas as exonerações extrapolaram as expectativas. Após as demissões em massa, Mendes decidiu recontratar alguns servidores.

Para o cientista político Paulo Moura, demissões de cargos comissionados nem sempre são ações eficientes para combater crises fiscais. Ele explica que o funcionário pode ter recebido o cargo como função gratificada. “O servidor pode ser um funcionário de carreira que recebe uma gratificação para um cargo de coordenação. Muitas vezes ele detém conhecimento sobre certas áreas da gestão e quando você o exonera, pode provocar uma descontinuidade do serviço”, alerta. E foi justamente este o impacto gerado em Minas Gerais.

No segundo dia de governo, Romeu Zema (Novo) assinou um decreto dispensando todos os ocupantes de cargos de comissão. No decreto, 6 mil pessoas foram desligadas dos quadros do Executivo. A dispensa em massa acabou afetando os serviços públicos e prejudicou a abertura de equipamentos culturais e procedimentos administrativos. Alguns dias depois, Zema cancelou a exoneração de quase um terceiro dos demitidos, reconduzindo-os ao governo até que cada caso seja analisado individualmente.

Para o doutor em Ciência Política Luis Gustavo Mello Grohmann, a demissão em massa e em seguida a recontratação dos profissionais mostra um claro despreparo da gestão. “Fica evidente que o sujeito não sabe o que está fazendo, que não conhece a máquina pública e nem seus problemas internos e não é capaz de assegurar uma assessoria de qualidade. Talvez a grande característica nessa renovação que se deu na política brasileira, na última eleição, seja justamente que existe muita gente nova que não têm círculos formados nem conhecimento como o processo político de gerência do estado”, explica. Além da redução do quadro de servidores comissionados, em sua reforma administrativa, Zema propôs a redução de secretarias, empresas, autarquias e fundações, cuja economia, ainda segundo o governo mineiro, pode chegar a R$ 1 bilhão nos próximos quatros anos.

Outro governador que precisou reavaliar o discurso de campanha foi Antônio Denarium (PSL). Depois de garantir inúmeras vezes que não abriria concursos públicos em Roraima e de chegar a anunciar a suspensão dos processos já marcados, ele cedeu a pressão e liberou a realização das provas devido à falta de efetivo da polícia militar.

O enxugamento de estrutura foi uma das ações mais repetidas de norte a sul do Brasil. Pelo menos dez estados anunciaram redução de cargos de confiança e sete diminuíram secretarias e implementaram teto de gastos. No Paraná, o governador Ratinho Jr. reduziu o número de secretarias de 28 para 15, cortou 20% das despesas de custeio e revisou contratos que, segundo ele, economizarão R$ 22 milhões ao ano. Ratinho também congelou o próprio salário e de seu vice, além de encaminhar uma proposta de emenda para acabar com a aposentadoria de ex-governadores.

Já no Espírito Santo, além do enxugamento de estrutura, Renato Casagrande (PSB) suspendeu a realização de qualquer evento por parte do governo e determinou que os servidores passem a utilizar o telefone pessoal para trabalhar. A venda de imóveis e veículos também entrou na mira dos cortes. Em Santa Catarina, o estreante na política Comandante Moisés (PSL) abriu licitação para que o transporte de funcionários deixe de utilizar frota própria para aderir aos aplicativos, além de determinar a digitalização de todo o governo, em uma tentativa de buscar economia até mesmo de papel.

Tom conciliador no RS

Com uma das maiores dívidas do país, o Rio Grande do Sul mudou de governo mas não de realidade fiscal em 2019. Eduardo Leite (PSDB) também usou os primeiros dias a frente do Palácio Piratini para anunciar medidas de contenção de gastos – e não ficou imune aos recuos. O corte de horas extras inicialmente a ser implementado na estrutura de todo o Estado, teve que ser reavaliado para não impactar no trabalho da Brigada Militar e Polícia Civil. Mas a disposição em dialogar do novo governador, inclusive com a oposição, chamou a atenção.

Para Grohmann, a atitude é algo novo na governança gaúcha. “Ele acerta em propor diálogo. É uma mudança de postura que a gente não viu no governo anterior e não vê na Prefeitura”, avalia. Ainda que possa ser cedo para análises mais assertivas, o especialista acredita que o eleitor já consegue perceber uma diferença entre os dois governos, mesmo com agendas semelhantes. “A população enxerga algumas coisas muito pelo que a rede social e a mídia em geral veicula, por mais que concorde ou não com as decisões”, pondera, ao destacar justamente a importância das redes sociais para os novos governos.

Para ele, as mudanças na forma de se comunicar direto com os eleitores são importantes, mas é preciso observar que a partir de agora direita e esquerda passarão a utilizar as ferramentas para ampliar seu campo de alcance. “Os grupos sociais e políticos vão começar a agir, pois viram que as redes deram certo. Não será apenas um dos lados a utilizá-las. O que resta saber é se a população continuará utilizando. A sociedade é viva e se transforma ao longo do tempo. Assim como hoje sua importância é alta, ela pode ficar baixa amanhã. Ela [a rede social] não vai sair tão cedo de cena, mas talvez possa ter seu efeito minimizado, já que todos vão começar a usar”, explica.

Segurança em pauta

A crise econômica não foi o único motivo a tirar o sono dos novos governadores. O histórico problema com a segurança pública também pautou boa parte das candidaturas eleitas em outubro e recebeu especial atenção no primeiro mês de gestão. São Paulo, Rio de Janeiro, Alagoas, Espírito Santo e Ceará lançaram programas específicos para tentar atender as carências na área. No Rio, Wilson Witzel (PSC) adotou um duro discurso contra a criminalidade e chegou a anunciar que pessoas que estivessem portando fuzil seriam abatidas por policiais. Atendendo a uma promessa da campanha, Casagrande anistiou policiais grevistas no Espírito Santo e manteve o concurso público da Polícia Civil capixaba. Também com foco na ampliação do policiamento de rua, Dória lançou o “São Paulo mais seguro”.

Mas foi no Ceará que as ações de segurança receberam uma aplicação mais contundente, o que gerou uma reação igualmente hostil. Camilo Santana (PT) afirmou que não reconheceria a divisão de facções dentro dos presídios e implementou um pacote de medidas envolvendo horas extras para policiais, ampliação de vagas em casas prisionais e acordos com estados e União para cedência de efetivo. Grupos de criminosos passaram a promover ataques a tiros ou com explosivos em diversas cidades na tentativa de intimidação, o que levou a reação do Governo Federal com o emprego da Força Nacional no estado.

Na contramão

Se cortes e enxugamentos dão o tom da largada da maioria dos governos, no Maranhão os primeiros anúncios de 2019 surpreenderam. Na cerimônia de posse, o governador Flávio Dino (PCdoB) lançou o Cheque Cesta Básica Gestante, que promete devolver para famílias carentes valores do ICMS cobrado de produtos da cesta básica. Além disso, decretou a renovação do Cheque Minha Casa, usado para reformar ou ampliar moradias para famílias de baixa renda. Além dos programas sociais, outros dois decretos foram assinados. Um deles garante bolsas para desenvolvimento de empresas starups.


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