"Regulação deve envolver conteúdos", diz Paulo Pimenta

"Regulação deve envolver conteúdos", diz Paulo Pimenta

Em entrevista exclusiva ao Correio do Povo, ministro da Secom aponta desafios do debate sobre plataformas digitais

Taline Oppitz e Mauren Xavier

Em entrevista exclusiva ao Correio do Povo, ministro da Secom aponta desafios do debate sobre plataformas digitais

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Responsável por uma das áreas mais delicadas do governo, o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Paulo Pimenta, defendeu que a regulação da mídia, tema antigo e polêmico, deve ser ampliada, abrangendo não apenas a questão do monopólio, mas também do conteúdo. Em entrevista exclusiva ao Correio do Povo, Pimenta falou ainda dos planos do terceiro governo Lula e da relação com o Congresso Nacional. A seguir os principais trechos.

Correio do Povo: Ministro, como o senhor encara a responsabilidade de assumir uma secretaria, com status de ministério, em uma área tão delicada que é a comunicação e que ganhou outras proporções ao longo dos quatro anos do governo Jair Bolsonaro?

Paulo Pimenta: Vamos por partes. É uma secretaria que acabou ficando grande, porque incorporou parte do ministério das Comunicações. Ela tem várias atribuições, desde a comunicação institucional, a parte de imprensa, a internacional, a parte de publicidade, patrocínio e propaganda do governo e de toda Esplanada (dos Ministérios), além da questão do posicionamento, do cuidado com a imagem do governo, no Brasil e no Exterior. Então é uma secretaria responsável por construir a narrativa do governo, o discurso do governo. É de fato uma pasta que tem uma ampla e grande responsabilidade.

Além de área estratégica, abrange uma bandeira histórica do PT, que é polêmica e controversa: a regulação da mídia.

A regulação é um tema que está na Constituição, mas sempre foi um debate muito mais de natureza comercial, do que propriamente de conteúdo. Nosso debate sobre a regulamentação, que está na Constituição, é muito mais sobre o controle do monopólio, do monopólio cruzado. E, na realidade, hoje existe um outro debate. O de regulação de conteúdo é um debate que envolve as plataformas, as big techs, e que o mundo inteiro está fazendo.

E que envolve fake news?

Bem, qual é o debate da regulação hoje?

É a liberdade de expressão versus a censura?

Perfeito. Mas qual é hoje praticamente o consenso que tem se criado, não só no Brasil, mas com legislações, como na Austrália, Canadá e Alemanha. Temos regulação na Comunidade Europeia, temos o debate nos Estados Unidos. O Marco Civil da Internet, no artigo 14, diz que as plataformas não têm responsabilidade pelo conteúdo que elas veiculam, certo? E de certa forma a própria Justiça Eleitoral, quando determinou que conteúdos antidemocráticos fossem retirados sem decisão judicial, já deu uma resposta que essa redação é insuficiente. Então, hoje não existe um debate sobre conteúdo, existe um debate sobre conteúdo ilegal, criminoso. E esse conteúdo envolve basicamente três setores: a democracia, a saúde pública e a defesa do consumidor.

Hoje, no mundo inteiro se debate que o conteúdo criminoso ilegal traz prejuízo à sociedade. Quer dizer, alguém dizer que a Terra é plana é uma fake news. Mas do ponto de vista objetivo, ela não mata ninguém. Não é um golpe contra ninguém. Mas quando você publica um conteúdo ilegal, criminoso, que leva ou não um dano à democracia, à saúde pública ou à defesa do consumidor, você está cometendo um crime. Na maioria dos países, há uma distinção entre postagens. Por exemplo, você faz uma publicação que é uma opinião. Mas, se impulsionar ou monetizar esse conteúdo, é mídia. Então, há uma distinção entre opinião meramente de alguém, como contra as urnas eletrônicas.

Agora, produzir conteúdo e impulsioná-lo, sustentando que a eleição foi fraudada, é crime e recebe um tratamento de mídia. Então, a tendência é que o Brasil avance para uma regulação das plataformas que faça distinção clara entre liberdade de expressão e conteúdo ilegal. E que, ao mesmo tempo, busque distinção entre mera opinião e conteúdo impulsionado ou monetizado.

Considerando suas avaliações, como o senhor vê a postura do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, que tomou decisões monocráticas que geraram conflitos políticos e divergência jurídicas, de retirar do ar posts ou bloquear contas, de lideranças ou não, em função do conteúdo das mensagens?

Primeiro lugar, nunca é bom que uma decisão como essa seja tomada como uma norma provisória, precária, emergencial. Este tipo de questão, por ser tão polêmica e tão delicada, precisa ser fruto do quase consenso que a sociedade deve produzir. Então, queremos fazer um grande debate na sociedade, com a participação de todos, para que se produza um consenso e entendimento social a respeito dessa matéria, que é complexa e complicada. Diversos países estão procurando um ponto de equilíbrio. A distinção é a seguinte: você não pode ser impedido, não pode ser responsabilizado por ter uma opinião. Você pode ter opinião sobre o que quiser. O que a lei busca é impedir a produção de conteúdo ilegal, criminoso.

Durante a vigência do período eleitoral, a legislação determinava um conjunto de regras específicas que somente valiam para as eleições. Então, por exemplo, durante a campanha eleitoral é proibido fazer uma postagem para atacar alguém. A lei eleitoral sempre proibiu isso. Eu não posso fazer uma postagem impulsionada para atacar alguém.

Correto, mas a fiscalização deixa a desejar?

Mas o que acontecia até essa eleição? O procedimento para retirada desse conteúdo é muito lento. Você tinha que buscar isso. Em uma eleição de 45 dias, se leva 15 dias para retirar o conteúdo, o que cria um prejuízo irrecuperável. Então, a norma específica se deu por conta de regras específicas da lei eleitoral. Que exigem resposta de caráter cautelar para não criar o prejuízo irrecuperável. Este é o sentido da decisão da lei eleitoral. Agora, o que temos que ter, é uma lei perene, com segurança jurídica, que dê tranquilidade. Por isso temos que buscar um caminho amplo de debate na sociedade.

Então, o senhor acha que o melhor caminho é fazer um debate, e o Executivo apresentar um projeto de lei, fazer alguma coisa com a colaboração dos outros poderes? E se vier do Congresso, é confiável? O projeto pode entrar de um jeito e sair completamente diferente?

Pode. Mas acho que o governo deve ser uma parte do debate. O Judiciário, o MP, as universidades, a academia, as plataformas, os usuários, todos nesse momento, devem apresentar suas opiniões. Construímos aquilo que chamo de consenso progressivo. Quer dizer, até onde a sociedade brasileira está madura e disposta a ir. Uma legislação começa, e essa tem que ser muito consensuada. E quando falo isso não tenho a expectativa de que 100% da população vá concordar, mas precisa ter uma imensa maioria de apoio. E isso, repito, é um debate que está sendo feito no mundo inteiro.

Hoje, praticamente cada país tem procurado encontrar o seu modelo, que preserve a democracia, o interesse público e, ao mesmo tempo, não colida com cláusulas pétreas da Constituição, como é o princípio da liberdade de expressão.

Acompanhando esses primeiros dias do governo Lula, algumas manifestações do presidente têm gerado muita polêmica, como sobre a autonomia do Banco Central. Como as manifestações impactam a gestão?

O Brasil tem o maior juro do mundo. O que o presidente Lula tem dito, e concordo, é que o Banco Central é responsável por executar as normas, as decisões do Conselho Monetário Nacional. O Conselho diz que o BC deve ter três objetivos: a defesa da moeda, que é o combate à inflação, os juros, e o pleno emprego. O Conselho não faz uma hierarquia. Ele diz que compete ao BC fazer uma política monetária. Evidentemente que o juro excessivo vai na contramão do pleno emprego, porque desestimula o setor produtivo. É um juro impeditivo. Temos quase uma crise de crédito porque as pessoas não querem pegar dinheiro. Então, acho que o presidente Lula consegue capturar o sentimento da sociedade. E que boa parte do empresariado produtivo brasileiro defende. Lula consegue expressar o sentimento, que é o da maioria da população, que quer ver o país crescer, gerar emprego.

Ministro, há uma cautela, já que o presidente Lula assume o seu terceiro mandato em meio a uma situação inédita, com cenários interno e externo completamente distintos dos mandatos anteriores?

Claro que a situação do Brasil é muito delicada. A economia do país foi muito abalada, não só pela pandemia, mas pela forma como ela foi conduzida. O governo anterior usou R$ 300 bilhões de dinheiro público durante a campanha eleitoral para tentar garantir a eleição. Houve um processo de verdadeiro saque de dinheiro público como jamais vimos no país. E isso criou uma situação gravíssima do ponto de vista do equilíbrio das contas públicas. Mas o presidente Lula é uma pessoa que tem enorme capacidade de compensação social, credibilidade internacional e capacidade de diálogo com o Congresso. Achamos que, por mais difícil que seja essa situação, temos plenas condições de ter uma resposta positiva, como o programa de obras paralisadas, no qual investiremos R$ 22 bilhões. Retomamos o programa Minha Casa Minha Vida, que há sete anos não assinava contratos no país. Lançamos o programa Fila Zero, para acabar com a espera de cirurgias eletivas. E vamos lançar, nesta semana, o novo Bolsa Família de R$ 600 e mais R$ 150 para cada criança de até seis anos. Estamos mostrando que é possível fazer essa roda girar o país. É dessa maneira que vamos trabalhar.

A pauta da Reforma Tributária é a prioridade?

A Reforma Tributária é mais um tema da sociedade do que propriamente do governo. O Brasil chegou no processo de esgotamento desse modelo, que desestimula. A guerra fiscal, a fragilidade das legislações tributárias, que criam ambiente de judicialização, tudo isso torna uma matéria fundamental e decisiva para o país. Acreditamos que as mudanças são prioridade, mas somente serão aprovadas se tivermos um ambiente social no Brasil que sensibilize o Congresso a tomar as medidas necessárias.

O senhor acha que parlamentares não vão continuar polarizando o debate?

Nós temos condições de compor essa base, e estamos trabalhando nesse sentindo, então temos condições compor uma maioria suficiente para aprovar essa reforma tanto na Câmara quanto no Senado.

O senhor acredita que o programa de governo vai conseguir se manter ou o PT vai ter que flexibilizar alguns pontos?

Esse governo não é do PT, mas de um conjunto de setores da sociedade que construíram essa unidade em torno da chapa do Lula e do Alckmin.

O papel do Alckmin é similar ao do José de Alencar?

É um papel muito importante e relevante. Acho que o Alckmin é a representação da busca dessa unidade para além dela. O tema da democracia tornou-se um tema tão importante no Brasil que eventuais detalhes de diferenças programáticas entre nós ou entre outros setores são absolutamente menores e irrelevantes diante da necessidade de defender o Estado Democrático de Direito e a democracia. Então, esse governo tem essa tarefa. E o presidente Lula tem o foco muito claro, que é o combate à pobreza, acabar com a fome.


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