Acompanhamento médico para ruralistas com depressão deve ir além da medicação

Acompanhamento médico para ruralistas com depressão deve ir além da medicação

Centros de saúde do interior reconhecem que casos de transtornos mentais tem crescido

Nereida Vergara

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Os quadros depressivos variam de gravidade e de sintomas. Da tristeza à incapacitação, passando pela consequência mais trágica, o suicídio, os especialistas salientam que o mais importante é a prevenção e o acompanhamento profissional adequado. Com sede em Santa Cruz do Sul, o Centro Regional de Saúde do Trabalhador na Região dos Vales (Cerest/Vales) atende trabalhadores de 68 municípios dos vales do Rio Pardo, do Jacuí e do Taquari, incluindo um grande número de agricultores da cultura do fumo.

Patrícia Fagundes, psicóloga responsável pelas avaliações de saúde mental do centro, explica que o Cerest serve de retaguarda para os municípios, lidando com todos os tipos doenças. “O mais comum é o trabalhador procurar o serviço motivado pelas dores, mas podemos dizer que, em diferentes graus, cerca de 80% daqueles que nos procuram apresentam algum tipo de sofrimento que se enquadra na saúde mental”, frisa.

Patrícia diz que os casos mais graves são encaminhados aos centros de atenção psicossocial e os mais leves podem receber atendimento da médica do trabalho que atende no Cerest. “Aqui na região, os casos que sugerem depressão são mais comuns entre os trabalhadores urbanos, mas temos registrado a busca cada vez maior de agricultores por este tipo de atendimento”, observa. Ela lembra que, pelas características regionais, 90% por cento da população que acessa o Cerest tem ou já teve uma experiência na agricultura ou pecuária, muitas vezes de trabalho infantil.

“O maior índice de registros que sugerem patologias mentais ocorre entre os pacientes que têm por volta dos 40 anos, que estão no auge da sua capacidade produtiva quando a atividade começa a trazer o adoecimento”, pontua Patrícia. A psicóloga destaca que o diagnóstico nem sempre é fácil e que há diferenças de gênero que precisam ser consideradas na atenção aos pacientes. “As mulheres conseguem manifestar mais seus sentimentos, até mesmo pelo choro. Entre os homens, o sinal nem sempre é a tristeza, pode ser a irritabilidade ou o abuso de drogas”, completa.

Há dois anos, a região do Vale do Rio Pardo decidiu criar um comitê permanente para o enfrentamento do suicídio, que em grande parte dos casos vem precedido de depressão. Segundo Patrícia, a região tem índices de suicídio superiores aos da média do Rio Grande do Sul, que é de 10 óbitos por 100 mil habitantes, o dobro da média nacional, e implementa ações para dar à população o maior número de informações possíveis sobre o tema.

“Procuramos levar a discussão às comunidades de um tema que ainda é tabu. Fazer as pessoas entenderem quais são os sinais que um suicida dá, para que atentem para o fato de que nem sempre é o indivíduo mais triste ou aparentemente desesperançado que vai se matar”, acentua a especialista. A psicóloga faz questão de salientar, também, que nenhuma pesquisa concluiu que os suicídios da região são causados pelo uso de agrotóxicos. “Mas se sabe que o uso dessas substâncias pode provocar uma série de distúrbios neurocomportamentais, entre eles a depressão”, ressalva. “A melhor conduta é a da prevenção, pois a maioria dos suicídios pode ser evitada”, conclui.

Passo Fundo

Mesmo sem estatísticas específicas sobre o avanço da depressão entre trabalhadores rurais, o Hospital Psiquiátrico Bezerra de Menezes, em Passo Fundo, é um dos poucos remanescentes da rede psiquiátrica no Rio Grande do Sul, prestando um serviço fundamental a 96 municípios da região. Diretor-técnico do hospital, o psiquiatra Rogério Tomasi Riffel afirma que são tratados pela instituição casos mais graves, de esquizofrenia, psicose e um grande número de dependentes químicos. “A dependência química é um fenômeno que vimos aumentar, inclusive entre as populações rurais”, aponta o médico.

O Bezerra de Menezes conta com 82 leitos e chega a internar cerca de 1.100 pacientes por ano. “Sempre nos engajamos em campanhas de informação para a comunidade, como o Setembro Amarelo, de prevenção aos suicídios. Também buscamos a implementação do Centro de Valorização da Vida (CVV), reconhecidamente um aliado na prevenção”, informa Riffel.

Cursos treinam, integram e melhoram o convívio no campo

O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/RS), integrante do Sistema Farsul, tem iniciativas de promoção social com o objetivo de tirar o agricultor do isolamento e socializar principalmente as mulheres, que, na visão da instituição, estão mais alijadas do convívio comunitário. O chefe da divisão técnica do Senar/RS, João Augusto Telles, registra que a instituição oferece, ao longo do ano, 3,5 mil cursos, entre os quais estão os de trabalhos manuais, treinamento de mulheres para o empreendedorismo e alfabetização de adultos. “Por ano, estimamos atingir pelo menos 35 mil homens e mulheres do campo e acreditamos que esta integração ajuda a minimizar os problemas do dia a dia deste população, até mesmo os quadros de depressão”, analisa Telles.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895