Guerra entre Rússia e Ucrânia traz volatilidade a mercados de trigo e milho

Guerra entre Rússia e Ucrânia traz volatilidade a mercados de trigo e milho

Suspensão do acordo de grãos e ataque russo a portos ucranianos geram incerteza quanto a escoamento de produtos pelo Mar Negro e poderão pressionar preços

Patrícia Feiten

Suspensão do acordo de grãos e ataque russo a portos ucranianos geram incerteza quanto a escoamento de produtos pelo Mar Negro e poderão pressionar preços

publicidade

A escalada do conflito no leste europeu, após a Rússia ter se retirado do acordo que permitia a exportação de grãos da Ucrânia por um corredor no Mar Negro e ter atacado infraestruturas portuárias no sul do país, traz novas incertezas à cadeia global de suprimento de alimentos. Para o economista Elcio Bento, analista da consultoria Safras & Mercado, a tensão deverá impactar os mercados de trigo e milho, mas a sinalização de uma tendência mais clara para os preços dependerá dos desdobramentos da guerra nos próximos dias ou mesmo ao longo do ano. Ambas as nações em conflito são grandes produtores de grãos.

Facilitado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Turquia, o acordo entre Moscou e Kiev possibilitou à Ucrânia exportar cerca de 32 milhões de toneladas de alimentos desde a retomada dos embarques, em agosto passado, e expirou nesta segunda-feira (17). A Rússia alega que suas exportações de produtos agrícolas e fertilizantes estão sendo prejudicadas pelas sanções impostas ao seu governo e, para renovar o acordo, exige que suas instituições financeiras possam recuperar o acesso ao sistema bancário internacional SWIFT.

Segundo Bento, a recusa da Rússia em manter o acordo dos grãos já estava “precificada” pelo mercado de commodities agrícolas e, por isso, teve pouco efeito nas cotações internacionais do trigo. “Num primeiro momento, o mercado subiu, mas no mesmo dia devolveu (a alta). O Hemisfério Norte está colhendo agora 90% do trigo do mundo. A Ucrânia estaria fora do mercado com 10,5 milhões de toneladas, mas o resto do mundo estava colhendo”, observa.

Na avaliação do consultor, o fator mais preocupante veio com o bombardeio dos portos ucranianos de Odessa e Chornomorsk e com o anúncio, pela Rússia, de que todos os navios em direção à Ucrânia pelo Mar Negro serão considerados uma ameaça militar. “A partir do momento em que você tem a possibilidade de trancar esse escoamento, traz incerteza não só em relação ao abastecimento de trigo ucraniano, mas sobre os navios que entrariam na Rússia, e aí estamos falando de 40 milhões de toneladas de trigo”, explica.

Esse cenário de volatilidade para as commodities agrícolas, segundo Bento, poderá ser amenizado com uma eventual derrubada das sanções sobre a Rússia. “Por enquanto, estamos especulando sobre uma questão decidida pelo governo (russo), que pode voltar atrás, e (isso faria) os preços voltarem a cair”, pondera. No caso do Brasil, o economista acredita que um reflexo nos preços dos alimentos não seria sentido no curto prazo. “A gente vai ter, num primeiro momento, os agentes voltando a se posicionar, mas esses preços chegariam ao Brasil quando os moinhos começassem a comprar e repassassem para a farinha”, afirma.

Para o milho, Bento avalia que o cenário de abastecimento global é mais favorável em razão dos recordes de produção do Brasil e da projeção de supersafra também nos Estados Unidos. “Os dois gigantes da exportação estão bem longe da guerra. A Ucrânia é um grande produtor, só que consome mais internamente”, diz. Já a oferta de trigo indica um quadro mais apertado, impactado por problemas climáticos na China, na Índia, no Canadá e na Argentina. “A Austrália, que no ano passado foi o segundo maior exportador, tem uma seca que vai cortar a produção, então isso traz mais incertezas”, destaca Bento.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895