Privatização da Corsan tem semana decisiva no Tribunal de Contas

Privatização da Corsan tem semana decisiva no Tribunal de Contas

Primeira Câmara vai apreciar processos que incluem venda e valor da alienação, enquanto Pleno julgará deliberações do presidente que permitiram assinatura do contrato

Flavia Bemfica

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O Tribunal de Contas do Estado (TCE) volta nesta semana a concentrar as atenções a respeito da finalização da privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). Na terça-feira à tarde a Primeira Câmara da Corte, composta por três conselheiros mais o representante do Ministério Público de Contas (MPC) junto ao Tribunal, julgará o processo de contas especiais da companhia dentro do qual a conselheira-substituta Ana Cristina Moraes manteve a cautelar que impede a assinatura do contrato de venda da Corsan e ainda, o que trata do valor de venda da empresa.

Na tarde do dia seguinte, será a vez de o Pleno do TCE, composto por sete conselheiros, julgar as decisões tomadas pelo presidente da Corte, conselheiro Alexandre Postal, que acatou solicitação da Procuradoria-Geral do Estado, e derrubou duas vezes a cautelar que impedia a assinatura. As sessões do Pleno também têm a participação do MPC, que sempre se manifestou pela manutenção da liminar até o julgamento do mérito.

As movimentações na Corte de Contas em relação ao processo da Corsan já haviam atraído os holofotes, em função de ser ali a instância em que persistiam os embargos à assinatura do contrato de venda. O ineditismo dos últimos lances protagonizados no Tribunal, contudo, acabou por aumentar ainda mais a atenção sobre a Corte, na qual a indicação da maioria dos conselheiros cabe ao governador que esteja no cargo quando da aposentadoria dos titulares, mas onde há um grande esforço em transmitir uma imagem de transparência, imparcialidade e discrição.

Por isto, em função dos últimos movimentos, há hoje internamente entre as partes interessadas e dentro do próprio Tribunal dúvidas sobre o quanto as decisões desta semana poderão encerrar de fato o imbróglio no qual se transformou a venda da companhia ou se, ao contrário, contribuirão para adicionar mais elementos a possíveis questionamentos futuros em outras esferas. As decisões do presidente da Corte, por exemplo, viabilizaram a assinatura do contrato de venda, concluindo na prática a privatização. Mas motivam, ao mesmo tempo, um debate com diferentes interpretações jurídicas sobre sua validade, o que acabou por adicionar mais combustível a um processo marcado por questionamentos sobre a transparência da venda e a influência de relações políticas sobre seu desfecho.

As idas e vindas da venda da companhia de saneamento na Corte

A Corsan foi adquirida em leilão realizado em dezembro. Nele, em lance único, o Consórcio Aegea adquiriu a companhia por R$ 4,1 bilhões. Criada em 2010, a Aegea atualmente é líder no setor privado de saneamento no país e tem em sua composição acionária o Grupo Equipav (52,77%), o GIC Private Limited, antes conhecido como Fundo Soberano de Cingapura (34,34%), e a Itaúsa (12,88%).

Ainda em dezembro, a conselheira-substituta do TCE Daniela Zago, então relatora do processo de contas especiais da Corsan no Tribunal, atendeu a pedido do MPC e concedeu medida cautelar determinando que o governo do Estado se abstivesse de ultimar os atos de assinatura do contrato de compra e venda das ações da companhia.  

No centro do imbróglio sobre a alienação dentro do processo estão sete pontos. São eles: os questionamentos sobre o valor de venda (valuation); os dados utilizados sobre os investimentos necessários e a capacidade da Corsan de fazê-los; o percentual efetivo de cobertura do esgoto antes da alienação das ações; as consequências de aditivos contratuais assinados com 107 prefeituras; a ocorrência ou não de informação privilegiada; e a inexistência de cláusula expressa para a atualização monetária dos valores da proposta no período entre a homologação do leilão e a realização do contrato. 

Em 5 de julho o presidente do TCE, conselheiro Alexandre Postal, derrubou a cautelar, valendo-se do inciso XXXII do Artigo 17 do Regimento Interno da Corte. Ele prevê que o presidente pode “suspender, em caráter excepcional, havendo urgência, a execução de medida acautelatória concedida ou de efeito suspensivo agregado a recurso, submetendo o ato a referendo do Tribunal Pleno na sessão ordinária subsequente.”

Postal acatou argumentação da PGE de que o expediente é recorrente em decisões de tribunais como o STF, o STJ e o TJRS. Citou previsões estabelecidas nas leis federais 8.437/92 e 12.016/2009 (a primeira trata da concessão de tutela antecipada contra o poder público e, a segunda, do mandado de segurança individual e coletivo) e no regimento interno do Tribunal de Justiça. Valeu-se ainda de relatórios da Supervisão de Auditoria Estadual do TCE sobre o caso. E salientou que não estava mudando ou revogando a medida acautelatória, mas apenas suspendendo seus efeitos vigentes.

Em 6 de julho a atual relatora do processo no TCE, conselheira-substituta Ana Cristina Moraes, externou sua discordância em relação à interpretação do presidente e manteve a cautelar. Ela considerou que o pedido de suspensão de execução de medida acautelatória, embora previsto regimentalmente, carece de validade no âmbito do Tribunal. “Como se observa, a aplicação da normativa encontra-se condicionada à regulamentação do procedimento, o que não se verifica no caso presente.”

A relatora também rebateu a interpretação dada ao previsto nas leis 8.437/92 e 12.016/2009. “Não bastasse isso, não se observa no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de um órgão jurisdicional suspender uma medida cautelar proferida por órgão jurisdicional do mesmo grau de jurisdição.”

Moraes assinalou que mesmo que fosse admitido tal expediente na Corte de Contas, no mérito o dispositivo não poderia ser aplicado porque o pedido de suspensão é voltado à proteção do interesse público e “no caso em questão não se verifica perigo de dano ao interesse público, nem ao resultado útil do processo.” Ao final, lembrou que o processo de contas especiais da companhia estava pautado para julgamento do Pleno desde 4 de julho, e que o referente ao seu valuation havia sido pautado naquele mesmo 6 de julho.

Em 7 de julho Postal suspendeu novamente a cautelar, destacando seu objetivo de “permitir a realização dos atos de assinatura de compra e venda das ações da Corsan.” No final daquele dia, o governo do Estado assinou o contrato com a Aegea e recebeu o valor correspondente à venda. O presidente determinou ainda que a decisão deveria ser submetida a referendo do Pleno em sua sessão ordinária subsequente.

A sessão seguinte à decisão aconteceu na semana passada, mas o processo da Corsan não foi apreciado, o que motivou novos constrangimentos na Corte. A não inclusão na pauta foi cobrada pelo conselheiro Estilac Xavier e pelo procurador do MPC, Geraldo Da Camino, enquanto a conselheira-substituta Ana Cristina Moraes classificou a decisão de Postal como parcial. O presidente respondeu que quando da sua decisão a pauta já estava fechada e que agiu conforme o regimento.


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