Revolução de 1923 abriu caminho para Getúlio Vargas

Revolução de 1923 abriu caminho para Getúlio Vargas

Ao contrário da ruptura política em 1923, um dos protagonistas da política unirá forças para chegar ao poder em 1928

Mauren Xavier e Flávia Simões*

Edição do dia 25 de janeiro de 1928 anuncia a posse de Getúlio Vargas, sucedendo Borges de Medeiros

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Era 25 de janeiro de 1928, exatamente cinco anos depois do início da Revolução de 1923, quando Getúlio Vargas assumiu o governo do Estado. Sucedeu Borges de Medeiros, que deixava o poder após o terceiro mandato consecutivo, como acertado no Tratado de Pedras Altas, que encerrou a última guerra civil do RS, no dia 14 de dezembro de 1923. Mesmo com a janela histórica de cinco anos, a Revolução daquele ano, segundo alguns historiadores, abriu e sedimentou caminho para o nascimento de um dos principais personagens da história política brasileira e gaúcha. 

Será Getúlio Vargas que fará com que os ex-adversários – Borges e Assis Brasil –, estejam lado a lado, celebrando o que viria ser chamada de a verdadeira pacificação do Rio Grande do Sul. Pronto, esse era o passo que faltava para voos mais altos. Enquanto a política café-com-leite (entre São Paulo e Minas Gerais) entrava em crise em um dos momentos mais conturbados da política, o gaúcho lançou, em 1929, a Aliança Liberal, que viabilizou a sua candidatura à presidência da República, em 1930. Porém, ele perdeu para Júlio Prestes. Mas foi por pouco tempo. Logo após, com a Revolução de 30, na qual teve o apoio de alas de militares, ele chegará ao cargo mais poderoso do país. Mas antes disso, vamos voltar no tempo. 

Getúlio Vargas / CP Memória

Nos registros de janeiro de 1923, pouco antes do início da Revolução, Getúlio Vargas aparece como um integrante da comissão Assembleia de Representantes. Naquela ocasião, passou por ele o processo que legitimaria a vitória de Borges de Medeiros, apesar das diversas acusações de fraudes. Durante a guerra, com mandato de deputado federal, Vargas se divide entre o Estado e o Rio de Janeiro. Após, evoluirá rapidamente na política, ocupando cargos como o de ministro da Fazenda do presidente da República, Washington Luis. Esse teria sido o pulo do gato que o tornou um sucessor natural de Borges no comando do governo gaúcho. 

Para Gunter Axt, Getúlio “soube ler o cenário” e “foi perspicaz” / Foto: Mauro Schaefer 

Apesar do voo nacional, para especialistas, o sucesso de Getúlio estava relacionado à sua habilidade política para compreender o que aquele momento exigia. Segundo o historiador Gunter Axt, Getúlio não foi um herdeiro político, mas “soube ler o cenário” e “foi perspicaz”. “Na prática, Getúlio não era um castilhista, nem um borgista submisso. Chegou a romper com Borges em 1915, em uma briga por causa das eleições”, relembra Gunter. Na mesma linha, o professor de história da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Luiz Alberto Grijó, também credita o sucesso político de Getúlio Vargas a um modelo político próprio. Na prática, ele tentou se afastar um pouco do Borges e criou o seu espaço político e para aqueles estavam mais próximos dele, como Flores da Cunha, Oswaldo Aranha e João Neves da Fontoura. “Ele vai fazer uma política para grupos que não recebiam antes muita atenção de Borges”, afirma. Era uma nova era. 

Reorganização política marcará décadas

Foi justamente a habilidade política de saber “caçar com o gato” que fez com que Getúlio Vargas participasse de reformulações do sistema político brasileiro do século passado. Para a disputa nacional, em 1930, ele conseguiu unir integrantes de movimentos políticos adversários. “Aquelas velhas divergências vão se dissolver nessas novas alianças e composições. Mas, a influência será maior na política nacional”, afirma Luiz Alberto Grijó. Ao mesmo tempo, essa reorganização, do início da década de 30, será “mediada por quem está com Getúlio e quem está contra”, enfatiza. Essas relações políticas partidárias seguirão em composição e transformação até 1937, com o Estado Novo, quando os partidos são extintos. 

Será só em 1945, com o fim desse período, que Getúlio fundará o PSD. O partido nasce com o objetivo de atrair nomes com maior capacidade financeira. Dele, derivaria, no Rio Grande do Sul, o PSDA, que propunha atrair aqueles com menor “peso” financeiro e político” e que, posteriormente, viria a se tornar o PTB, desta vez em nível nacional. Nesse organograma político, Getúlio “passa um pano” sobre a histórica divisão entre chimangos e maragatos, juntando dissidentes dos dois partidos em ambas as siglas. 

Para rivalizar com Getúlio, nomes como Carlos Lacerda criam a UDN. Esse sistema, entretanto, viria a vigorar por pouco tempo, até a instauração do governo militar que extinguiu os partidos. Instala-se, então, o bipartidarismo e os militares criam a Arena. Do outro lado, o PMDB surge como uma “frente”. O partido juntava de direita à esquerda, com dissidentes da Arena, integrantes do PSD, PTB e demais siglas, inclusive aqueles historicamente aliados a esquerda. 

Dalva viveu a divisão política em São Francisco de Assis dentro de casa / Foto: Maria Eduarda Fortes 

A polarização intensa, que ganha novos contornos nos dias atuais, encontrou coro nos municípios gaúchos do interior. Se esse movimento é, ou não, derivado da divisão entre chimangos e maragatos, não há como afirmar com certeza. Mas as semelhanças permanecem. Em São Francisco de Assis, não se falava mais em Partido Federalista ou Partido Republicano, mas sim em PP e MDB. Que, historicamente, se alternam no comando da cidade. “Eu estava numa família que era PMDB, que era a do meu padrinho, e como vivenciei aquela divergência (política), quando eu casei e vim para São Francisco, o meu marido e o meu sogro eram PMDB. Então eu já era PMDB, mas o meu pai não, meu pai era Arena. E meu pai dizia: “eu quero melhor pra vocês, mas não quero que se casem com um PTB”. E eu acabei me casando com um PTB”, relata Dalva Dorneles Medeiros, psicóloga e ex-vereadora. Para o ex-prefeito de Alegrete, Adão Conceição Dornelles Faraco, o mesmo se repete em Alegrete. 

Apesar disso, não é possível encaixar chimangos e maragatos no espectro político de esquerda e direita. Muito porque o conceito de esquerda o qual encontramos hoje não existia. O que tínhamos, portanto, era uma linha de conservadorismo, sendo os chimangos mais e os maragatos menos. Algo entre direita e centro-direita, por assim dizer. 

No entanto, independente do espectro político que chimangos e maragatos ocupariam nos dias de hoje e apesar de possíveis divergências entre especialistas, é fato dado que, àquela época, a rivalidade política era forte (e bélica) no Rio Grande do Sul.
*Supervisão Mauren Xavier 

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