Em tempos de crise, remates atestam bom momento da pecuária

Em tempos de crise, remates atestam bom momento da pecuária

Abertura de novos mercados, entrada de novos investidores, entre outros fatores garantiram os bons resultados

Danton Jr.

Remates atestam bom momento da pecuária

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O clima de incerteza que rondava a pecuária de corte no início da primavera não se manteve ao longo da temporada de remates. A demanda por genética de qualidade fez com que alguns dos principais leilões do Rio Grande do Sul batessem recordes em 2015, mesmo em um cenário de retração econômica no país. A abertura de novos mercados para a carne brasileira, a entrada de novos investidores na atividade e a procura por raças britânicas e sintéticas no Centro-Oeste, entre outros fatores, fazem com que o segmento seja um dos poucos não afetados pela crise.

O economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, observa que a pecuária vive, desde 2012, um ciclo de aumento nos preços, concomitante com a valorização das exportações. Ressalta, porém, que a atividade se mantém em alta apesar do cenário econômico brasileiro e da redução no consumo de carne bovina no mercado interno. "Essas coisas fazem com que o consumo de carne caia. Só que estamos conseguindo aproveitar o bom momento do mercado mundial e esse produto que o consumidor interno não está consumindo, nós estamos conseguindo exportar", explica o economista.

Entre 2010 e 2014, a exportação brasileira de carne bovina passou de US$ 4,886 bilhões para US$ 7,2 bilhões. A abertura de dois dos principais mercados do mundo à carne brasileira - Estados Unidos e China -, confirmada neste ano, deve aumentar ainda mais a demanda. Em pouco mais de três meses da reabertura do mercado, o país asiático já ocupa a primeira posição no ranking dos maiores importadores de carne bovina do Brasil no mês de setembro, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). Para os Estados Unidos, a expectativa é de que os embarques iniciem em 2016.

A conjuntura possibilitou alcançar preços "fora da curva". Animal mais caro da temporada, o touro da raça Brangus Artilheiro é considerado um exemplar de exceção. Ele foi arrematado por R$ 90 mil pela Greenfield Silvo Pastoril no remate da GAP Genética, em Uruguaiana. Outros animais, porém, superaram a marca dos R$ 20 mil, valores bem acima das médias, que na última temporada foram de R$ 8,4 mil nos touros e R$ 2,9 mil nas fêmeas.

Nem a baixa oferta de crédito pelos bancos para esta temporada impediu os resultados positivos nas pistas. "O produtor rural está capitalizado. O financiamento bancário ajuda e muito. Mas se não tem, ele (o produtor) tem como financiar", aponta o presidente do Sindicato dos Leiloeiros Rurais do Rio Grande do Sul (Sindiler-RS), Jarbas Knorr. Antes do início da temporada, Knorr apostava em médias 15% acima do ano passado. Agora, acredita que estes valores irão passar de 20% - e o mais importante, com liquidez. Os números serão contabilizados nas próximas semanas.

A valorização ocorre em um momento em que o produtor busca um ciclo mais intensivo para a atividade, que cada vez mais divide espaço com a produção de grãos. "Precisamos que a pecuária produza mais em tempo menor. Nossa procura é por genética que encurte ciclos, que dê rotatividade maior dos campos, com isso tendo produtividade maior", afirma o pecuarista Pedro Tellechea, titular da cabanha BT Junco, de Uruguaiana.

Segundo o consultor Fernando Velloso, da FF Velloso & Dimas Rocha, isso faz com que o insumo touro seja mais valorizado. "Como cada vez há mais intensificação, com as pessoas fazendo uma pecuária de ciclo mais intensivo, com mais suplementação, uso de pastagens, confinamento, o insumo touro passa a ser mais valorizado. Se esse insumo não for bom, seus filhos não vão desempenhar bem. O produto final não vai atingir as especificações do frigorífico", explica.

Velloso, porém, pondera que há uma variação grande de resultados nos remates desta temporada. Ele observa que, enquanto muitos leilões obtiveram desempenho positivo, com médias ao redor de R$ 14 mil por touro, outros registraram números semelhantes ao ano passado, inclusive com lotes não vendidos.

O desempenho positivo dos remates ocorre em um momento de baixa no preço do boi gordo. Após chegar a quase R$ 5,80 o quilo vivo, o produto teve uma desvalorização a partir do mês de julho, chegando a estar cotado a R$ 4,70. O cenário é considerado normal pelos pecuaristas, já que o gado está saindo das pastagens para a entrada da soja. No entanto, nas últimas semanas, a cotação já começou a reagir. "Há uma expectativa de que, para dezembro, já haja uma recuperação de patamares", aposta Velloso.

Demanda forte no Centro-Oeste

A pecuarista Eriety Bertolucci percorreu 1,8 mil km de Alto Araguaia (MT) até Uruguaiana, onde arrematou 26 touros Angus e Brangus no leilão da Cabanha Umbu. Proprietária da Agropecuária Santo Ângelo, ela tem o objetivo de dar continuidade ao cruzamento entre Angus e Nelore, iniciado há três anos. O plantel conta atualmente com 1,3 mil cabeças.

Conforme a pecuarista, a ideia foi buscar "melhoria de qualidade, aumento de peso e animais mais saudáveis e resistentes". Uma das características ressaltadas por ela é que os animais das duas raças já saem do Estado adaptados ao clima, já que suportam bem tanto o frio quanto o calor.

Para Fernando Velloso, da FF Velloso & Dimas Rocha, a busca por reprodutores - especialmente os sintéticos - em outros estados faz com que o comprador local dispute o produto com pecuaristas de fora do Rio Grande do Sul, o que acaba por refletir na valorização. "Isso muda um pouco o cenário em relação a outras regiões que estão vendendo somente para 'dentro'. Essas raças são produzidas basicamente aqui no Sul", justifica.

O leiloeiro Fábio Crespo, há 30 anos no setor, ressalta que o fato de muitos frigoríficos estarem bonificando a carne de qualidade, das raças europeias e sintéticas, fortalece a demanda de estados onde não há grande oferta destes animais, como Mato Grosso, Goiás, Tocantins e São Paulo.

"Esse ano tivemos compradores novos, que nunca tinham vindo. Isso é uma prova de que os resultados (dos cruzamentos industriais) estão sendo positivos", afirma Jarbas Knorr, do Sindiler.

Novos investidores

A temporada também atrai aos negócios criadores que ainda estão dando início à produção. João Izalanski, da Estância Espinilho, de Uruguaiana, começou na pecuária há dois anos, após sair do setor da construção. Durante esta temporada, ele aproveitou para adquirir animais Angus e Braford - duas raças que, segundo ele, são fortes e robustas, com animais que aguentam bem as mudanças de temperatura da região.

Um dos principais compradores desta temporada deu os primeiros passos na pecuária há pouco tempo, mas já era bastante conhecido em outro campo. O jogador Anderson, do Internacional, adquiriu cerca de 600 cabeças, segundo o sócio Augusto Pinto. Os animais somam-se a um plantel de mais de mil animais das raças Angus, Brangus, Braford e Hereford, localizada na Fazenda A8, em Quaraí, comprada pelo atleta há três anos.

Se a fase não é boa nos gramados - Anderson é contestado no Internacional -, nos remates o atleta está em alta. Entre as aquisições feitas por ele está um dos animais mais valorizados da temporada: a vaca Gabriela, grande campeã da raça Brangus na última Expointer. Prenhe do touro GAP Chumbo Grosso, ela foi arrematada por R$ 36 mil no leilão da GAP Genética, em Uruguaiana. Segundo o sócio do jogador, a ideia é investir na produção de terneiros e venda de embriões.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895