Como o ataque do Irã a Israel pode afetar a agricultura brasileira

Como o ataque do Irã a Israel pode afetar a agricultura brasileira

Desvalorização do real frente ao dólar estimula exportações e valoriza commodities, mas tensão bélica em importante área petrolífera eleva custos de produção agrícola

Itamar Pelizzaro

Soja e milho são os principais itens de exportação da pauta agrícola brasileira

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O ataque do Irã contra Israel, no último final de semana, adicionou incertezas a um cenário geopolítico já complicado pelo conflito iniciado pelo ataque terrorista do grupo extremista Hamas, em outubro de 2023, às áreas fronteiriças de Israel.

Para o produtor nacional de soja e milho, principais produtos de exportação agrícola, o maior impacto nos preços vem da percepção sobre o risco fiscal do país. A situação tem elevado a cotação do dólar frente ao real e favorece as exportações, mas encarece os custos de produção.

O doutor em Economia Argemiro Brum, professor da Unijuí, observa que o mercado mundial está baixista neste momento para soja e milho, possivelmente com a crença de que o conflito entre Irã e Israel seja estancado, embora Israel já tenha anunciado intenção de retaliar.

“A Bolsa de Chicago vem recuando na segunda e nesta terça-feira, principalmente na soja, demonstrando que, por enquanto, não há efeito direto nas cotações”, analisa Brum.

Conforme o estudioso, pesam sobre os preços internacionais fatores de oferta e demanda e a safra norte-americana, semeada neste momento.

Para a soja, pesam três elementos principais na formação de preço: a cotação em Chicago, o câmbio e o prêmio nos portos. Apesar dos recuos de Chicago, o real vinha se desvalorizando desde o início de abril, provocando saída de dólares.

“Isso favorece um ganho de curto prazo junto aos produtores, especialmente de soja. Mas tem a contrapartida de que a desvalorização do real, se permanecer por muito tempo, vai impactar os custos de produção. Então, acaba não ajudando muito, porque uma coisa acaba compensando a outra, no limite”, afirma Brum.

Também pesa na balança a crise fiscal brasileira, “já que o governo, a todo momento, está revisando as metas do arcabouço fiscal, inclusive para o ano que vem”, lembra Brum. E, ainda, a forte posição do Irã na produção de petróleo.

“Se o conflito aumentar e se estender para outros países, aí sim poderemos ter dificuldades inclusive nas rotas marítimas de transporte e outras questões que poderão aumentar os preços das commodities para além dos que estamos imaginando”, projeta o especialista.

O peso da produção petrolífera do Irã

O professor Nilson Costa, do curso de Economia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), reforça que existe uma cointegração de longo prazo entre preços de diferentes commodities, sejam agropecuárias ou petrolíferas.

“Neste contexto, a escalada desse conflito pode trazer um primeiro impacto na ampliação dos preços do petróleo e derivados e, no longo prazo, algum repique no mercado de soja e milho”, avalia Costa.

Costa pondera que outro ponto são as rotas de comércio. “A rigor, o mundo convive hoje com diferentes focos de tensão, seja na Ucrânia, na Faixa de Gaza, agora com o Irã junto, ou ainda no mar do sul da China, além de outros conflitos de menor proporção. É um momento bem delicado do ponto de vista da geopolítica”, frisa.

A intensificação e possível generalização dos conflitos deverá impactar, se confirmada, também as expectativas dos investidores e a economia. Costa percebe que os atores globais estão se aglomerando em grupos distintos, com visões diferentes sobre os diversos conflitos.

“A ordem geopolítica estabelecida após a Segunda Guerra Mundial está sendo posta em xeque, principalmente em função de potências emergentes que buscam o estabelecimento de uma ordem multipolar, entre elas a China, despontando como liderança econômica e Rússia como liderança bélica”, destaca Costa.

O professor vê o Brasil como voz importante no cenário global, pela importância ambiental e produção de alimentos, estratégicos para todos os países.

“Na perspectiva de produção de alimentos, entramos com soja, milho, carne, um mix que garante segurança alimentar ou contribui para isso. Se houver escalada no conflito e adesão de potências como EUA, Rússia e China, entre outras, haverá ambiente com alto potencial de instabilidade e para elevação dos preços do petróleo e na taxa de câmbio. E isso tende a gerar pressões altistas sobre os preços das commodities agropecuárias”, analisa.

Segundo Costa, outro aspecto é que a oferta de soja deve cair a partir de maio, após o pagamento dos custeios rurais, adicionando pressão de alta da cotação da soja. “O cenário atual aponta para maior probabilidade de tendências altistas.


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