Revolução de 1923: O combate que imortalizou a ponte do Rio Ibirapuitã

Revolução de 1923: O combate que imortalizou a ponte do Rio Ibirapuitã

A famosa travessia em Alegrete foi o palco de um dos principais duelos durante a guerra

Flávia Simões* e Carlos Corrêa

Mapa reproduz cenário de conflito, há um século, na cidade de Alegrete

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O 19 de junho de 1923 amanheceu nublado em Alegrete. Como é característico das cidades da região sudoeste do Rio Grande do Sul, não era um dia para sair de casa sem estar bem agasalhado, ainda mais por volta das 11h da manhã, quando um chuvisqueiro resolveu aparecer. Não era exatamente um dia bonito. Mas foi, definitivamente, um dia histórico, quando a cidade se tornou palco de um dos combates mais conhecidos da Revolução de 1923, travado na famosa Ponte do Rio Ibirapuitã. O número de vítimas fatais divide historiadores. Há quem fale em mais de 200, a maioria das forças governistas de Flores da Cunha. Há, no entanto, quem fale em muitos feridos, mas mortos mesmo seriam cerca da 50.

Fato é que quando o sol se pôs em Alegrete naquela tarde, protagonistas da história do Rio Grande do Sul tiveram suas vidas mudadas para sempre: Osvaldo Aranha foi ferido na perna. Teve sorte melhor do que Guilherme Flores da Cunha (irmão menos famoso de José Antonio) e dos irmãos Timbaúva, todos tombados ao longo das quase seis horas de um combate que envolveu não apenas violência mútua como também grandes doses de estratégia.

A Revolução de 1923 já corria desde janeiro e o jogo de gato e rato entre Flores da Cunha e a coluna liderada pelo maragato Honório Lemos era bastante conhecido. Quando os revolucionários adentraram a cidade vindo de Livramento, o fizeram pelos lados do cemitério, já que era uma região mais alta, propícia para os olheiros que ficaram para trás com a missão de avisar a chegada dos chimangos.

A ponte que virou palco do combate não foi escolhida ao acaso. O local, que hoje fica próximo ao centro da cidade, foi bem pensado por Honório, que tinha conhecimento da região. Os maragatos, nas primeiras horas do dia, alocaram-se atrás de um cerco de pedra próximo à ponte, a fim de criar um corredor estreito que dificultava a passagem dos rivais. Ali perto, um estancieiro “auxiliava” parte dos revoltosos. Com o rio cheio e a correnteza forte, ficou impossível a passagem das tropas de Flores da Cunha para o outro lado.

Homero Dorneles diz que ponte era ‘local pouco propício para defesa’ / Maria Eduarda Fortes

“Só que a estratégia não deu certo pela audácia dos oponentes”, explica o pesquisador e historiador Homero Dorneles. De longe, o general republicano, que marchava em direção aos oponentes, avistou o grupo que espreitava à sua espera. Teve de decidir, então, pela única alternativa possível: ir de encontro aos rivais, ciente de que o movimento sacrificaria alguns de seus homens, o que de fato acabou acontecendo.

O curioso é que o fim do conflito pode ter acontecido por um erro de interpretação. Quando avisado que os irmãos Timbaúva, dos quais era muito próximo, haviam morrido em combate, Honório ordenou que tirassem seus corpos da ponte, conta Dorneles. A intenção era dar um enterro digno. No entanto, parte da tropa interpretou o “retirem os corpos da ponte” como um sinal de retirada geral, dando início à partida do grupo para a região dos Morros de Cerros Altos, que Honório conhecia muito melhor que os chimangos.

  Ex-prefeito, Adão Conceição Dornelles Faraco cita ‘táticas de guerrilhas’/ Maria Eduarda Fortes

Estratégia já havia falhado antes

Em um combate marcado por tantas estratégias de lado a lado, é curioso perceber que os maragatos se viram surpreendidos pelos chimangos em um local que já havia se mostrado pouco propício para defesas eficientes em ocasiões anteriores. O pesquisador e historiador Homero Dorneles lembra que, em pelo menos duas outras ocasiões, uma delas durante a Revolução Federalista, combates travados sobre a Ponte do Rio Ibirapuitã não haviam dado muito certo para quem pretendia surpreender o adversário.

De certa forma, há quem imagine que tamanha violência não estava nos planos em nenhum dos dois lados naquele dia. Como era um jogo de perseguições e escapadas, os conflitos propriamente aconteciam menos do que se imaginaria pelas possibilidades. “Eram táticas de guerrilhas, até que se encontram aqui e não teve outra saída. Me parece que chegaram muito próximos, então não tinha como recuar nenhum dos dois lados. Uma vez tão próximos (na ponte), não tinha como nenhum tiro não ser disparado”, acredita o ex-prefeito de Alegrete, Adão Conceição Dornelles Faraco.

Mapa reproduz cenário de conflito, há um século, na cidade de Alegrete/ Reprodução/CPMemória

Em um Estado tão dividido como se mostrava o Rio Grande do Sul naquele período, não passou incólume o papel das forças federais. Na teoria, a zona ocupada pelo exército, próximo à ponte, era proibida, não pelo menos sem uma autorização expressa do Rio de Janeiro, então capital do país. No entanto, os revolucionários foram autorizados a cruzar o local sem maiores incidentes. De quebra, quando solicitado pelos chimangos um mapa da região para as forças de Flores da Cunha, o material não foi dado. O que, explica o historiador Homero Dorneles, gerou uma frase famosa até hoje na cidade: “Em Alegrete, até as pedras são vermelhas”, fazendo referência à cor do lenço maragato.

Dorneles, aliás, afirma que há quem garanta existir na região de Cerros Altos túneis subterrâneos grandes o suficientes para abrigar não apenas homens como também cavalos. Se comprovados, seria mais uma demonstração da tática de guerrilha adotada pela coluna de Honório Lemos, que não por acaso era conhecido como o Leão do Caverá, tamanho o seu conhecimento sobre a geografia da região.

*Supervisão de Mauren Xavier


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