Proposta de Reforma da Previdência divide o Brasil

Proposta de Reforma da Previdência divide o Brasil

PEC 247 é rejeitada por parcela significativa da população

Flávia Bemfica

Proposta de Reforma da Previdência divide o Brasil

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Após conseguir aprovar e promulgar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, que limita o teto dos gastos nos próximos 20 anos, o presidente Michel Temer (PMDB) agora se empenha em fazer tramitar rapidamente no Congresso a Reforma da Previdência, prevista em outra PEC, a 247.

• Discussão sobre déficit na Previdência é antiga

Sob o argumento de que uma medida é ineficiente sem a outra, e com o discurso de que ambas são fundamentais para evitar a “grecialização” do país, o Executivo tem pressa, mas a discussão da reforma é complexa, dividiu a sociedade e vem sendo rejeitada por parcelas significativas da população. Elas questionam, entre outros pontos, a manutenção de brechas que aumentam as vantagens de determinadas categorias de servidores e a forma como o governo utiliza os recursos que devem financiar o sistema de seguridade social.

E, ainda, o fato de políticos que propõem as mudanças possuírem já aposentadorias vultosas ou contribuírem para regimes diferenciados, que lhes garantem tanto tempos menores de contribuição como benefícios muito superiores aos que têm direito os “cidadãos comuns”.

Governistas e setores da sociedade que defendem a reforma, como entidades empresariais e organizações como o Movimento Brasil Livre (MBL), concentram o debate na questão previdenciária e não na seguridade social como um todo.

Os partidários da proposta que chegou à Câmara dos Deputados usam projeções do IBGE para destacar que o rápido envelhecimento da população resultará em um regime insustentável em médio e longo prazo e lembram que a maior parte dos países, principalmente na Europa, já reformou seus sistemas previdenciários. Eles argumentam que o atual sistema previdenciário é altamente deficitário, que a relação hoje é de aproximadamente dois contribuintes para cada beneficiário no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e alcançará um por um em 2040.

Sem reforma, terá mais beneficiários do que contribuintes até 2060. O governo projetou um déficit de R$ 181,2 bilhões para 2017, apesar de ter reduzido em R$ 449,3 milhões a previsão de déficit da previdência para este ano (de R$ 149,237 bilhões para R$ 148,78 bilhões). Já organizações ligadas à defesa de direitos sociais, entidades que representam trabalhadores e servidores e organizações como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apontam para retrocesso em direitos conquistados com a Constituição de 1988 e contestam o déficit.

Utilizando-se dos números do próprio governo, apresentam contas que mostram um sistema de seguridade social superavitário, no qual o superávit ficou pouco abaixo de R$ 20 bilhões no ano passado, e cuja sangria está relacionada também às desonerações previdenciárias, à sonegação e à má administração.

Destacam que o ônus da reforma recai sobre trabalhadores e as camadas mais pobres da população sem atingir o bolo de isenções concedidas a setores empresariais ou prever um combate efetivo aos sonegadores. E argumentam que, além de as reformas feitas nos países desenvolvidos preverem mudanças nos tempos de contribuição em prazos bem mais alongados, é um equívoco comparar as condições do mercado de trabalho brasileiro às de países desenvolvidos da Europa porque os sistemas de proteção social são completamente diferentes.

A necessidade ou não de uma reforma e projeções de como financiar o sistema no futuro divide também economistas e especialistas em direito previdenciário, que chamam a atenção para diferentes pontos e convergem sobre parte deles, mas têm avaliações distintas em outros.

“É verdade que o envelhecimento da população gera impacto, que o déficit existe, que há distorções a serem corrigidas e que é preciso uma reforma. Mas avalio que o governo está propositadamente pedindo o máximo para poder negociar. Porque, se sua proposta é de fato a que foi apresentada, então ela representa um total desconhecimento da realidade social do país”, afirma o desembargador do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e professor de Direito Econômico e do Trabalho da Faculdade de Direito da Ufrgs Francisco Rossal de Araújo.

Na análise do desembargador, mesmo que “tudo estivesse certo”, uma reforma precisaria ser feita porque o sistema previdenciário, relacionado às características demográficas, precisa de adaptações de tempos em tempos. “O problema é que cada um defende apenas a parte que lhe interessa.

A reforma proposta não atinge desonerações previdenciárias e passa longe de impor que o governo use os recursos de forma mais responsável. Mais do que isso, é necessário que a sociedade seja informada e faça um debate franco, honesto, sobre as barganhas políticas e sobre se as contrapartidas estabelecidas para as desonerações são ou não cumpridas. A reforma é necessária, mas precisa ser boa para o país”, alerta.

á a advogada Fabrícia Dreyer, professora de Direito da Previdência e Assistência Social da Faculdade Escola Superior do Ministério Público (FMP) discorda da existência do déficit e considera que a proposta elaborada pelo governo “desvirtua” o caráter da previdência, regido pelo princípio da solidariedade, inserindo o “caráter lucrativo”. “A previdência não é deficitária, não há como ser deficitária e jamais se tornará deficitária. Explico: todo benefício previdenciário deve ter fonte de custeio prévia, logo, se há prévia fonte de custeio, não há razões para alterar regras que amparem a concessão de benefícios anteriormente previstos. Seguridade Social não é banco. Não pode visar lucro. As reformas não respeitam a natureza jurídica do sistema, que tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”, enumera.

No entendimento da especialista, o problema não são as contas, as contribuições ou a concessão dos benefícios, mas sim a má gestão dos recursos. “O regime é altamente sustentável”, resume. Outro ponto para o qual ela chama a atenção é essência de inconstitucionalidade da proposta, “O artigo 201 da Constituição prevê a preservação do equilíbrio financeiro e atuarial. Não há como visualizar equilíbrio no momento em que se passa a exigir de um contribuinte 49 anos de efetiva contribuição para que este possa se aposentar com a integralidade dos vencimentos”, adverte.

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